Poupar-nos-ei a todos o tempo de explicar o quanto a série Monkey Island é importante para nós, ao ponto de ter motivado o Miguel Tomar Nogueira a pegar num famoso objecto do jogo e usá-lo como nome para este site onde trabalhamos há tantos anos. Monkey Island é consensualmente genial, e para muitos, o pináculo de um género que há 30 anos teve a sua maior expressão comercial. Sim, disse bem, 30 anos. As décadas também passam por nós, ainda que queiramos ignorá-las.
Return to Monkey Island surge 31 anos depois do lançamento de Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge, o último título da série onde Ron Gilbert trabalhou antes de abandonar a LucasArts e criar a Humungous Entertainment com Shelley Day. E na realidade Return to Monkey Island parece ignorar os 3 títulos da série e assume-se como uma sequela directa do segundo jogo, e último que Gilbert criou.
Sem incorrer em qualquer spoiler, é curioso que o estranho e para alguns infame final de LeChuck’s Revenge é de alguma forma revisitado e até explicado no prólogo deste título, com Ron Gilbert a oferecer um ramo de oliveira aos fãs da série que passaram décadas a remoer com o final do segundo jogo, e qual a sua explicação e enquadramento em toda a série, sendo terreno fértil para inúmeras teorias e fan fiction.
Em muitos aspectos, Ron Gilbert regressa às origens. O histórico criador não quer reinventar o género – algo que já esperávamos – basta vermos a pérola herdeira dos primórdios da LucasArts que é Thimbleweed Park. Mas Return to Monkey Island é sobretudo a demonstração de que Gilbert era a verdadeira força motriz por trás de uma das mais emblemáticas séries de videojogos da História, ainda que o primeiro título sem ele, e terceiro da série, ainda possuísse heranças da sua criatividade e direcção narrativa e artística.
O humor vem em ligação com os dois primeiros títulos da série: auto-referencial, auto-consciente, com momentos de quebra da quarta parede e de contacto directo com o jogador, numa paródia aos piratas que mantém aquele elemento de difícil equilíbrio que tornou os primeiros jogos praticamente perfeitos: misturar a ingenuidade do protagonista e do mundo que ele habita com um humor certeiro, onde nem sempre a piada era imediata, e podia surgir horas após a sua preparação ter-nos sido entregue.
Muito se falou da nova direcção artística desta nova iteração, e muita tinta digital correu sobre as reacções – inflaccionadas e inflamadas – do público. Ao ver as animações simples mescladas com esta nova direcção de arte, mais próxima dos livros de ilustração infantis contemporâneos, só posso agradecer a Gilbert e à sua equipa do estúdio Terrible Toybox por ter querido arriscar. Seria mais fácil seguirem uma linha similar à que Thimbleweed Park criou, parecendo ter sido criado em 1991, mas o que aqui surge é uma visão artística que não tem medo de falhar, e que compreende, e bebe, das criações artísticas circundantes.
A atenção ao detalhe e as múltiplas recompensas narrativas (e algumas visuais) que Gilbert dá aos seguidores da série é o que diferencia um objecto produzido com paixão e um mero cash grab de uma franquia tão poderosa quanto esta. Em tudo Gilbert poderia querer ser o mais conservador possível, criando um fac-símile da experiência que todos tivemos há 30 anos, mas não. O que Return to Monkey Island nos dá é algo diferente: é um objecto respeitador e profundamente conhecedor do seu passado, mas com a criatividade a olhar para o hoje e amanhã.
Se as componentes de point ‘n click estão aqui todas, tenho de admitir que Gilbert implementou o que penso ter sido a primeira vez que vi num jogo do género: a introdução de um modo casual e um hard mode, sendo este mais apropriado a habituées da série e do género. Return to Monkey Island permite-se a si mesmo manter o patamar de experiência e desafio que os fãs de três décadas esperam, tendo sido criado ao mesmo tempo uma porta de entrada mais acessível a novos jogadores.
Return to Monkey Island é brilhante e mostra a muitos criadores e empresas o verdadeiro significado emocional e criativo de pegar numa série tão amada por milhares (ou milhões de pessoas) e trazê-la para os dias de hoje, dando-lhe continuidade com toda a consciência do material original e para onde levar Guybrush Threepwood, Elaine Marley, LeChuck e todo o elenco que marca o seu regresso, a reboque do novo título.