Todo o cenário do desenvolvimento de The Guild 3 é impressionante e bizarro. Como fã dos dois originais, em especial do segundo, que muito correu no PC em 2008, foi com alegria que participei na reunião privada de apresentação do jogo em 2014, na Gamescom. Há época pouco havia para mostrar, mas o discurso do estúdio responsável pelo jogo, os GolemLabs, era muito direccionado para quem já conhecia a série, e que sabia do que falavam. No ano seguinte, na Gamescom 2015, mais uma reunião privada e a oportunidade de ver já algum gameplay do jogo.
Em 2017 o jogo chegaria em Early Access ao Steam, mas dado o desastre que resultou, a THQ Nordic viu-se obrigada a substituir o estúdio de desenvolvimento, e a empresa Purple Lamp acabaria por pegar no título e levá-lo até ao seu lançamento, na semana passada.
Admito que a determinada altura achei que já não fossemos ver este jogo terminado e que ficaria para sempre no purgatório dos jogos inacabados, sem nunca chegar à conclusão. Felizmente não foi o caso, mas ainda assim, após largas horas de volta da terceira iteração deste simulador de economia e vida medieval, consigo perceber que o segundo jogo continuará a figurar no topo da minha preferência da série.
A forma mais simplista de definir The Guild para quem não conhece, é enquadrá-lo, de forma exagerada, como uma espécie de cruzamento entre The Sims medieval e um simulador económico e político da Idade Média.
O objectivo final de The Guild 3, em cada playthrough, é o de garantir que a nossa família alcança o domínio político e económico da cidade onde estamos a jogar. Mas para isso necessitamos… de uma família. Cada novo jogo permite-nos definir a cidade onde começamos, o número de dinastias a competirem connosco, quantos anos decorrem em cada turno (o jogo é jogado em tempo real), e se começamos de alguma forma estabelecidos na sociedade ou se do zero.
Na minha playthrough mais longa comecei com um plebeu que começou o seu primeiro negócio – sendo que existem muitos tipos diferentes ao longo do jogo, mas nem todos estão acessíveis logo de início. A minha ferraria contou com a supervisão do patriarca da minha dinastia, e dois funcionários, uma ferreira e uma carregadora de matérias-primas e de objectos produzidos para o mercado.
Em The Guild 3 tudo é microgestão e a profundidade mecânica pode ser assustadora para alguns. Podemos controlar a forma como lidamos com os nossos empregados e até com as outras dinastias. Podemos enveredar por um caminho ilícito, com negócios ilegais, extorsões e ameaças/espancamentos dos nossos rivais, e ao mesmo tempo ir subindo na governação da cidade ao ponto de podermos alterar as leis para que os nossos actos sejam legais.
É esta profundidade que sempre me aproximou de The Guild, ainda que esta terceira iteração tenha alguns retrocessos em termos da forma como influenciamos as muitas pessoas que fazem parte da estrutura política e governativa da cidade. Por alguma razão o foco foi maioritariamente dado à sedução e às nossas tentativas de recebermos favorecimentos e de promovermos a nossa imagem ao criarmos relações extraconjugais com membros do governo da cidade.
O foco dado à parte amorosa em The Guild 3 parece-me desnivelada em relação ao que o jogo anteriormente oferecia. É verdade que a importância de estabelecermos uma dinastia, cortejando alguém e tendo filhos a quem possamos passar as conquistas da nossa família são um factor importante, mas parece-me que a equipa do estúdio Purple Lamp se focou em excesso na habitual comparação que tanta gente faz da série The Guild ser The Sims medieval.
Outro aspecto curioso para um título publicado por um colosso como a THQ Nordic é a falta de atenção ao UI e UX do jogo. Navegar nos muitos menus de um jogo mecanicamente tão complexo quanto The Guild 3 é um verdadeiro inferno, e há tanto que poderia ser repensado e melhorado para que a experiência dos jogadores fosse menos labiríntica, mas não, nada disso acontece. Outra crítica fácil de fazer é que a THQ Nordic deveria olhar para esta série – que apesar de ser de nicho – merece outro tipo de direcção de arte do que a apresentada. Existem dezenas, senão centenas de jogos indie com menor poder de orçamento que souberam imputar um grande valor artístico às suas criações, independentemente das limitações orçamentais, mas The Guild 3 assemelha-se, no pior sentido da comparação, a um AA europeu. E apesar de o ser, já era altura de se deslocar artisticamente de tantos outros simuladores banais feitos e consumidos na Europa.
The Guild 3 continua a ser um jogo de nicho altamente complexo, e que tem uma abertura total com a forma como encaramos o nosso objectivo de elevar a nossa dinastia aos píncaros da região. Essa densidade mecânica e conceptual não é para todos, nem a temática económica e política, ou sequer o setting de Europa Central de 1400. O investimento que fazemos em planear e gerir a nossa família, o seu reconhecimento na cidade e os negócios que vamos criando são recompensadores a médio prazo, assim que começamos a ascender na governação municipal e influenciar as leis a nosso bel-prazer.
Depois de 8 anos de desenvolvimento e de muitos percalços, é interessante finalmente ver este título chegar às lojas, com falhas e decisões mecânicas e artísticas que não o conseguem elevar acima do seu antecessor. Mas ao mesmo tempo com a esperança que este novo estúdio que trouxe The Guild 3 possa pegar numa sequela, de base, e implementar as mudanças que a série bem precisa.