É público que existem dois jogos que definiram os meus últimos dez anos, que mudaram a minha carreira e a minha perspectiva e paixão pelos videojogos. São eles SteamWorld Dig e Don’t Starve. Dois jogos lançados há dez anos e que me confirmaram as minhas suspeitas: que o mercado indie tinha a capacidade de me surpreender e apaixonar, de me envolver na sua criatividade e no seu esplendor de descoberta. 

Desde então tenho seguido religiosamente o universo criado por Brjánn Sigurgeirsson e a sua equipa da Image & Form (actualmente integrada no grupo Thunderful), ao ponto de ter também mergulhado no primeiro jogo da série, SteamWorld Tower Defense

Aquilo que sentimos em qualquer um dos títulos da série (Tower Defense, Dig, Heist, Dig 2 e Quest) é que é tónica destes criadores suecos pegarem em géneros, adaptarem-nos ao seu universo steampunk com robots, e produzirem experiências que não inovando nesses mesmos géneros, resultam sempre em jogos extremamente coesos e memoráveis. O que se percebe pelo following gigantesco que os jogos de SteamWorld têm, e os bons resultados críticos e comerciais que todos sabemos.

Na passada segunda-feira foi finalmente revelado ao mundo a nova iteração deste universo, SteamWorld Build, um city builder ao qual dedicámos dezenas de horas sob embargo. Um jogo que nos agarrou tanto na sua abordagem que só queríamos que a sua existência fosse publicamente revelada para que finalmente pudéssemos falar dele.

Ver SteamWorld a aventurar-se por um dos meus géneros favoritos (aliás, já quase fez bingo na minha preferência, depois de metroidvanias e deckbuilders, estando a poucos géneros de fazer o pleno), foi motivo para o meu radar ficar automaticamente ligado.

Sendo o primeiro jogo de SteamWorld a ser criado por um estúdio que não a Image & Form – neste caso o recém-adquirido estúdio sueco The Station – e também a primeira aventura tridimensional deste universo, a barra de pressão estava alta. 

É curioso ver os developers do The Station afirmarem que SteamWorld Build é um cruzamento de Anno e Dungeon Keeper, porque todo o game design bipartido que compõe este jogo é decalcado desses mesmos 2 exemplos históricos.

SteamWorld Build são, na realidade, 2 jogos num só. Um, passado à superfície, que reproduz de forma muito directa a abordagem da série Anno aos city builders. A forma como ambos os jogos gerem a população e o elevador social dos diferentes tipos de trabalhadores é idêntica. Cada “nível” de população exige um conjunto de recursos e serviços constantes para manter os seus níveis de felicidade no máximo. Um agregado familiar que possua todas as suas necessidades respondidas a 100% não só terá o máximo de habitantes possível que a casa permita, como pagará o máximo de impostos estabelecidos. Adicionalmente, um agregado familiar que tenha este nível de felicidade total está apto ser upgraded para o novo patamar de população, que requererá outro tipo de recursos e serviços satisfeitos, assim sucessivamente em 4 patamares de população distintos. Cada vez que fazemos upgrade de uma casa para o patamar seguinte, a população passa a ser contabilizada no patamar seguinte, ou seja, temos de equilibrar o número de cidadãos que trabalham em determinados edifícios, visto que eles vão deixar de o fazer. A possibilidade de movermos os edifícios sem qualquer prejuízo ou custo acaba por compensar a nossa necessidade constante de reorganizarmos a nossa cidade.

Falar de Anno ou SteamWorld Build na componente de city building é verdadeiramente o mesmo, já que mudando a escala e a temática e os dois jogos comportam-se da mesma forma. Até a possibilidade de adicionarmos itens de bonificação equipados nos edifícios aqui está presente.

Mas há algo interessante que SteamWorld Build faz e que se correlaciona com outros jogos da série: existe uma camada subterrânea (várias, até) de minas que temos de explorar. E é na interligação dos avanços que fazemos na superfície, com os recursos obtidos no subterrâneo que criamos toda a cadeia de produção cada vez mais complexa de SteamWorld Build

As minas funcionam como uma espécie de Dungeon Keeper, na qual cada cubo do subterrâneo tem recursos e durezas diferentes, exigindo que tenhamos mineiros diferentes e equipados de forma a que consigam destruir essas paredes. A forma de conseguirmos recrutar estes mineiros é através da construção de áreas a si dedicadas no subterrâneo, através de um cálculo de um trabalhador “criado” por cada 6 quadrados construídos contíguos entre si.

São nestas camadas subterrâneas que vão surgindo monstros e inimigos orgânicos, que temos de derrotar com armadilhas espalhadas pela mina, mas também de unidades específicas recrutadas para defender os restantes mineiros.

Disponível para o público está uma demo no Steam, mas com a build que tivemos acesso mais longa é fácil de perceber que SteamWorld Build vai cumprir o hábito dos jogos que lhe antecederam.

A simbiose entre os dois jogos que existem, o city builder na superfície e o resource management e exploration do subterrâneo, leva-nos a alternar constante e imediatamente entre ambos. E é nesta original sinergia que reside a capacidade de SteamWorld Build de nos manter presos a si durante horas. Aliás, se há algo que um fã de city builders concordará é que muito do que é a qualidade de um jogo do género pode ser medida pela quantidade de horas que jogamos sem percebermos que o estamos a fazer. No meu caso foram 5 horas. O que é muito. Demasiado diriam alguns. Mas que o encaremos como uma prova da qualidade deste novo e original city builder.