Então mas isto é uma análise ou uma leitura do Professor Bambo?“, perguntam-me vocês depois de lerem o meu estranho título. “Vai ser uma análise. Ou uma leitura do Professor Bambo. Ou qualquer outro género de escrita“, respondo eu.

Acreditem que eu não o escreveria se o meu azeitey-sense não estivesse a piscar que nem uns néons debaixo de uma já rebaixada suspensão. Need for Speed Unbound é um jogo muito pouco ambicioso, mas amplamente competente e sobejamente divertido. É ainda um bom litro de azeite de 98 octanas com Denominação de Origem Protegida (DOP) que é bem sucedido ao passar a sua mensagem artística de virgem extra, ironicamente após anos a ser produzido por uma empresa que insulta a ideia de “Arts” ao lado de “Electronic”.

Por razões que não consegui apurar, tal não é a tentativa de Need for Speed ser uma franquia de baixo perfil na indústria dos videojogos, que Unbound foi a jogo como o Fernando Santos tem levado a Selecção a jogar nos últimos oito anos: cheio de argumentos para encher medidas mas cheio de medo de arriscar. Um anúncio feito em Outubro para um jogo a ser lançado em Dezembro e pouquíssima publicidade e antecipação de reviews aos vários meios fez com que mal houvesse opiniões publicadas aquando do seu lançamento há umas semanas. Quase como se a EA estivesse com medo de mais um desastre. O resultado? Muito longe disso.

Porschei-me bem?

Difícil de escorrer, delicioso de provar

Vamos lá colocar cavalos a sustentar a bonita carroçaria que vos estou a apresentar. Need for Speed Unbound pega em tudo o que de bom Need for Speed Heat trouxe à série em 2019 e dá-lhe muitas das afinações que lhe faltavam. Também corremos de dia e de noite, mas agora ganhamos dinheiro – e apenas dinheiro – em ambos os momentos, sem uma divisa secundária de heat policial. Também arriscamos a nossa divisa ganha em cada sessão ao dar uma entrada considerável para cada corrida: podemos perdê-la ao não atingir os lugares cimeiros da prova ou ao sermos apanhados pela polícia.

O twist está na forma como todo o loop de gameplay e razão de ser da narrativa gira em torno de ganhar dinheiro. Realista, não parece? Numa mecânica decalcada dos Souls games (disse o Rui Parreira no Split-Chicken, que eu disso já não percebo nada), se não voltarmos à garagem no final do dia ou noite para bancar os nossos ganhos, já fomos. Juntem-lhe os factos de:

1. termos um número de dias/noites limitado até uma corrida principal, que limita o número de vezes que podemos tentar ganhar o dinheiro necessário para entrar nessa prova;

2. a polícia só nos poder levar o dinheiro ganho em corridas dessa sessão, mas a nossa mais ou menos avultada aposta monetária poder ser perdida face à nossa conta bancária total;

3. uma dificuldade como nunca antes vi em Need for Speed (só talvez em Shift e Shift 2) que nos obriga a ter o nosso carro no percentil máximo de performance da sua classe para sermos competitivos;

4. o número de restarts que nos estão disponíveis ser sempre limitado, mesmo na dificuldade mais baixa;

…e temos o Need for Speed mais desafiante que já joguei, contracorrente de uma indústria cada vez mais minada pelo facilitismo (mas os Souls games estão a mexer com isso novamente). Numa mecânica que nunca esperei ver na série (na sua versão mais arcade, que os Shift que já mencionei, mais focados na simulação, iam pelo mesmo caminho), não é muito importante ganhar corridas. Ficar na metade de cima, ou, consoante o risco da aposta, ficar no lucro, é o que nos basta para avançar. Há sempre algumas corridas de baixo ou nenhum investimento (e baixo retorno) a contrastar com aquelas que nos fazem acumular bem mais, mas aí convém sermos mais competitivos para não ficar a perder. Voltando aos restarts limitados, esse facto apenas levou-me a estar muito mais tenso e concentrado em cada corrida, tirando uma sensação de recompensa bem maior a cada vitória do que se não tivesse a mesma limitação.

Só fui preso pelo street racing, mas devia tê-lo sido pela fashion police também.

Nem só de bom azeite vive o Homem

Acima, expliquei-vos como apenas executar boas ideias fez Need for Speed Unbound valer a pena. Acontece que há muitas concessões feitas pela Criterion – tenha sido por orçamento, longevidade do jogo, falta de interesse explícito em conteúdo ou, sei lá, incompetência – que impedem Unbound de ser o derradeiro Need for Speed que toda a gente reclama desde os primeiros Underground ou Most Wanted.

A condução é estranha. Os carros viram menos do que devem para um arcade racer, uma realidade à qual estava habituado mais à frente no jogo e, estranhamente, não comprometeu a minha diversão a longo prazo. Mas este ponto aliado à lógica de não ter de ganhar corridas tornou as minhas primeiras horas muito frustrantes.

Além das corridas ao sprint e em circuito, há alguns eventos de drift, pouco memoráveis e que podemos dispensar no plano geral. Num jogo tão ligado à cultura das ruas e do tuning, custa-me ver mais uma vez o drag racing ser ignorado. Há bons momentos na narrativa secundária em que temos de entregar alguns carros, com uma recompensa associada a quão rápido o fazemos, ou quão danificada fica a viatura. Se me dava imensa pica conduzir momentaneamente estes poderosos bólides quando ainda andava com um chaço, não poder escolher quando faço estas corridas foi desapontante.

Come o meu pó (com efeitos animados)!

Já no único ponto onde inexplicavelmente a Criterion ficou atrás da Ghost em NFS Heat, o mundo aberto inspirado em Chicago é bem menos convidativo à exploração do que a Miami ficcional do título anterior. Grande parte deste desinteresse é mecânico: se preciso de ganhar dinheiro e não aumentar demasiado a atenção policial, na maioria dos casos só vou fazer duas ou três corridas antes de voltar à garagem. A exploração de colecionáveis, outdoors para destruir ou desafios em partes específicas do mapa só se faz tranquilamente durante o dia e apenas nos primeiros capítulos em que começamos sem qualquer atenção policial, a não ser que a procuremos. No endgame já faz sentido, mas parece-me tarde para ir em busca destes objectivos. A recompensa são míseros trocos (no endgame já não nos fazem falta) e umas checklists que, só quando forem completas, nos premeiam com carros novos. Das poucas coisas boas que Need for Speed Payback tinha, coleccionar pedaços de carros antigos para restaurar era algo cujo regresso veria com bons olhos, para estimular a exploração. O open world tem de existir, caso contrário as perseguições policiais (que podiam bem ter mais variedade como no primeiro Most Wanted), que só nos desafiam quando temos um pobre chaço, não têm razão de existir.

A verdade é que esta falta de diversidade do conteúdo me deixou sempre muito focado no loop de gameplay desafiante até ao objectivo final: ganhar o The Grand e recuperar o carrão que nos foi roubado no final do prólogo. O minimalismo da narrativa foi algo refrescante face a tentativas absurdas de ser épico em títulos anteriores. Há muito poucas custscenes, quase tudo acontece ao telefone enquanto conduzimos, e no final ficamos com uma bonita sensação de bromance criado entre o nosso personagem e a sua amiga de infância, qual Dom e Brian de Fast and Furious. Ainda está para nascer uma história impactante em jogos de corridas, mas enquanto isso não acontecer deixem-se estar assim, sem criar obstáculos ao que de bom acontece no resto.

Qualquer semelhança com Fast and Furious é seguramente acidental.

Temperar uma salada apenas com óleos essenciais

Onde Need for Speed Unbound se esmerou para lá do que é costume foi na personalização de veículos. Uma arrojada colecção de peças, quer na performance, quer no aspecto, deixa em pé de igualdade o mais decrépito chaço com uns estrondosos Ferrari ou Bugatti. Longe vão os tempos em que as licenças não permitiam ao jogador azeitar as bombas europeias com hinos ao exagero.

A última grande revolução na personalização aconteceu em Need for Speed Pro Street, pelo que nada do que já havia sido implementado até aqui na série está em falta. O “menos é mais” está até muito presente aqui, já que podemos retirar pára-choques a alguns carros para lhe dar um visual meio vagabundo. Need for Speed, o último bastião da cultura tuning dos media mainstream (até Fast and Furious abandonou essa temática), continua a ser para mim obrigatório nos arcade racers, pela componente RPG que dá ao género que lhe alavanca uma única sensação de progressão. E porque há ali carros que nem veríamos na vida real. E está tudo bem, é Need For Speed.

Como temos de chegar à derradeira corrida com quatro veículos de diferentes níveis de performance, o tempo utilizado em personalizar cada centímetro dos veículos de início de jogo não é menosprezado até ao final, pois há muitas oportunidades de utilizar veículos menos velozes quando já dispomos de outros mais potentes.

Se no aspecto de cada carro a Criterion se esmerou, o estilo meio anime, meio street art do jogo é bem menos pronunciado do que os poucos materiais promocionais do jogo prometiam. Umas derrapagens aqui e ali com fumo animado, uns grafitis em torno do carro aquando de umas valentes nitradas ou as poucas cuscenes em que os personagens não nos são apresentados no estilo fotorrealista do resto do jogo é tudo o que temos direito. Pergunto-me até porque é que Need for Speed Unbound foi lançado apenas em plataformas next-gen, se nem o DualSense da PS5 onde testei tem funcionalidades que mereçam sequer duas linhas numa análise, já que graficamente tudo é bonito, mas já o era em NFS Heat.

Não há dúvida que Unbound tem os carros mais arrojados de toda a série.

Azeitar ou não azeitar? Eis a questão

Vamos lá á última passagem de caixa em direcção a justificar o meu arrojado título. Com tanta coisa em que divido o aplauso com a crítica, seria de esperar que o sentimento final fosse de um jogo que não foi tudo o que poderia ter sido.

Acontece que durante os créditos finais, o rapper ASAP Rocky (talvez o conheçam por isto mas o hip-hop há anos que não é a minha cena) faz um discurso livre que me prendeu até à última linha. Isso aconteceu porque consegui casar uma série de coisas que fui vendo no jogo – o street art espalhado pela cidade, os spots sempre recônditos onde tinha de ir para começar corridas, a banda sonora curada num world music do rap e do hip-hop e muito mais – com a expressão artística e social trazida pela cultura do tuning.

É certo que por cá conhecemo-los apenas por “azeiteiros”. Não sei se noutras partes do mundo o nicho é muito mais sério e justificado, ou se está sobre-romantizado no jogo. Mas consegui entender, mesmo sendo um mundo muito distante do meu, que só gosto de tuning por causa de Need for Speed e Fast and Furious, mas não me vejo a entrar nesse dispendioso hobby mesmo que tivesse possibilidades para tal. Mas é um jogo com uma mensagem de expressão individual, artística e até de tolerância…enquanto passamos o tempo a fugir à polícia, claro está.

Após ter jogado todos os Need for Speed, nem que fosse só um pouco, desde Underground, não sei para onde a EA quer chegar com a franquia. Mas o trabalho consistente, sério e cauteloso dos estúdios desde o reboot de 2015 – e sim, Payback foi claramente quando o motor não pegou – fazem-me crer que muita gente na EA quer devolver Need for Speed ao sucesso crítico e de vendas da viragem do milénio. Mais que não seja pelo quase monopólio dos arcade racers na empresa – Criterion, Codemasters e EA Gotenburg (a antiga Ghost) – parece haver uma clara tentativa de cimentar o género. Ou muito me engano, ou a empresa deu os sinais certos com Unbound, que deverá ter sucesso comercial caso contrário não o justifica, de que a série ainda está guardada para regressar à nata dos videojogos. Ou ao azeite, que não sei se alguma vez esteve na nata.

Só não sei quem ainda gosta do azeite.