Estas coisas das preferências têm muito que se lhe diga, e se milhares (milhões de pessoas) hão de prometer juras de amor a DOOM como o lugar violentamente demoníaco onde mais foram felizes nos FPS, a minha preferência vai sempre para outro título: Painkiller.
Provavelmente há aqui uma mistura estranha determinda pelo acesso a determinados títulos, onde os óculos da nostalgia nos fazem ainda hoje preferir uns em detrimento de outros, ou talvez a resposta possa ser encontrada pela espectacularidade do armamento que a People Can Fly introduziu no jogo. Desde caçadeiras e outras armas de estacas, lançadores de serras, e uma miríade de estranhos instrumentos para enviar hordas de demónios de volta para o seu local de origem. Ou Massamá.
A realidade é que as décadas vão passando e a influência de DOOM e demais jogos FPS extremamente frenéticos continua a sentir-se um pouco por todo o espectro de lançamento. E Scathe, da Kwalee – empresa que recentemente abriu estúdio em Portugal – é um desses casos.
O problema de tantos jogos que bebem os jorros de sangue de DOOM é que lhes falta, a quase todos, personalidade. Scathe vem cumprir com essa infeliz tradição. Não quero com isto dizer que esperemos de um FPS do género um contexto narrativo, ou algo mais que uma linha que nos explique o que andamos a fazer por corredores pejados de demónios que mais parecem consumidores norte-americanos em manhã de compras na Black Friday, mas o que DOOM faz de bem é deixar que todos os seus elementos mecânicos falem por si e “justifiquem” a sua existência.
Sendo sobretudo um bullet hell cruzado com boomer shooter, a dificuldade (e o entretenimento) do jogo são ligeiramente aumentados no modo cooperativo, onde partilhamos os labirintos do jogo com outro jogador. Para obrigar a uma boa coordenação na exploração dos níveis, as vidas são partilhadas por ambos os jogadores, o que pode criar aqueles momentos habituais de tensão.
Scathe é genérico na sua aventura tradicionalista de guerreiro que anda de arma em punho a esventrar demónios. Um jogo do género torna-se memorável pela sua capacidade de ir mais longe, de ser exagerado, de ser over-the-top sobre todos aqueles que foram over-the-top. É isso que DOOM faz a si mesmo, de lançamento em lançamento.
Mas Scathe não. É uma sucessão de corredores onde tudo parece contido, onde existe um certo conservadorismo desinspirado (e desinspirador) na forma como todo o jogo se desenrola. Um teste simples que o tempo provará: em pouco tempo olharemos para vídeos e screenshots de Scathe, e sem contexto não saberemos de que jogo se trata.
A adição de feitiços ao longo do jogo vem apenas contribuir para a sensação genérica de toda a aventura, onde nem as armas têm personalidade suficiente para nos lembrarmos delas.
Num ano em que Metal Hellsinger criou um atenção redobrada pelo género com a sua banda sonora original repleta de grandes nomes do Metal, Scathe vai ficar esquecido a um canto da memória, como apenas mais um boomer shooter que tentou fazer algo diferente mas que lembraremos apenas de forma vaga, como um dos muitos jogos que tentam ser DOOM mas falham redondamente.