Creio estar a ser factual quando escrevo que existe um triângulo amoroso relacional entre mim, os videojogos e sanitas. Os motivos são bem mais emocionais que racionais. E são, essencialmente, motivos que vêm detrás – mas já lá vamos (aos motivos, que ao detrás seria estranho).

No início do ano, a ideia para este artigo surgiu-me após o episódio do Split-Chicken em que o Ricardo e o Parreira falaram sobre jogar em sanitas. Há infelizmente uma série de contraindicações médicas face ao acto de prolongar a nossa soberania sentados no trono com que conquistámos a Mãe Natureza. Risco de exposição prolongada a germes e bactérias. Risco de comprometermos o nosso intestino ao obrigá-lo a estar contraído numa posição contra natura ao que estamos a fazer. Risco de desenvolver hemorroidas. Tudo assuntos cuja leitura científica (ou quase) eu recomendo, aqui, aqui e aqui.

E que faço eu com estes riscos, perguntam vocês? Limpo o meu dérrière com eles, pois então!

Para aqueles de vocês que estão numa fossa de cépticos ao lerem isto, devo lembrar-vos que está apenas em causa o tempo que passamos a evacuar e o que fazemos com ele. Ler o jornal na sanita é, afinal, uma instituição que remonta pelo menos até ao século XVIII. Desde o advento desta invenção – que não respeitamos o suficiente e para a qual nos estamos constantemente a c**** – que passámos a ter um conforto sem precedentes durante o acto de defecar. Há toda uma página de Wikipedia sobre o assunto. Então, se ler na sanita é uma prática amplamente aceite, porque não jogar?

Do século XVIII passamos ao ano 2000, quando o vosso escriba adquiriu pela primeira vez um GameBoy Color. Antes, não me lembro se tinha o hábito de levar livros ou BD para a casa de banho. Depois, aquilo que começou por ser motivado por “não quero parar de jogar” tornou-se num ritual basilar da minha personalidade. Sim, sou capaz de fazer o estritamente necessário em menos de um minuto como a maioria de vocês – mas escolho sempre que possível um intervalo dos 20 aos 40 minutos. Se com nove anos era apenas um escape para jogar longe dos limites impostos pelos meus pais, hoje em dia é um pedaço de tempo pessoal, instrospectivo. E, admito, egocêntrico também.

Normalmente jogo para me fechar sobre um mundo qualquer. Sou o herói ou heroína, sozinho, que isso do multijogador não é comigo. Sinto ao mesmo tempo que esse escapismo individual que sempre busquei nos videojogos encontra na individualidade da casa de banho um habitat de excelência. Apenas um homem, o seu esfíncter e a sua consola.

Ah, a consola. Como devem imaginar, portáteis têm sido as minhas companheiras de casa de banho. Do GameBoy Color, à DS e 3DS, agora com a Switch. A actual geração da Nintendo deu-me ainda mais desculpas para prolongar o meu hábito – da televisão para o sofá, do sofá para a sanita, da sanita para a televisão. Pasmem-se, não haverá análise de Switch escrita por mim no Rubber que não tenha tido ao menos uns minutos de trono. E não se enojem, está tudo bem: em nome das boas práticas sanitárias, o momento em que o papel higiénico entra em acção, a consola é pousada e só volta a ser tocada após o ritual de lavar as mãos.

Não têm de jogar na sanita. A verdade é que é um tempo que somos obrigados a passar. Como comer, ou dormir. Não tentamos fazer das refeições um momento de convívio? Ou de entretenimento? E o conforto do nosso colchão, não importa? Leiam, digital ou papel, jogam, vejam qualquer coisa. É tempo bem passado.