A capacidade única de imaginar que temos quando somos crianças é algo que invariavelmente perdemos com o nosso crescimento. Uma habilidade única tão bem encapsulada por Bill Waterson nas suas magistrais e intemporais tiras de domingo, demonstrando como essa imaginação pode ser o motor de histórias marcantes e inspiradoras.
Regressei hoje mesmo ao escritório após 3 semanas e 1 dia de férias com a minha mulher e com os meus 2 filhos. Nestas 3 semanas e 1 dia em que desliguei tudo – as expectativas, os hobbies, e até muitas vezes os dispositivos electrónicos – consegui observar essa mesma imaginação em acção tantas, mas tantas vezes. Desde há 1 semana que os meus filhos têm uma brincadeira ao qual nós nos juntamos que consiste em sermos dotados de magia, e conseguirmos projectar-nos uns aos outros como se de real telecinésia se tratasse. Uma brincadeira divertida, com laivos de performance dramática que culmina sempre em verdadeiras gargalhadas, e com a lembrança do meu filho mais velho para o mais novo que esta magia que temos só pode ser usada para o bem, e nunca para magoar.
Somemos a esta brincadeira tantas outras que temos, com especial foco nestas 3 semanas e 1 dia em que tivemos a sorte de podermos estar juntos, em família, sem interrupções ou distracções. A imaginação das crianças – e a forma como por extensão estimula a nossa – é das forças mais inspiradoras que podemos viver.
Lost in Play fala dessa capacidade de construir mundos e de permitir que a imaginação derrube as barreiras da realidade, levando-nos por uma viagem criativa de dois irmãos, Toto e Gal, que atravessam uma série de aventuras tendo como base o mundo real.
Mais do que uma aventura point ‘n click, Lost in Play é um brilhante filme de animação interactivo. É curioso perceber o quanto a democratização do acesso às ferramentas – e a evolução destas – permitem-nos ter acesso a jogos desenvolvidos por equipas pequenas que transcendem o espaço dos videojogos e que rivalizam em qualidade e talento com excelentes obras de animação.
Uma parte de mim acredita que Lost in Play esteve durante algum tempo na cabeça e nas mãos dos seus autores com planos de ser um filme de animação. Uma aventura animada, imaginativa, que demonstra a amizade e a diversão de dois irmãos a viajarem pelos perigos criados pelas suas cabeças a partir de elementos banais do quotidiano. Um comum sapo no jardim que é um batráquio gigante a guardar um portal encantado, um lago do parque infantil do bairro que alberga um pelicano gigante comedor de patinhos de borracha montado por um duende maldoso.
Lost in Play tem uma progressão, ao longo dos muitos cenários que percorremos, de desligamento da realidade e de aproximação ao mundo imaginativo das crianças. Se na primeira hora ainda temos contacto com o mundo real da sua casa, a cada novo capítulo (ou ecrã), essa ligação ao real vai-se esbatendo e as situações com as quais nos confrontamos já são totalmente imaginadas.
Sendo verdade que grande parte dos elementos que constituem a fórmula dos point ‘n click já foi desenvolvida, e que muitos dos autores clássicos como Charles Cecil o que têm feito na última década é pensar o género adaptado à realidade dos dias de hoje e à ubiquidade das consolas e dos comandos. Introduzindo a capacidade de controlar os personagens e de navegar o ecrã e inventário de forma cuidada com analógicos e botões, e ao mesmo tempo introduzindo elementos de qualidade de vida que vieram derrear características arcaicas de game design direccionadas apenas a manter a experiência de jogo o mais longa possível, e nem sempre da melhor forma.
Mas o que Lost in Play nos faz é algo diferente. É beber de jogos que se intersectam com o próprio género, nomeadamente o genial Professor Layton. Interligados com as sequências clássicas de point ‘n click onde temos de encontrar determinados itens e interagir com tantos outros objectos, numa sequência de exercício do clip adaptado ao game design, encontramos mini-jogos em formato de puzzle, que lembram muito esses apontamentos que ajudaram a tornar famosa a (aparentemente esquecida) série da Level 5.
Muitos dos puzzles envolvem resolver desafios mentais em tabuleiros, sejam com as típicas peças escorregadias (que atravessam a mesa numa direcção até ao fim da mesma), readaptações do jogo das damas, ou mesmo de sequências criativas de utilização de lógica.
Sem uma única palavra escrita ou falada – os irmãos e os restantes personagens falam gibberish, mas que se ajusta na perfeição a todo o jogo – sendo que os pedidos dos personagens e resoluções de alguns puzzles são todas iconográficas. Mesmo o menu de ajuda (disponível se carregarmos num botão) não estraga a experiência, e mostra-nos apenas uma ilustração que nos encaminha na direcção certa se soubermos o que procurar.
Um fenómeno curioso que senti com este Lost in Play é o facto de que as sequências de point ‘n click tradicional (que compõem grande parte do jogo) foram ultrapassadas quase sem pausas por mim, tendo mais dificuldade em alguns minijogos do que nos puzzles principais. A isto se deve certamente ao facto de que eu, os autores e os fãs de point ‘n clicks termos as mesmas referências e partilharmos memórias e mindset, levando a que consiga identificar quase de imediato o que os autores querem que faça em cada cenário, com raríssimos momentos de dificuldade.
Lost in Play é uma experiência soberba que termina de forma excessivamente rápida. Não porque haja pouco conteúdo, mas porque tudo o que o jogo nos apresenta é de uma qualidade elevadíssima. Da excelente direcção e execução artísticas que o fazem ombrear com o que de melhor tem sido feito no cinema e em séries de animação, passando pelos puzzles e mini-jogos, que não sendo frustrantemente desafiadores, conseguem estabelecer um nível interessante de dificuldade, mantendo esta viagem imaginativa semi-onírica sempre num ritmo interessante.
Faltando apenas 4 meses para o final do ano, uma das grandes certezas que posso ter de um ano relativamente morno é que será com muita dificuldade que este Lost in Play não chegue a um dos meus jogos favoritos do ano. Um título magistral que ficará infelizmente escondido no desconhecimento à que a quase totalidade dos jogos indie estão fadados.
Comments (2)
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