Já o disse diversas vezes e volto a afirmá-lo: nunca contactei com uma construção de mundo tão magnífica como a que Eichiro Oda desenvolveu (e ainda está a desenvolver) para a sua épica e longa história de One Piece. E atrevo-me a comparar o seu talento perante outros colossos do world-building, como George R. R. Martin, J. R. R. Tolkien, Terry Pratchett, Frank Herbert, Neil Gaiman,e a afirmar que o seu mundo é superior àqueles criados por todos estes mestres da escrita. E sim, tenho consciência do arrojo da minha afirmação. A realidade é que a vastidão, coesão e originalidade que o famoso mangaka japonês conseguiu, é, para mim, inigualável, em escala e criatividade.

O sucesso de One Piece justifica a sua existência em inúmeros merchandises e transmedia, onde os videojogos não passam certamente incólumes. Entre as séries Warriors e World, que têm adaptado a videojogo o mundo de Oda, mas com uma componente mais de acção, foi grande a expectativa que o anúncio de Odyssey gerou em mim com a sua abordagem mais próxima do JRPG.

A história que vivemos em One Piece Odyssey é um desvio não-canónico dos acontecimentos que estão a decorrer agora que o manga entrou no seu arco final. A tripulação dos Straw Hats, capitaneada pelo protagonista Monkey D. Luffy naufraga ao largo da ilha Waford, e conhece os seus dois únicos habitantes, Adio, um aventureiro, e Lim, uma rapariga que desconfia dos piratas e que utiliza as suas habilidades para retirar as memórias da experiência de combate dos heróis em pequenos cubos. Este acaba por ser o mote para Odyssey, no qual os Straw Hats – sob pretexto de recuperarem as suas memórias – são obrigados a revisitar os arcos emblemáticos deste longo épico para poder recuperar essas mesmas memórias.

Há algo óbvio que sentimos com Odyssey: é que foi feito dirigido exclusivamente para fãs de One Piece. Toda a premissa do jogo e os momentos de revisita em formato Europa-América dos arcos narrativos pressupõem que existe uma familiaridade dos jogadores perante a obra, levando-nos numa viagem de greatest hits inconsequente para aquilo que é a grande obra de Oda.

Esta acaba por ser a minha maior desilusão enquanto fã de uma obra como One Piece, onde a importância da escrita é um dos grandes segredos – senão o maior – que tornam a série uma das mais emblemáticas da história da cultura pop japonesa. Aceito o inflacionamento que a minha expectativa de ver um jogo da Bandai Namco a adaptar One Piece ao esperar que tivesse sequer um enredo com qualidade próxima do manga original – algo que só aconteceria se este tivesse sido escrito pelo próprio Oda.

Mergulhar em One Piece Odyssey sem esta limitação permite-nos usufruir da viagem de melhor forma. E vislumbrar que o enquadramento de Luffy e dos restantes Straw Hats numa abordagem de RPG por turnos funciona muito, muito bem.

O combate é, na realidade, um dos dois pontos altos do jogo que me fazem recomendar este jogo para fãs de One Piece. E esta recomendação, como devem perceber, resume-se apenas a estes. Odyssey não é um bom gateway para pessoas que não estão familiarizadas com a obra de Oda, nem será isto que as conquistará a ler e conhecer One Piece. E enquanto JRPG, apesar do combate, como vamos ver, ser interessante, não tem argumentos para cativar uma audiência generalizada quando o género tem tantos jogos melhores disponíveis.

O combate em One Piece Odyssey parte do pressuposto que, ao contrário da maioria dos JRPGs, o campo de batalha é mais vasto do que o habitual. Quebrando a ideia de que nos encontros aleatórios ou nas boss fights a nossa party e os adversários estão situados no mesmo local, frente-a-frente. Odyssey apresenta-nos áreas diferentes, dentro do combate. Um dos membros da nossa party pode estar engajado com um adversário numa área distinta dos restantes 3, que estarão a combater, separados, com outros inimigos. Os membros que tivermos em áreas distintas não conseguem combater inimigos que não estejam contíguos, e vice-versa, mas algo interessante estrategicamente é ver que alguns dos ataques dos nossos personagens permitem atirar inimigos para outras áreas, ou causar efeitos em áreas onde não estão.

Dado o desnível de poder entre os vários Straw Hats e a forma como Lim os “nivelou” ao remover-lhes a memória das suas habilidades de combate – o que justifica em termos mecânicos estarem todos em nível 1 – a forma como a equipa do estúdio ILCA fez para nos mergulhar na suspensão da descrença de algum equilíbrio de poder entre Luffy ou Nami, foi a criação de um sistema de forças e fraquezas com pedra-papel-tesoura. Cada membro da tripulação tem um tipo associado, e sabemos sempre se estamos em vantagem ou desvantagem contra os adversários. Dado que antes de cada combate conseguimos mudar a nossa party instantaneamente a nosso bel-prazer, isto acaba não só por facilitar a nossa tarefa, como ao mesmo tempo tornar o desafio mais acessível. Talvez até demais.

Esta capacidade de trocar os membros da tripulação, e quem estamos a controlar na exploração do mapa, prende-se com as habilidades únicas dos Straw Hats de nos permitirem ultrapassar obstáculos impostos no level design. Luffy consegue esticar os braços permitindo-lhe saltar sobre abismos, Zoro consegue destruir com as suas 3 espadas alguns obstáculos físicos, e Usopp consegue disparar para activar interruptores, entre outros. 

Esta alternância acaba por permitir-nos quebrar a monotonia que o jogo pudesse ter, especialmente se dermos uso às habilidades para encontrar cofres opcionais, em momentos de quase puzzle platforming.

Se a forma como a ILCA adaptou as capacidades de combate dos Straw Hats num bom sistema de RPG por turnos, para mim a direcção artística do jogo acaba por ser um dos seus grandes elementos de venda. Eichiro Oda é – sem surpresas – para mim, um dos mais originais e complexos artistas de banda-desenhada dos últimos anos, com um estilo único que já exerce influência em gerações de artistas como Tuoryama o influenciou a ele e a tantos outros. Adaptar esse estilo para um jogo tridimensiomal, mesmo com recurso a cel-shading, não é tarefa fácil, mas a realidade é que a tradução estética entre o traço de Oda e Odyssey é executada de forma exímia.

One Piece Odyssey é um jogo, como disse, exclusivamente recomendado para fãs, que me deixa ansiar por mais um JRPG, que mesmo sem a possibilidade de ter um enredo canónico, que consiga ter mais qualidade e interesse que um mero deambular pelos melhores momentos da série. Mecânica e artisticamente interessante, One Piece Odyssey, não é, porém, porta de entrada para os oceanos de One Piece, mas é uma tentativa bem conseguida de converter toda a sua acção num ambiente por turnos.