A melhor forma que tenho de descrever Bayonetta 3 é que é…fixe. Fixe a valer. Não é o início mais glamoroso de análise que já escrevi, eu que podia estar aqui a inventar figuras de estilo em torno de um certo gravitas jazz-rock artístico, mecânico e espiritual da jóia da coroa da Platinum Games…
…ahem, desculpem. Não resisti, afinal.
Pese ser um jogo cuja narrativa se termina em dez horas (numa dificuldade que vos seja confortável, claro está), tenho tanto que merece ser escrito sobre essa sensual bruxinha que até nem acaba por ser sexualizada, ao longo de três jogos que quase ninguém jogou. Eu fui um desses ninguéns, que jogou muito Devil May Cry 3 e não passou pela geração seguinte (Bayonetta, 2010) ou se dignou a ter uma Wii U (Bayonetta 2, 2014).
Como muitos, perdi umas dessas pérolas adoradas pela crítica, que ironicamente deixa a conclusão da trilogia uns furinhos abaixo das anteriores enquanto as vendas prometem disparar no sentido inverso, agora que um bom jogo da Platinum é lançado no ecossistema certo de consolas. Nunca tinha jogado Bayonetta, pelo que nestas franquias tenho sempre algum receio de entrar pela porta dos fundos e apanhar tudo do ar.
E não é que…entra-se em Bayonetta 3 que nem uma riqueza? O jogo deu-me imediatamente o mote para o tom exagerado que ostenta de peito feito, com uma sequência por Nova Iorque a surfar um tsunami enquanto desfiro porrada de meia-noite nuns simbiontes. Sem saber muito bem o que achar de tudo o que me está a ser empurrado pela garganta abaixo, esta envolvente de Final Fantasy com Neon Genesis Evangelion com Power Rangers com Supernatural com Shakira acabou por me cativar, num exercício surpreendente de suspensão da descrença. Ah, e como se não bastasse, não estamos apenas a seguir os absurdos saltos espácio-temporais, de ambientes relativamente contidos, das últimas duas iterações, mas um completo mergulhar de cabeça no multiverso de Bayonetta.
A cola que Bayonetta 3 usa para nos convencer de tudo isto é, primeiro, a herança de Devil May Cry que nos traz mecânicas de combate mais diversas e refinadas que nos títulos anteriores; segundo, uma banda sonora cheia de reimaginações de clássicos do jazz com paragens pelo punk rock que só nos fazem carregar mais e melhor em todos os botões.
No aspeto mecânico, Bayonetta 3 deixou-me à vontade para querer experimentar todo o armamento da bruxa das sombras, das clássicas pistolas presas aos saltos altos – não quero deixar de sublinhar o quão fixe isto é -, passando por um barrote steampunk até chegar a um portão de ferro usado como soqueira entre os dois punhos da protagonista. Juntem-lhe a novidade dos demónios agora convocáveis em qualquer momento e a possibilidade de jogar com mais duas personagens – Jeanne numas deliciosas secções de espionagem em side scrolling 2D e a estreante Viola, uma jovem punk com muito menos elegância nos seus movimentos mas não menos atitude com tudo o que massacra (e que deixa fortes indícios de um futuro spin-off) – e o cenário está montado para uma viagem e rabos em pêras, que por vezes só senti ser acelerada demais. Não que me arrependa, porque a narrativa apenas serve para nos manter interessados no nível para que vamos em seguida e pouco importa para o potencial de desafio de campanhas subsequentes, seja pela dificuldade, colecionáveis escondidos ou meta de pontuação que os jogos da Platinum nos têm habituado.
Hideki Kamiya, que depois do seu Dante em Devil May Cry nos consegue trazer uma personagem quiçá mais carismática e com tanto ou mais índice de bazófia, mostra que continua a ser o mestre do hack and slash. Admito que pela longevidade da narrativa, os elementos mais estratégicos, quer na dificuldade, quer na combinação das várias armas e skills, me convidam mais a explorar numas segunda ou terceira playthrough que na primeira. Não deixa de ser impressionante que, em meras 10 horas de jogo, tenha não só experienciado três modos muito distintos com cada personagem, mas ainda uma maneira muito à Power Rangers de jogar, com kaijus imponentes que me deixaram abismado. Uma secção particular, passada numas nuvens, ficar-me-á na memória durante muito tempo.
No aspeto sonoro – que em bom rigor é muito estético também – cabe-me não gabar a consonância dos temas com a jogabilidade, antes com o espírito da franquia e do jogo em geral. Bayonetta é jazz, mas também é rock. Bayonetta é Anna Pavlova, mas também é Shakira. Bayonetta é uma vencedora da Palma de Ouro em Cannes, mas também é um blockbuster da Marvel.
Também não me cabe a mim apregoar boicotes. Comprem, se quiserem; joguem, se puderem. Bayonetta 3 é mesmo fixe, mesmo que às vezes se possam engasgar de comer tão depressa (os fps são uma consequência natural da idade da Switch e pouco lhes liguei) e não saberem bem o que estão a fazer. É um dos melhores jogos deste ainda-não-típico ano e mais um argumento para que a não menos fixe Switch saia como vencedora – em qualquer Universo – desta geração-teraflop de consolas.