Há jogos com um sabor muito especial; são experiências que nos reconfortam como uma manta quente numa noite fria de Inverno ou por uma refeição que nos aconchega o estômago de tanta que era a fome. Ultimamente, é Stardew Valley que me reconforta ao fim de um dia cansativo, entre duas a três horas, depois de conseguir deitar as minhas filhas. Já analisei o jogo no VideoGamer Portugal, mas decidi voltar a este role playing game que simula uma vida agrícola que não se concentra só na agricultura, num momento que preciso de estar bem com um jogo, dia após dia. É um videojogo tão bem feito que as suas mecânicas têm um design apurado, isso acaba por recompensar tanto quem joga que nos mantém felizes mesmo que tenhamos toda a nossa atenção em apenas um jogo, que já foi lançado há meia dúzia de anos.

Normalmente, os jogadores procuram a experiência tradicional para ficarem reconfortados, títulos de orçamentos megalómanos como a saga Assassin’s Creed para, por exemplo, desenjoar de jogar inúmeras horas de jogos indie em quantidades consideráveis – de certeza que conhecem uma pessoa que o faz (tem um podcast com o Rui Parreira e é presidente do Indie X). Porém, o regresso a um jogo onde fui especialmente feliz serve para contrariar esta antítese emocional à medida que aprecio bom design e a vontade de voltar a escrever textos, volta tal como quando comecei em 2009.

Quem me dera ter uma Quinta tão arrumadinha como esta. Se tivesse que começar a fazer limpezas e arrumações, acho que me perdia cerca de uma semana a jogar só nisso.

Podia ter escolhido muitos outros jogos de origem nipónica com um design imaculado, todavia senti a necessidade de algo que me desse uma satisfação mais rápida e prolongada, uma experiência com um ciclo bem definido entre grinding e recompensas, ou seja divertimento com as mecânicas que nos recompensam por usá-las adequadamente. Em Stardew Valley nem tudo é fácil, exige-nos alguma dedicação nos vários aspetos do jogo. E é quando se descobrem as várias micro-estratégias, que podemos aplicar, que ficamos bastante satisfeitos com o que nos é proposto. Não há um objetivo claro em Stardew Valley para além do óbvio que é fazer dinheiro com as atividades que podemos desenvolver para que, consequentemente, consigamos chegar a pontos de progressão cada vez maiores.

Como já não me lembrava de quais eram as táticas para amealhar dinheiro, andei a apalpar o terreno das mecânicas para perceber qual a melhor forma de atingir os meus objetivos. Um dos meus focos foi a obtenção de recursos, para assim alimentar o grande sistema de crafting da obra criada por ConcernedApe – ter moedas de ouro não é tudo neste RPG de simulação de uma vida agrícola. Convém usar e abusar do crafting, um produto cada vez mais processado tem sempre a probabilidade de valer cada vez mais. Em Stardew Valley podemos entrar com a perceção de ser um jogo única e exclusivamente focado no cultivo frutos e legumes e no tratamento do nosso gado quando há muito mais para fazer. Trabalhar exaustivamente na mina é uma das melhores atividades do jogo, até porque não estamos só lá a extrair minérios indispensáveis, também temos de enfrentar monstros de diversos tamanhos e feitios. Outra atividade muito bem pensada é a pesca, porque tem uma mecânica muito própria que exige alguma habituação ao seu modo peculiar de pescar. Enfim, pode-se fazer tanto para além de fazer crescer batatas e milho.

Aqui está algo que me falta explorar no jogo: cavalos. Os estábulos alem de serem caros, acho que não será algo com os quais farei fortuna.

Obviamente, quando comecei Stardew Valley fui limpar a minha quinta, antes de exercer qualquer outra atividade. Havia tantas pedras, vegetação e madeira espalhada por todo o lado que fiquei com madeira, fibra e pedra em fartura, assim evitei usar a minha picareta para extrair pedra e foquei-me, sobretudo, em cobre, ferro e ouro. O propósito de visitar as minas era de amealhar a maior quantidade metais possíveis e descer cada vez mais fundo nas minas para obter os recursos ainda mais preciosos como o diamante e o rubi. A partir do momento em que a saúde e a energia deixam de ser um problema (só o eram quando me esquecia de levar a minha merenda), a minha preocupação era apenas com as horas, porque o jogo limita-nos no tempo que podemos estar sem dormir, levantamo-nos às seis da manhã, mas à meia-noite já temos de estar na cama.

Com uma rotina de sessões de Stardew Valley já pré-definida, um bocado de manhã e mais umas horinhas à noite, este jogo é perfeito para injeções regulares de serotonina de tão satisfeito que fico pelo progresso visível que faço. Não ligo muito à narrativa e aos diálogos com os habitantes da minha aldeia. Contudo, acho que será algo que poderá mudar quando me dedicar mais a esses aspectos, ou seja, quando trabalhar menos com a picareta e mais com a língua. Sinceramente, sinto-me bem por me concentrar apenas naquilo que me interessa do jogo: minar, cultivar, vender e melhorar as minhas ferramentas de trabalho. O caminho que estou a traçar é o que me desperta maior curiosidade, dado que parece ser aquele que me revelará os segredos mais importantes do jogo. Estou muito curioso, por exemplo, em saber o quê que acontecerá quando completar todos os bundles do edifício abandonado, assim como o quê que há no último piso da mina.

No fundo, gosto é de estar a descobrir as descobertas de um videojogo pelas mecânicas que exigem mais interação e mais atividade tradicional que os bons grinding promovem. É por isso que adoro The Binding of Isaac, SteamWorld Dig 2 ou até Downwell. São jogos que posso estar ativamente investido na sua experiência e estar a ouvir música ou, preferencialmente, um episódio de um podcast – ou juntar esses dois mundos e ouvir o mais recente episódio de Para Cá do Abismo. Seja depois de analisar centenas de jogos indie com uma falta de brio notável ou jogos com elevados valores de produção que nos deixam completamente assoberbados com tanta atenção que dão ao detalhe gráfico, é sempre bom ter um jogo que nos reconforta nos maus momentos quando o trabalho ou o dia-a-dia se torna numa rotina monótona, onde não sentimos motivação nenhuma para continuar. Ou, simplificando, é bom haver um jogo que nos consegue recarregar as baterias do desgaste mental das diversas atividades que nos esgotam a alma. Claro, podem sempre procurar recuperar energias a fazer exercício físico, a socializar de diversas formas ou optar por uma leitura de um bom policial ou a visualização de um bom filme – desde que o resultado seja o mesmo (recuperar as energias que faltam), não importa. Enfim, os videojogos como o excelente Stardew Valley têm um je ne sais quoi que me fazem voltar às suas experiências e aos seus mundos de diversão.