É um lugar comum dizer que não devemos voltar aos jogos da nossa infância, porque normalmente percebemos o quão maus eles eram e quanto o nosso deslumbramento infantil da pequenez nos engana nessa altura. Quando era miúdo uma imitação duma imitação do Gaming Watch fazia maravilhas no meu imaginário.

Na minha consola da feira apenas tinha de impedir bolas de caírem ao chão. Cada bola que deixava passar era um golo que sofria. Podia sofrer cinco. A única coisa que fazia era andar entre cinco espaços possíveis no ecrã, equilibrando as sucessivas bolas como se fosse um malabarista a equilibrar pratos num pau. Para mim era o pináculo dos videojogos. Já existia a NES, Master System ou Game Boy, mas não em minha casa, e é como dizem, “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Já agora, isto não quer dizer que se cura um enfarte apagando a luz…

Tinha uma maravilha similar a uma destas.

Porém com o tempo percebi que não é necessário um exercício de recuar no tempo para sentirmos esta sensação de perda, aliás, já é bastante comum acontecer exactamente o inverso e acabarmos a jogar um jogo recente, objectivamente melhor que muitos jogos similares mais antigos, mas que não nos desperta nenhuma sensação de entusiasmo desmedido. Muitas vezes acabo a jogar um jogo como que por inércia, levado pela sequência automática das acções que já estão mais que interiorizadas na minha cabeça, mas sem a genuína curiosidade da descoberta.

A indústria dos videojogos é uma indústria de risco. Os grandes estúdios têm de prestar contas a investidores que esperam uma progressão exponencial dos lucros, não aceitando “apenas” lucro, somente “mais lucro”. Há esporadicamente um jogo que realmente mostra algo de novo, mas a partir daí há uma corrida louca pela cópia, tentando capitalizar sobre o sucesso do jogo que tentam imitar. Vou agora testar a minúcia editorial do querido líder e dizer que há uma expressão popular que explana perfeitamente este exercício “Onde mija o português, mijam logo dois ou três”. Agora é ver se esta passa. Fenómenos como este explicam o recente cancelamento dos mil battle royale que a Ubisoft estava a produzir, ou o cancelamento de diversos game as a service anunciados no último mês, alguns dos quais bem recentes.

Para um amante da indústria independente, tenho a repetitiva arrogância de dizer que são estes que fazem a indústria avançar, criando mecanismos que depois são aperfeiçoados por estúdios com outra capacidade, capitalizando, e bem, sobre uma ideia que não podia ser completamente explorada sem apoio financeiro adequado.

Fortnite tem sido copiado como se não houvesse amanhã.

Embora continue a pensar desta forma, a verdade é que cada vez mais a escolha entre jogos independentes está pejada de clones que, por vezes, são cópias descaradas do jogo que tentam imitar. Muitas vezes lembro-me de ocasiões em que, já com muitas cervejas a mais no bucho, se começam a debater problemáticas importantes e fracturantes do Universo numa mesa de café. Usualmente há sempre um momento em que percebemos que já há uma solução para o debate, mas para ficar mesmo, mesmo, mesmo bem, falta acrescentar um niquinho de alguma coisa. Cada vez mais sou capaz de ver o mesmo exercício nos jogos indie. Mesmo perante um bom jogo parece que estou a jogar uma cópia de qualquer outro que já joguei anteriormente e, se é algum jogo que tenha tido sucesso, então a repetição até se torna enjoativa, levando a que excelentes jogos passem despercebidos à comunidade, ou não tenham uma recepção calorosa.

Já perdi a conta às cópias de cópias que já joguei, e seguramente há gente que fez isso bem mais do que eu. Esta urgência em replicar uma fórmula que resulta pode levar a que o jogo não resulte. Não há uma razão clara para algumas destas cópias ganharem alguma tracção e outras não. A maioria das vezes é uma investigação que teria de ser feita caso a caso, e muitas vezes certamente sem se chegar a alguma conclusão, mas realço que, cada vez mais, não é a qualidade o único factor responsável pelo sucesso comercial de um jogo.

Mal se nota a inspiração de Coral Island.

A ideia de escrever este artigo, que já por si não é propriamente original, começou quando o Game Pass me sugeriu Coral Island para jogar. O jogo pareceu giro e acabei por experimentar. Nunca tinha ouvido falar nele. No meu caso foi o algoritmo da Microsoft que o sugeriu.

Estou a gostar de jogar Coral Island. Mantém-me entretido há uns dias. Resumidamente é 90% de Stardew Valley com 10% de Animal Crossing, sendo que nesses 10% já incluo alguma similaridade gráfica. 4500 análises no Steam são um sinal que o jogo não é propriamente desconhecido, no entanto nunca tinha ouvido falar nele. Não fosse o Game Pass, nem lhe tocava. E é um bom jogo, mas…

Mas, não vai ficar na minha memória, e só me está a manter mais tempo que o normal porque parece que só agora se me deu o clique para as mecânicas próprias destes jogos. Não fiquei deslumbrado com Stardew Valley ou Graveyard Keeper (entre outros menos conhecidos), já que só recentemente me ofereci o tempo de os apreciar, mas mesmo sendo o jogo que me manteve mais tempo, a maior parte das vezes não me lembro do nome dele, muito menos das personagens, ou da história subjacente, um chorrilho de vulgaridade que está a interessar-me tanto como me interessaria a composição exacta da quarta saia duma nazarena. Estou a jogar mecanicamente. Já sei as mecânicas de cor. Já conheço o gancho. Já sei como acaba.

Graveyard Keeper pareceu-me lento demais, e acabei por parar antes da dezena de horas jogadas.

Acreditem que pensei nisto, embora este texto pareça não o demonstrar, mas não sei bem se seria justo ao fazer uma antevisão deste jogo. Já estou a imaginar perfeitamente o meu texto. Descrição da coerência das mecânicas, das várias vertentes do jogo farming/dungeon crawling/relações/história e de como se interligavam, acabando com o normal, o jogo é bom, mas não é memorável.

Estes são os “jogos de 7” nos portais agregadores de análises. O que os difere dos 9 de Stardew Valley ou dos Harvest Moon originais? Provavelmente estão ao mesmo nível. Estarei a ser justo na forma como falo sobre estes clones? A falta de magia que têm comigo, não poderiam ser o início duma relação com um género com outra pessoa que nunca tenha jogado nada parecido?

A verdade é que é uma falácia considerar que uma análise a um jogo é um exercício objectivo quando está ligada ao gosto pessoal do crítico que o joga, mas não deixam de ser questões pertinentes. A cópia pode ser melhor que o original, mas enganar a nossa percepção sensorial.

Isto tem alguma implicação prática? Provavelmente não. Talvez venha a ter mais atenção e reforçar algumas comparações com outros jogos, algo que habitualmente evitava, mas talvez seja mais importante estabelecer estas pontes do que anteriormente pensava.

Tudo isto é um processo.

Depois da batatada entre quem tinha os direitos e quem tinha o talento, Harvest Moon nunca mais foi o mesmo.