Apesar da compra da Codemasters e reunir as melhores equipas de produção de jogos de corridas de automóveis, a Electronic Arts manteve o novo capítulo da série Need For Speed nas mãos da Criterion. O estúdio é conhecido sobretudo pela série Burnout, mas foi responsável por dar vitalidade à série de condução baseada em corridas ilegais. O remake de Hot Pursuit e Most Wanted são os seus cartões de visita e focaram-se num dos aspetos que os fãs mais gostam: as perseguições policiais. 

A sensação de ter viaturas da polícia ao alcance, desafiantes de despistar, mas com a possibilidade dos jogadores utilizarem elementos do cenário para criar oportunidades de armadilhas capazes de os despistar. E claro, os toques de Burnout, nas tentativas de empurrar os agentes fora da estrada e fazer os famosos Takedowns. 

Isto para dizer que no novo jogo da série as perseguições policiais são o aspeto mais aborrecido de toda esta experiência. Unbound utiliza a polícia de uma forma um pouco diferente, pois está inserido numa mecânica pouco provável nesta série: o jogo tem grandes inspirações nas mecânicas soulslike. Exato, Demon Souls e Elden Ring foram inspirações para esta nova aventura no submundo das corridas ilegais. Mas já lá vamos…

Antes de mais, há que dizer que este foi o Need For Speed menos promovido de que tenho memória. A revelação do jogo deu-se a poucos meses antes do seu lançamento, e quando o jogo foi colocado nas lojas mal se deu por ele. Talvez por ter sido lançado numa semana com muitos títulos, falou-se pouco e a EA não fez muito por o promover. Por ser um mau jogo? Longe disso, Unbound é, na verdade, uma lufada de ar fresco na série em diferentes sentidos. 

A começar pela sua direção artística muito peculiar, recorrendo a um misto de elementos tridimensionais realistas para os cenários e automóveis, mas todas as personagens e efeitos especiais são projeções em cel shading. O resultado é um contraste muito interessante, lembrando jogos como Amped dedicado ao Snowboard, dando ao jogo um ar mais cool, prestando homenagem à cultura urbana, como o graffiti. É estranho inicialmente ver o fumo das viaturas em formato cartoon, os elementos eletrizantes ou asas desenhadas quando se dá saltos nas rampas. E até pode ser um pouco distrativo inicialmente ter tantos elementos no ecrã. Mas depois da habituação é um contraste muito funcional e agradável. As personagens igualmente em cel shading dão um toque diferente, parecendo que as cut scenes saíram de uma banda desenhada. 

E tudo isso acompanhado por uma banda-sonora que a Electronic Arts mais uma vez curou, inspirado no hip pop e sons urbanos, que vão ouvir na rádio e menus de jogo. 

Voltando então à inspiração em soulslike, Need For Speed Unbound é o título da série com a progressão mais lenta de sempre. A história que serve de fundo coloca-nos na pele de um piloto de corridas ilegais, que trabalha para uma oficina de tuning. Como mandam as regras, o prólogo mostra-nos alguns dos bólides que podemos conduzir e a sensação de velocidade. Mas segue-se o habitual cliché de que uma das nossas companheiras decide dar um golpe e roubar todas as viaturas da oficina, incluindo a nossa. A ação retoma dois anos depois e a oficina ainda se tenta recompor e o protagonista tem de começar do zero, adquirindo um veículo fraco e participar nas qualificações no sábado, em quatro fins-de-semana. 

E aqui desenha-se a sua estrutura. O objetivo é ter um carro potente, dentro da classe pedida para participar nas provas de sábado. Para isso terá de participar em corridas e atividades durante o resto dos dias da semana. O desafio começa exatamente aqui, e as comparações com os jogos da FromSoftware. Começamos com um guerreiro frágil, lento e sem grande força, leia-se potência, dentro dos carros que inicialmente escolhemos. 

Significa também que as corridas em que participamos são estupidamente difíceis, habituados que estamos a dar restart se não ficarmos em primeiro lugar, em Unbound têm um número específico para repetir a corrida. Não por prova, mas por cada dia de provas. Vão perceber rapidamente que o objetivo não é ganhar as provas, mas sim, amealhar o máximo de dinheiro na melhor qualificação possível da corrida. E sim, disputar com os adversários um quarto ou quinto lugar é perfeitamente normal, e por muitos tentativas que façam não vão conseguir ir mais longe. 

Por isso, é fazer grind de repetir as provas e amealhar o máximo de dinheiro tendo em conta que é preciso pagar uma taxa de participação na corrida, sobretudo aquelas que têm prémios monetários mais elevados. Ou seja, se pagarem 3.000 créditos para entrar numa corrida com um prémio de 7.500, mesmo que fiquem em primeiro lugar será deduzido ao total o valor da inscrição, neste caso, recebem 4.000. Como certamente vão ficar em terceiro ou quarto lugar, se receberem 1.500 ou 2.000 de prémio é lucro. 

Todo o dinheiro ganho numa corrida ou outras atividades que participem num dia não são adicionados ao banco de imediato, mas sim no vosso bolso. E aqui entra mais uma mecânica de Dark Souls. Cada participação numa corrida aumenta um pouco o heat policial. E como sabem, quanto mais estrelas, mais viaturas e helicópteros vão ter à perna. Por isso, vão arriscar continuar a participar em mais provas durante um dia e amealhar exposição à polícia ou vão bancar os créditos na garagem e fechar o dia, depositando permanentemente o dinheiro, mas fechar um precioso dia de ganhos e aproximar-se de sábado? É que se forem apanhados pela polícia perdem todo o dinheiro amealhado nesse dia e o mesmo é concluído. Ou seja, o equivalente a perder todas as souls se morrerem (sem recuperar o corpo) se não as bancarem nas bonfires. 

E tudo isto faz com que o jogo tenha um ritmo bem mais lento no que diz respeito ao progresso da aventura. Nunca demos tanto valor a cada crédito amealhado, levando-nos a pensar muito bem onde o gastamos. Tal como a armadura da nossa personagem de Dark Souls, cada pistão, pneu, turbos, suspensão e outros componentes do veículo aumentam preciosos pontos de perfomance no automóvel, ao mesmo tempo que navegam entre as habituais classes de veículos, como A, B ou S, que são também as limitações impostas pelas provas. Há corridas para cada veículo e convém ter um parque variado para poderem amealhar todas as possibilidades do dia. 

E de facto, com as melhorias, a nossa performance vai subindo, conseguimos disputar um pódio e ganhar mais dinheiro. Há provas que nos recompensam com um automóvel novo, mas o risco é elevado, pois a taxa de entrada é elevada, sem prémios secundários garantidos, e com o tal número de tentativas limitadas. Há um constante risco/recompensa em todas as provas. Não se trata apenas de participar em todas, há que ponderar naquelas que devemos entrar. Mas tal como Dark Souls, em que um boss parece impossível de derrotar, aqui adversários impossíveis de derrotar, com a melhoria dos carros as coisas vão se alterando. E ainda podem arriscar apostas secundárias contra um outro piloto, se conseguem ou não ficar na sua frente no final da prova. Mais um risco/recompensa. 

E o problema é que o estúdio adotou a famosa mecânica batoteira de rubber band nos adversários, significando que estes alteram a sua performance mediante o que o jogador fizer. Parecem recuperar sempre, mesmo que não cometamos erros, conseguem disparar turbos do nada. Ainda assim cometem erros, estampando-se contra o tráfego, mas recuperam bem rápido. 

Fiquem a saber que o jogo não tem fast travel, obviamente, obrigando ao jogador a deslocar-se para cada prova e para cada esconderijo ou garagens espalhados pelo mapa. Isso dá também motivação ao jogador de participar nas diversas atividades que são bem conhecidas nos jogos da Criterion: rampas para saltos, destruição de cartazes, atingir velocidades nas estradas registadas nos radares, recolher colecionáveis ou participar em drifts. Ao mesmo tempo que vão pintando a estrada, descobrindo bombas de gasolina que reparam os carros e outras atividades. Podem receber missões secundárias, tais como dar boleias a amigos ou fazer serviços de entregas de grandes bólides, como um aperitivo dos carrões que podem controlar. 

E com tudo isto, voltamos ao início, às perseguições policiais. Isso significa que consoante o nível de heat, vão ter mais ou menos polícia a patrulhar as estradas. Muitas provas acabam e temos a polícia no nosso encalço, que podem entrar a meio das corridas para prejudicar os corredores. E quando tentam fugir da polícia não tem a mesma piada dos jogos anteriores. Primeiro pelo risco, depois de acabarem uma prova difícil e juntar algum dinheiro, a última coisa que vão desejar é fugir da polícia. Depois porque são chatinhos, não descolam, mas também não existem muitas oportunidades de armadilhas para nos livrarmos deles. E se tiveram 4 ou 5 estrelas vão ter interceptores e helicópteros, assim como bloqueios na estrada. Demora-se tempo desnecessário a fugir da polícia. E é constante, por vezes temos de ter atenção ao mapa e fazer atalhos para evitar a polícia. E acreditem, torna-se cansativo. 

Felizmente há um exploit: sempre que tiveram dinheiro para bancar e estão a ser perseguidos, saim do jogo para o menu principal e voltem a retomar a campanha. Regressam à cidade sem polícia a perseguir e com o dinheiro intacto para bancar. Mas precisam ter cuidado, pois as estrelas mantêm-se na mesma. 

Esta estrutura assemelha-se assim a um RPG da FromSoftware, com a nossa viatura a ser o guerreiro do asfalto que é preciso melhorar. E quando tiverem carros mais potentes, das marcas licenciadas, como é habitual, vemos como o jogo é rápido e divertido, com excelente controlo e sensação de alta velocidade, a fazer drifts e afins. Não faltam mesmo perks especiais para equipar, tais como obter mais nitro nas razias ao trânsito ou a fazer drifts para manter a velocidade. 

Claro que o tuning e as várias opções cosméticas continuam bem visíveis, podendo o jogador carregar no azeite no seu veículo como bem entender. 

Unbound é um jogo bonito, uma cidade credível, com a introdução de transeuntes, embora seja impossível de os atropelar, mas que dão vida à cidade. De notar que se trata de um Need For Speed exclusivo para a nova geração, e isso vê-se nos carregamentos rápidos, na fluidez do jogo e detalhe dos veículos, embora os seus danos sejam muito superficiais. Já os cenários são altamente destrutíveis, alguns objetos até de mais, como rochas no caminho, mas que não cortam a fluidez das corridas. 

Need For Speed Unbound é um bom jogo, ainda que não seja o melhor título da Criterion, num recuo estranho à sensação das perseguições policiais. Há várias corridas para participar, embora sejam sobretudo para grinding, mas revela uma forma original de avançar na campanha, embora lenta. Os carros são variados, com diversas opções de tuning e de personalização. Podem ainda contar com corridas online, limitados a grupos de quatro amigos para realizar provas multijogador. É sobretudo um título que, quanto mais tempo investirem, melhor o carro vai ficar. E esse progresso é recompensador.