Sonic é uma das mascotes mais adoradas dos videojogos, mas desde a sua estreia na Mega Drive que a SEGA mostrou uma grande inconsistência na qualidade dos seus jogos. Produzido para ser rápido e frenético, explorando as suas propriedades de velocidade, os jogos de plataformas 2D são o habitat natural do ouriço azul. Mas muitos dos seus spin offs, em géneros ou perspectivas diferentes, nem sempre a qualidade do design e diversão foi conseguida. E basta olhar para Sonic the Hedgehog, o título de 2006, para perceber o fundo que bateria o universo, num lançamento cheio de problemas. Aquele que seria a festa para comemorar os 15 anos da personagem, bem poderia ter sido a sua despedida.
Jogos da série com maior abertura de níveis existem desde a Dreamcast, com Sonic Adventure, mas tratou-se de uma aventura com liberdade de exploração em pequenos cenários, que funcionam como hubs para os níveis. É por isso que o novo Sonic Frontiers está a ser promovido como um verdadeiro jogo open world, à semelhança dos sandboxes, género que todos os anos chegam ao mercado em grande quantidade.
A grande curiosidade era perceber como a SEGA iria tentar ligar os elementos clássicos dos níveis lineares, com a liberdade de exploração, atividades que justificassem o deambular pelos cenários, e claro, manter todas as características do ouriço azul, a sua velocidade supersónica e as habilidades especiais. E claro, no meio disto, tentar ligar tudo com uma história cativante, que agarrasse os fãs até ao fim. E diga-se que a editora fez um péssimo trabalho de promoção e comunicação do jogo, mostrando um mundo aberto, sim, mas vazio, desconectado e com um mood diferente, ainda que a premissa da narrativa fosse curiosa. Os trailers não deixaram os fãs impressionados e tudo parecia encaminhado para que Sonic se despenhasse em alta velocidade.
Mas Sonic Frontiers está longe de ser um mau jogo. Mas também não é excelente. É sobretudo um jogo experimental e acredito que a SEGA tenha acertado pelo menos na fórmula de construir um formato de open world capaz de demonstrar as capacidades da personagem. É uma aventura composta por quatro ilhas gigantescas, exploradas muito rapidamente graças à real velocidade de Sonic. E até nos esquecemos que existe uma mecânica de fast travel, mas esta é tão obscura e obriga a ações prévias que vão esquecer que esta existe. É preciso pescar, uma atividade simples, mas divertida, para tentar sacar um scroll de fast travel. Depois é preciso encontrar umas personagens e no mapa principal escolher o local.
Mais de 25 horas de jogo e nunca utilizei o fast travel, o que para mim é uma mecânica essencial num open world e que em Sonic Frontier cheguei a esquecer que existia. E este é o maior elogio que posso fazer à velocidade e diversão que é controlar Sonic nestas ilhas gigantes. Isto porque a cada dois ou três metros vão tropeçar em trampolins, rampas, rails, argolas, caixotes e outros elementos que vão fazer Sonic saltitar de um lado para o outro.
Mas é o jogo mais difícil de planear o que fazer a seguir. Tentem ir a um objetivo ou área que designem no mapa e quando dão conta estão do lado oposto da ilha. Isto porque o jogo tem tantas migalhas para seguir, que rapidamente estão a desviar-se do caminho, porque há mais uma medalha para apanhar, mais uma atividade mistério para fazer, um inimigo para eliminar, um mini-boss para enfrentar. Há muito que não via um jogo que nos incentiva a deixar-nos ir ao sabor das atividades, antes de nos preocupar em cumprir os objetivos. E isso é o conceito de sandbox na sua mais pura essência.
Mas o primeiro contacto com Sonic Frontiers é, de longe, o mais estranho da série. É um ambiente desolador, taciturno, com uma sensação de melancolia, que o jogo faz questão de oferecer ao jogador. Não só ao nível dos visuais mais cinzentos e monocromáticos, que contrasta com as cores vibrantes dos jogos clássicos da série, como as próprias melodias, com muito piano, nos levam a sentir o ambiente pesado. Tudo isso foi pensado em prol da história, como os próprios heróis fazem questão de salientar nos diálogos, algo que demonstra a sintonia que a SEGA conseguiu criar entre o jogador e o mundo que construiu.
A história centra-se no arquipélago StarFalls Islands, composto por quatro ilhas, levando Sonic, Tails e Amy Rose a investigar uma atividade que reuniu as Chaos Emeralds, acabando por serem sugados por um estranho buraco negro. O certo é que Sonic vai parar num mundo digital e assume a missão de reunir as esmeraldas, enfrentar cada titã robótico da ilha para remover as fronteiras entre o mundo físico e digital. Mas os seus amigos desapareceram e foram aprisionados numa forma de hologramas, cabendo a Sonic encontrar a solução para os trazer para a realidade. Claro que o Dr Eggman está de alguma forma ligada a este mistério e o próprio também acabou por ser vítima da tecnologia anciã das ilhas e levado para o mundo cibernético. O grande mistério é perceber quem é esta raça digital, as máquinas que habitam nas ilhas e claro, salvar os amigos.
O principal problema do jogo é o seu próprio loop de gameplay. Completando a primeira ilha traça-se praticamente o perfil daquilo que vão encontrar nas seguintes. E é um ciclo muito limitado e repetitivo. Depois de encontrarem Amy Rose, terão de encontrar as suas memórias, são dezenas de símbolos espalhados pela ilha, tornando-se um dos objetivos. Sempre que reúnem um determinado número indicado terão de falar com a personagem. Para desbloquear os altares que protegem as esmeraldas terão de encontrar chaves. Para encontrar chaves têm de completar os níveis de ciberespaço, que são o mais próximo que vão encontrar dos jogos clássicos de Sonic. E para desbloquear os altares de acesso aos níveis têm que encontrar rodas dentadas largadas por certos inimigos ou completar outras atividades espalhadas pela ilha.
E é basicamente este o progresso da aventura, em que cada território tem um titã para enfrentar. É um embate intenso e variado, dos melhores aspetos do jogo. Algumas das mecânicas de combate com os bosses lembram mesmo o Shadow of Colossus, obrigando a trepar e navegar pelo boss à procura de um ponto fraco. Aliás, muito do ambiente desolador que encontramos no início da aventura lembra um pouco o jogo da Team Ico. Todos os inimigos têm mecânicas especiais e obrigam a abordagens diferentes para os eliminar.
Adicione-se a isso o facto de que não existe qualquer mapa pintado neste vasto mundo. Para que este seja montado e assinalando as atividades disponíveis, há que completar puzzles e outras atividades. Ou seja, completar o mapa revela-se como uma atividade por si, um puzzle que vai complicar mais a vida, do que ser propriamente divertido de o fazer. O design dos cenários, com alguma verticalidade e muitos abismos e rios que separam as pequenas ilhas, dificultam a progressão, encontrar o caminho por onde seguir, chegando a ser frustante, sobretudo na terceira ilha, a Chaos Island, em que se passa mais tempo a tentar encontrar caminho para os objetivos do que a divertir com as atividades.
Ao longo da aventura Sonic vai ganhando experiência, que pode ser utilizada para desbloquear novos golpes especiais numa árvore de talentos. É basicamente uma forma de ir atualizando o herói para inimigos mais fortes, completando o seu leque de ataques e combos. O meu favorito é o Cyclone, a possibilidade de ativar elementos no cenário desenhando um círculo com o rastro da personagem ou fazendo dano aos inimigos. O Sonic Boom é o ataque à distância, eficaz para eliminar grupos de inimigos.
Muitos dos ataques são tão rápidos e frenéticos que não damos conta do que está a acontecer e por vezes estamos a disparar Sonic Boom em inimigos fora do ecrã. A recolha de itens especiais e pequenas criaturas permite ainda aumentar quatro estatísticas ao longo da aventura: a velocidade da personagem, o ataque, a defesa e o número de anéis que podem carregar.
Graficamente está longe de ser uma montra de nova geração, revelando cenários mais vazios do que o normal, justificando-se pela fluidez e liberdade de deslocação de Sonic. Já os níveis clássicos mantêm o charme dos jogos 2D, sendo coloridos e rápidos, com diferentes perspetivas, tanto lateral, como numa visão de câmara por trás da personagem. Estes acabam por quebrar a rotina da exploração, havendo cerca de meia dúzia por cada ilha.
Mas se há um aspeto que não se entende são os pop ups dos elementos do cenário. Há muito tempo que não via um jogo onde as plataformas aparecem e desaparecem à nossa frente. É estranho e não faz sentido nesta geração. Outro problema mais grave é a gestão de câmara, ou melhor, as vezes que terão de lutar contra esta, pois muitos dos trampolins ativam situações de câmara fixa, trancando-a e muitas vezes prendem-nos no loop sem a nossa vontade. É preciso alguma habituação a estas mudanças, mas inicialmente pode ser frustrante.
O jogo tem uma grande longevidade, pela exploração, pela obrigação de andar às cegas à procura das atividades e itens para avançar na aventura. Mas acreditem que o jogo é mais divertido do que esperaria, mas isso não invalida que seja bastante repetitivo. A SEGA está no bom caminho para um Sonic Open World e temos de considerar esta experiência como válida para o futuro. Agora é preciso criar atividades mais variadas, mesmo que tenha de copiar fórmulas de outros sandbox. Mas se há um elogio a fazer é que não me lembro de ver um Sonic tão rápido e com tanta liberdade como Frontiers.