Nunca foi um grande adepto de jogar no telemóvel jogos com uma grande complexidade mecânica, para isso jogo com um comando ou com teclado e rato, numa consola ou computador, em vez de jogar num ecrã tátil de um smartphone. Não, ainda não estou convencido a jogar no mesmo dispositivo que uso para escrever mensagens, fazer chamadas e perder-me nas redes sociais – a bateria tem um limite infelizmente. É óbvio que jogo no telemóvel pontualmente, mas só experiências curtas, puzzles com níveis rápidos ou algo que tenha um bom loop de mecânicas que me agarram pelos colarinhos e me convencem a estar horas a fio a divertir-me. Preferencialmente, tal como o jogo sobre o qual vou escrever alguns parágrafos, opto por títulos que se jogam na vertical (salvo algumas exceções, como o excelente Tomb Raider GO) – é muito mais prático. Marvel SNAP é o mais recente êxito das lojas da Valve, Apple e Google e apanhou-me completamente desprevenido. Estou absolutamente fascinado com as suas mecânicas e ainda consigo afirmar o seguinte, sem pestanejar: Marvel SNAP é muito melhor que Hearthstone.

O jogo da Second Dinner foi adaptado pela Nuverse, responsável pela adaptação de My Time at Portia para Android e iOS, consegue estar no primeiro lugar (na semana de estreia) da tabela dos jogos de estratégia gratuitos e no quinto da tabela geral das aplicações da Google Play. Isto é um feito por si só, estar à frente dos colossos da Supercell ou jogos como Candy Crush, não é para qualquer um, a dificuldade será manter este registo ao longo dos próximos meses. Portanto, Marvel SNAP faz muito e bem feito, já investi várias horas e sei que vou investir muitas mais – principalmente se estiver longe da minha Nintendo Switch para tratar da minha quinta em Stardew Valley. O jogo foi claramente feito para nerds (não no sentido injurioso do termo) da marca de banda-desenhada norte-americana, até mesmo quem não conhece a Marvel a fundo terá certamente alguma curiosidade em saber quem são todas aquelas personagens que figuram nas cartas – como Blue Marvel, Spectrum ou Kazar.

Esta última jogada parece que vai fazer estragos ao seu adversário, contudo não é uma carta que muda o curso do jogo.

Este jogo de cartas é o que apelidamos de collectible card game, ou seja, temos de colecionar cartas à medida que jogamos, completando os vários objetivos existentes. Contudo, não podemos esquecer a importante característica dos deckbuilder, pois temos de construir um baralho de cartas para levar nas diferentes partidas que temos pela frente. No início temos um conjunto básico e muito equilibrado de cartas e, à medida que vamos recebendo novas, completando cada vez mais missões, podemos criar um baralho totalmente novo e com uma estratégia diferente de encarar uma partida. Como é óbvio, vamos gostar mais de umas cartas do que outras, mas se uma determinada carta for ignorada por não encaixar na nossa abordagem às partidas, não quer dizer que não servirá num baralho com uma composição diferente, depende muito das sinergias que queremos construir com as diferentes cartas. 

Não vale a pena escondê-lo, SNAP é muito parecido com Hearthstone, o belíssimo jogo de cartas da Blizzard. Porém, o jogo da Second Dinner tem diferenças substanciais que o tornam num jogo único no que faz e oferece. Cada partida tem seis turnos e em cada um deles temos de usar o número de pontos de energia correspondente. Por exemplo, no último turno podemos utilizar uma carta com seis pontos de energia, ou três com dois – é conforme o que estiver na nossa mão e nos der mais jeito de utilizar. Como é fácil de perceber as cartas com um só ponto de energia são teoricamente mais fracas do que uma aquelas que necessitam de uma quantidade maior para serem colocadas na mesa. E, em SNAP, a luta propriamente dita, não é contra o adversário em si, mas é pela conquista de dois dos três terrenos centrais que vão sendo revelados ao longo dos três primeiros turnos.

Rocket Racoon pode parecer fracote por só ter dois pontos de ataque, mas a sua habilidade pode ter algo que vos ofereça mais do que um simples acréscimo no ataque.

É precisamente nesses terrenos que temos de colocar até um máximo de quatro cartas, para que o número do somatório dos pontos de ataque seja maior do que o adversário. Nem sequer há lutas diretas de uma carta contra outra, o que não significa que não possam eliminar uma carta do vosso adversário e vice-versa. O verdadeiro valor das cartas não se mede pelos números que estão nos seus cantos superiores, é preciso ler quais são as suas habilidades especiais porque é a gestão e uso eficiente destes mecanismos que vão determinar a nossa derrota ou vitória – tanto podemos ser nós a derrotar o nosso adversário por uma margem notável, como podemos de forma vergonhosa por não anteciparmos algo que possa ocorrer.

É com estas habilidade que vão criar sinergias com outras cartas. Por exemplo, Mr. Fantastic adiciona mais dois pontos aos terrenos adjacentes onde for colocado, por isso estamos a aproveitar bem as suas capacidades quando o colocamos no terreno central. Spectrum, uma das últimas cartas a ser jogada visto que exige cinco pontos de energia para a sua colocação, aumenta em dois pontos de ataque todas as cartas que estão na mesa (seja em que terreno for) – isto pode ser sinónimo de vitória, visto que o adversário está a ser forçado a ripostar em todos os terrenos, porém é óbvio que não existe uma única jogada que nos leva automaticamente à vitória. Se vocês tiverem um número considerável de cartas que só necessitam de um único ponto, como Nightcrawler, Quicksilver ou Hawkeye e jogarem num turno posterior uma carta como Blue Marvel, Kazar ou a já mencionada Spectrum, aumentam substancialmente o valor de ataque do conjunto de cartas que colocaram na mesa. Mas, claro, não sabem que cartas é que estão do outro lado, na mão e no baralho do vosso oponente que poderá atrapalhar a vossa estratégia.

Quase todos as habilidades especiais têm efeitos e animações bem feitas à realidade da personagem.

Enfim, é muito improvável, caso estejam nas redes sociais ou se seguem alguma publicação especializada em videojogos, que não tenham visto que Marvel SNAP está a ser um autêntico sucesso nas críticas e a nível comercial. É normal que assim seja, é um jogo com o selo de uma marca gigante no mundo do entretenimento, além de ser realmente um jogo muito bom com a complexidade e profundidade necessária para partidas rápidas o suficiente para ficarmos satisfeitos por alguns momentos. Insatisfeito por só ter jogado uma partida? Resolver-se facilmente esta saciedade com mais uma ou duas partidas, até o autocarro aparecer ou ser finalmente a nossa vez quando nos chamam para ir à consulta que se atrasou mais de uma hora. Francamente, quem gosta de Hearthstone em porções fast food vai adorar a estrutura de partida rápidas de Marvel SNAP que em cinco minutos a partida fica devorada. Caso consigam fechar o jogo antes de uma responsabilidade mais importante, pesquisem algumas personagens que não conhecem, não se vão arrepender. É provável que se cruzem com um fascículo de banda desenhada com uma escrita excecional, é que a Marvel não é só Kevin Feige e Stan Lee – as melhores narrativas saíram das mãos calejadas de argumentistas como Chris Claremont, J. Michael Straczynski e Jonathan Hickman.