Octopath Traveler ainda ocupa um lugar especial no meu coração. Um dos cartões de visita para eu entrar no Rubber em 2019, marcou-me essa estreia do 2DHD e da Square Enix a assumir que os RPGs por turnos ainda tinham um lugar no seu portefólio, ainda que longe da jóia da coroa Final Fantasy (que recentemente Naoki Yoshida assumiu necessitar de vários jogos para satisfazer as diferentes necessidades do mercado dos RPGs).

Octopath Traveler: Champions of the Continent, é a prequela lançada para dispositivos Android e iOS no Japão em 2020 e agora localizada para o Ocidente desde Julho.

Sim, é um jogo free to play.

Sim, tem microtransações.

Sim, é o Rubber a alimentar um dos grandes flagelos da Humanidade.

E sim, achei-lhe imensa piada. Batam-me com um pau, se quiserem.

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Como estes dias o Rubber anda com falta de cliques, vou ser uma badalhoca e vender-me à vossa (e, caramba, à minha) necessidade de cascar nos jogos mobile, especialmente os free to play, ao enumerar tudo o que achei de mal em Champions of the Continent:

– a Square Enix não se dignou a dar voice acting em inglês ao jogo, mantendo apenas o japonês do original, pese alguns momentos memoráveis na dobragem do jogo da Nintendo Switch em 2018;

– há uns rubis (moeda do jogo) que se podem comprar (com moeda real);

– há mecânicas gacha (descobri finalmente que isto vem da expressão japonesa para aquelas máquinas que vendem brinquedos e nas quais não sabemos o que nos vai calhar) para ganhar novos personagens jogáveis;

– os bonitos efeitos visuais da parte “HD” do “2DHD” estão um bocado mais simplificados;

E é isto. Não achei mais nada de mal. Estranho não é?

AGORA JÁ PODEM LER COMO AS PESSOAS

Vamos lá então ao que importa, que eu não tenho tempo para dedicar textos inteiros a jogos que são só maus. Se não gostaram do original Octopath Traveler – batalhas por turnos, estilo retro e uma narrativa cheia de emoção mas com uma série de enredos paralelos que muito pouco se cruzavam – então Champions of the Continent não vos convencerá, pois vai pelo mesmo caminho.

Ah, e tem uns rubis que podem custar-vos dinheiro real. Bom, mais vale tirar este assunto já do caminho: as microtransações passam completamente ao lado da experiência. Mais: vou até ousar dizer que elas são desencorajadas, em completa dissonância com os arautos da desgraça que acusam Champions of the Continent de hipocrisia para com o material original, propositadamente livre de DLC ou compras além do cartucho original.

Pronto, é por isto que o Rubber não tem tido artigos, porque o único caramelo que ainda escreve na silly season diz que um jogo com microtransações as desencoraja”.

Eu explico. Como em muitos jogos com esta mecânica de colecionáveis aleatórios, em Champions of the Continent a variável é a qualidade potencial das personagens, de 3 a 5 estrelas, o que se reflecte nas estatísticas melhores ou piores de cada uma. Quando arrancamos o jogo, durante um prólogo todo profundo, é-nos dado o nosso primeiro viajante: um dos oito protagonistas, sempre de 5 estrelas. Depois são-nos dados outros três, de qualidade inferior, para começarmos a aventura. Só depois de conquistarmos, através do jogo ou comprando, mais rubis, é que podemos novamente convocar mais viajantes, através de um misterioso anel que cumpre um papel no enredo.

E aí, claro, muitos serão os draws de 3 estrelas, menos os de 4 e ainda menos os de 5. Mas adivinhem lá – facilmente se disfruta de todo o enredo e a maioria do conteúdo opcional mesmo que a sorte não nos sorria. Admito que o endgame seja mais exigente (ainda só joguei dez horas e não deu para tanto), mas nunca me senti desapontado na colecção de viajantes que tive em qualquer momento para avançar. E – adivinhem lá outra vez – até fui obtendo rubis suficientes para conseguir dois ou três personagens de máximo potencial, que não me custaram tanto a sair.

Agora vem o argumento final. Com 30 rubis temos direito a um personagem, com 300 a dez de uma só vez. Em dez horas espaçadas ao longo de duas semanas ganhei para cima de 2000, pela módica quantia de zero euros. E a pagar? 1€ dá-vos 10 (equivalente a duas quests de 5 minutos ao todo), 20€ dá-vos 200 e 100€ dá-vos 1000. Face ao investimento mínimo de tempo, sem grind, a ver enredo e combate passar, digam-me como é que isto não vos desencoraja a gastar? Cheira-me que só as ‘whales’ – sim, gíria de casino – destes jogos, que normalmente são poucas pessoas mas que juntas financiam a maior parte dos lucros para os developers, vão entrar no esquema. Ou quem queira muito do endgame – que possivelmente só os mais devotos vão ter paciência para. Mas a verdade é que não consigo ver uma vantagem muito grande em comprar grandes quantidades desta divisa do jogo, pois para o jogar temos mesmo de completar as quests – e isso só se faz, jogando.

E de resto? O combate é viciante como no original, com a interface perfeitamente adaptada a um ecrã táctil, onde todos os comandos implicam carregar ou deslizar pelo ecrã – especialmente intuitivo nos boosts de ataque, acompanhados da vibração do dispositivo. O movimento pelo mapa faz-se ao deslizar o dedo ou só a indicar o destino que a nossa party encarrega-se do resto. Uma interface de utilizador muito natural, a encorajar a preguiça natural de interagir com estes jogos e as partidas curtas.

Admito concordar com a proposta do ecrã inicial que nos convida a disfrutar do jogo “ao nosso próprio ritmo, numa experiência single player”. Porque há as típicas recompensas por missões diárias ou semanais que não poderíamos recolher a jogar muitas horas seguidas e porque nunca me sinto muito motivado para passar muito tempo seguido a jogar ao telemóvel, nunca mais que uma hora e quase sempre bem menos. Tenho-me deleitado com as simples histórias quotidianas dos viajantes, em contraste com os arcos mais negros e desenvolvidos dos três ramos da narrativa principal, que mais tarde desaguam em arcos mais avançados ou num arco comum.

Há muito pouco que me afaste de Champions of the Continent neste primeiro mês de lançamento. A sua natureza episódica, a certeza de mais conteúdo, ainda que sempre com o horizonte do jogo deixar de ser suportado eventualmente, deixa-me confiante que voltarei ali alguns minutos cada dia. A ler mais uma história. A caçar mais uma criatura. A viajar mais um pouco.