Quando comecei a jogar Pokémon Violet já tinha passado todo aquele rebuliço nas redes sociais sobre o estado lastimável que o jogo foi lançado. Comecei a jogar o produto da Game Freak, por isso, bem mais afastado do lançamento, assim cómoda semana que se seguiu, ficando-me pelas duas últimas semanas do ano que já passou. Assim, não tive a horrível experiência que muitos jogadores relataram com exaltação nas redes sociais. Cheguei ao fim e, apesar de ser uma enorme desilusão, a dupla Scarlet e Violet não configuram um jogo categoricamente mau. Se acham que a mais recente entrada na série RPG Pokémon é assim tão má, convido-vos a experimentar Ark: Survival Evolved ou Aztech: Forgotten Gods na Nintendo Switch e fico a aguardar pacientemente pelas vossas considerações. Fiquei perplexo com algumas decisões no design do jogo que quer ser um “open-world” a todo o custo, apesar de haver algumas ideias bem implementadas (que espero virem a ser repetidas). Depois de mais de trinta e cinco horas a jogar a produção da Game Freak, recolhi vários pontos para discutir, acho que valem a pena serem levantados para analisar este jogo cheio de problemas, que podia ter o seu próprio PokéDex a listar tudo o que correu mal.

Vou começar pela parte que menos me interessou do jogo, a narrativa. Porém, não posso negar a curiosidade que me despertou dada a sua estrutura ramificada. Em Pokémon Violet (assim como em Scarlet) dão-vos muitas ilusões de escolhas quando, na realidade, não têm nenhuma. A única grande escolha é a habitual: têm de decidir qual será o vosso primeiro Pokémon: um gato curioso, um réptil amigável ou um pato estiloso. Estas opções recaem nos mesmos tipos de sempre: Grass, Fire e Water – já devia estar mais do que na altura de mudar esta seleção. Como adoro pequenos felinos não resisti em escolher Sprigatito, que tem um aspeto adorável. A minha opção para primeiro Pokémon influencia a decisão da minha amiga rival, que optará pelo Pokémon que lhe confere desvantagens em relação ao meu. Mesmo que o tipo secundário seja a vantagem clara na evolução final, nunca partimos em pé de igualdade, se consigo dar cabo do Pokémon dela com ataques básicos contrários ao dela, a vantagem está do meu lado. Não faz sentido querer partir em desvantagem, ou a Game Freak acha que os seus jogadores não têm dois dedos de testa ou então é com isto que espera fazer reter novos jogadores que não querem se sentir frustrados à mínima dificuldade.

Quis salientar esta personagem, a rival que almeja ser a melhor treinadora de criaturas Pokémon, porque esta tem um dos três papéis principais da nossa aventura e será esta rapariga que estará a par de nós para conquistar todos os crachás dos diferentes ginásios para, eventualmente, chegar à tão emblemática Pokémon League. Afinal, vencer este importante desafio é o que querem todos os ambiciosos treinadores de Pokémon. É curioso, porque é a primeira vez que sinto alguém a tentar motivar-me para chegar mais longe e ultrapassar as minhas dificuldades. Contudo, se a dificuldade, ou mesmo o próprio desafio, é inexistente, a motivação não chega. Todavia, no começo da primeira metade da campanha, nunca sabemos em que posição é que estará o pico de dificuldade – em baixo, a recompensa por vencer não tem valor algum; em cima, vamo-nos sentir frustrados e voltar numa altura em que os nossos Pokémon tenham um nível suficiente para ultrapassar o que nos é proposto.

Aqui a Game Freak enganou-me bem, ao fazer-me querer que teria uma aventura como nenhuma outra no mundo dos Pokémon.

Passando para a segunda ramificação da narrativa, temos um arco especialmente comovente. Um rapaz pede-nos para ajudá-lo a procurar um conjunto de plantas medicinais que revigoram a saúde dos Pokémon, dando-lhes mais capacidades no campo de batalha. Este rapaz tem um desejo bastante humilde: recuperar a saúde do seu companheiro e amigo Pokémon, bastante semelhante a um canídeo de grande porte. Claro que estas plantas não são facilmente alcançáveis, é necessário derrotar um Pokémon de dimensões bem maiores que o normal. Não há nada de notavelmente difícil para sermos bem sucedidos, basta terem um Pokémon de nível adequado e de um tipo contrário à criatura que estão a enfrentar para não terem problema nenhum – é como nos ginásios, basicamente, a diferença é que só têm de se preocupar com um único Pokémon. Além de aumentarem a experiência dos vossos Pokémon para subir de nível e, eventualmente, evoluí-los, este caminho narrativo serve sobretudo para melhorar a locomoção do vosso meio de transporte – um ponto importante que quero abordar mais à frente -, para assim conseguirem aceder a locais mais complicados de alcançar.

A outra ramificação da história é com um grupo de malfeitores conhecido como Team Star. Este bando anda a causar problemas aos pupilos de Uva Academy, o estabelecimento de ensino que o nosso protagonista frequenta. O vosso objetivo passa por derrubar cada uma das bases da Team Star, ou seja derrotar o líder com uma clássica batalha entre Pokémon. Este percurso da aventura tem como propósito dar a entender ao jogador a funcionalidade que nos permite passear com um Pokémon fora da sua Pokébola, para que este combata, automaticamente, as criaturas selvagens que estão próximas de nós. Como é óbvio, para alcançarmos a vitória, perante estes combates automáticos, feitos em tempo real, temos que escolher um trio que seja do tipo contrário (mais forte) aos Pokémon da base em que nos encontramos. No fundo, estas bases da Team Star funcionam quase como ginásios, até nos dão um crachá quando saímos de lá vitoriosos. Pois, tal como nos ginásios, nos quartéis da Team Star não há batalhas por turnos com outros treinadores, à exceção de um único que serve para percebermos os tipos de Pokémon na base que queremos atacar, assim como o intervalo de níveis em que se encontram. Assim, não teremos grandes problemas a enfrentar o boss da Team Star e fazemos aquilo num ápice. Infelizmente, o Pokémon que enfrentamos é sempre o mesmo, apesar de algumas técnicas de combate variarem de treinador para treinador.

Os treinadores eram uma parte fulcral dos jogos RPG desta série. Usei o pretérito pelo simples facto de aqui estarem muito mal implementados, dado que são opcionais. Ninguém vos obrigará a lutar contra outros treinadores, exceto os que se encontram nas bases da Team Star e nos ginásios – além de um ou outro que esteja ligado à narrativa. Percebo o quê que a Game Freak quis fazer ao tomar esta decisão, dar liberdade de escolha aos jogadores e promover a exploração no mundo aberto do jogo. Até temos um incentivo em prémios para derrotar todos os treinadores de uma determinada área, o desafio não está nos combates como devia estar, mas está em encontrar os treinadores da região em questão. Como as capacidades técnicas do jogo são muito fracas, nomeadamente a draw distance, por vezes, tentar achar treinadores é quase como procurar uma agulha num palheiro. É natural querer-se evoluir os nossos Pokémon, caso contrário não vamos suplantar os desafios que se avizinham – notavelmente a Pokémon League. Não querem passar pelo tormento de procurar treinadores para uns bons combates clássicos? Não o façam. Procurem antes as Tera Raid Battles que estão bem assinaladas e visíveis ao longe. Com estes desafios serão duplamente premiados: recebem um Pokémon para a vossa coleção (porque podem atirar uma Pokébola qualquer que nunca falha) e muitos itens que fazem subir o nível dos vossos Pokémon (os tais rebuçados com pontos de experiência). Depois, é só repetir este processo as vezes que quiserem e encher um Pokémon com estas guloseimas para vê-lo evoluir rapidamente.

Por vezes, este jogo não feio. Porém deve ser a das poucas ocasiões em que o jogo tem alguma harmonia visual.

Uma das novidades de Pokémon Scarlet e Violet são as batalhas Tera Raid Battles, que estão associadas a um elemento especial que faz os Pokémon ganhar um poder adicional. Estas batalhas especiais são feitas em multijogador, mas também podem fazê-las sozinho que o jogo trata de adicionar os treinadores que faltam. Aqui há todo um ênfase visual, técnico e mecânico, querem fazer-nos passar a ideia que as Tera Raid Battles são combates extremamente complexos e difíceis, quando com um ou dois golpes estes monstros cristalizados (curiosamente, vejo a Swarovski a vender réplicas de Pokémon no fenómeno Terastilize) são derrotados. O que é bom dos combates Tera Raid Battles é o que já salientei, são uma fonte inesgotável de pontos de experiência (é aqui que se encontra o grinding do jogo) e é também aqui que encontramos os Pokémon mais raros (pelo menos muitos do tipo Fairy e Dragon que nunca consegui apanhar no seu habitat natural).

Obviamente que nós também podemos utilizar este poder de Terastilize destacadas nas Tera Raid Battles, é sempre bom podermos dar um incremento nas nossas estatísticas (apesar de ser muito ligeiro), mesmo que o efeito seja temporário. Infelizmente, o aspeto visual é tão repetido que nos fartamos de estar a olhar sempre para as mesmas animações e efeitos técnicos. São bonitos algumas vezes, mas depois de ver tantas vezes o mesmo espetáculo pomposo, só queria que houvesse um botão para saltar o que já sabemos de cor e salteado. Desta forma, o Terastilize acaba por ser uma curiosa adição para substituir o Dynamax (assim como o Gigantamax) introduzido da oitava geração de jogos da série Pokémon, porém peca por utilizar repetidamente a mesma linguagem visual.

O meu maior problema com a nona geração de Pokémon é de ser um “open-world” muito mal feito. Após sabermos que opções temos para prosseguir com a narrativa, estamos livres para ir por onde quisermos. Por um lado, este conceito é bom no papel, mas devia ter caído na fase de desenvolvimento quando se chutam conceitos em sessões de brainstorming, pois é a pior parte do jogo. Temos um mapa cheio de pontos de interesses, como se estivéssemos num jogo megalómano da Ubisoft, que nos diz onde estão os vários ginásios, as bases da Team Star e os Pokémon de dimensões titânicas onde estão as plantas medicinais. Naturalmente, só teríamos de escolher um ponto qualquer do mapa e fazermo-nos ao caminho, porém não é tudo preto no branco e vamos aprender a pedir indicações no Pokémon Center quando levarmos tareias enormes de treinadores com criaturas com níveis muito superiores às nossas.

Não há dúvida que o jogo não peca pela diversificação de diferentes cenários, mas não os aproveita como devia, além de serem bastante mal construídos em alguns casos.

Podemos ter o azar de irmos por um trilho que nos leva para uma área com criaturas com um nível mais elevado do que o desejado. Se tivermos a infeliz ideia de arriscar em importunar algum Pokémon selvagem ou treinador, de uma zona na qual não deveríamos estar, há uma hipótese bastante elevada de sermos completamente dizimados. Se tentarmos a nossa sorte num ginásio, nestas mesmas condições de desvantagem, o líder não vai ter dó nem piedade por nos termos desviado do caminho pré-determinado que devia existir. O nível dos Pokémon dos nossos adversários não se adapta ao dos nossos companheiros presos em Pokébolas. Isto resulta numa curva de dificuldade e de desafio totalmente descontrolada ao longo do jogo, em vez de se manter constante. O problema não é só dos níveis das criaturas, também temos o problema do relevo que não ajuda a encontrarmos o caminho que desejamos. Duvido profundamente que tenha havido um jogador que tenha conseguido ir ao ginásio de Glaseado sem problemas nenhuns, ou seja que tenha encontrado o caminho direto que nos leva até lá. foi uma verdadeira canseira subir até à montanha. Lembro-me de um comentário negativo (tirado do contexto por fanáticos da série da Game Freak) de uma infame análise do IGN ao Pokémon Omega Ruby/Alpha Sapphire que dizia apenas “too much water”. Eu digo o contrário em relação a Pokémon Scarlet/Violet, não há formas suficientes de explorar meios aquáticos além de nadar. Não podemos mergulhar para aceder a grutas subterrâneas, nem subir através de uma queda de água. É pena que a equipa de level design se tenha desleixado tanto.

Um ponto fulcral da narrativa estava quase sempre ligado ao Pokémon lendário do jogo que, depois da primeira geração, era capa dos vários jogos da série (com algumas exceções, claro). Havia um véu de mistério que nos instigava a curiosidade, que despertava o nosso interesse para perceber o que havia de especial com o Pokémon considerado quase uma entidade metafísica. Agora, esse Pokémon lendário tem o seu papel relegado para utilitário da nossa aventura. Com Miraidon ou Koraidon, vocês vão utilizar estas poderosas criaturas místicas como mero meio de locomoção. Assim, vão conseguir chegar a pontos mais altos, avançar mais rápido pelo terreno (apesar de ser ridículo o aumento da velocidade ser mínimo), ou planar para descer de locais de elevada altitude. No entanto, não temos acesso direto a todas estas formas de viajar, cada vez que derrotamos um dos Pokémon que protege as tais plantas medicinais, o nosso Pokémon lendário ganha uma nova capacidade para se deslocar.

A narrativa encerra de forma tão abrupta no último trecho do jogo que fiquei completamente assoberbado com tanta informação recebida para digerir. Há vários acontecimentos e revelações importantes a acontecer em catadupa, em torno do mistério do par de lendários e do fenómeno conhecido como Terastal que fornece um poder adicional às nossas criaturas. A história deste título é bastante interessante e até abre portas que poderiam afetar os Pokémon tal como os conhecemos, mas tanta nova informação concentrada e comprimida em tão pouco tempo não nos dá oportunidade de saborear o que poderia ter sido esticado em mais conteúdo. Porém, pode ser assustador sabemos que podem haver mais criaturas das mentes indolentes de quem chegou a nomes como Flamigo (é só um flamingo com um nó no pescoço) ou aproveitar design de criaturas criadas há décadas como Diglett e Tentacool e não lhe mudar praticamente nada para além da cor. É apenas pura preguiça.

O estabelecimento de ensino tem um aspeto horrível, apesar de ser claramente inspirado na Sagrada Família.

Se fizeram arcos-narrativos para um suposto bando de malfeitores, para a conquista da Pokémon League e para aproveitar um novo poder misterioso, porquê que não escreveram mais um capítulo para nos motivar a completar o Pokédex? Afinal a lengalenga da série anime não é “Vamos apanhá-los todos.”? Teria sido motivador preencher o PokéDex com uma narrativa a acompanhar (claro que há quem não precise desse incentivo extra e apanha todos os Pokémon de cada jogo a triplicar). Seria muito curioso termos mais do que um simples diploma para nos acariciar o ego quando acabamos de completar o PokéDex. Enfim, a criatividade não é uma qualidade que caracteriza esta nova entrada numa das séries mais rentáveis dos videojogos. Não adianta estarmos aqui a refletir sobre o que poderia ter sido feito ou não o facto é que Pokémon Violet não passa do razoável. Consegue divertir porque a fórmula mecânica já está há muito apurada, caso contrário isto teria sido um autêntico desastre.