A velocidade a que o mundo muda é impressionante. Há 15 anos ser geek não era tão cool como é nos dias de hoje: gostar de Marvel, anime, videojogos, jogos de tabuleiro e afins era uma pertença de nicho, ainda que esse dito nicho correspondesse a largos milhões de pessoas. Mas conversar abertamente sobre a cultura geek não era algo que penetrasse no mainstream, mesmo que os videojogos já fossem a indústria cultural e de entretenimento com maior crescimento, ou que super-heróis ou os protagonistas de anime como Dragon Ball fossem já das figuras mais reconhecíveis por todo o mundo.
No More Heroes surge nessa mesma realidade em que crescemos. No meio de toda a acção over the top, o protagonista Travis Touchdown era um otaku assumido, e todas as referências disparadas ou encontradas eram easter eggs saudáveis para os geeks que empatizavam com ele e pela sua paixão pela cultura pop.
A forma como Suda51 fez este elogio da cultura geek foi, curiosamente, através da paródia. No More Heroes é a versão auto-consciente da imagética geek, do super-imaginário do apaixonado por estes elementos que se vê transportado para os seus objectos de admiração.
Depois temos o contexto histórico. Numa fase em que os hack ‘n slashes ressoavam comigo muito mais do que nos dias de hoje, Madworld foi possivelmente o meu system killer e uma das principais razões – talvez até a principal – para adquirir uma Wii. E por sugestão do meu amigo que me apresentou Madworld, No More Heroes foi o jogo que se lhe seguiu nas sugestões.
Nessa viagem tresloucada e over the top que Suda51 nos trouxe, Travis Touchdown é o arquétipo replicado por tantas histórias de manga, e não só. O fã apaixonado que se torna o herói de acção, num mundo pejado de referências e sátiras a uma série de elementos que tanto o protagonista como os autores tanto prezam.
A acção, igualmente simples, mas deslumbrante no seu exagero: vamos ganhando dinheiro a defrontar e eliminar bosses, subindo no ranking da United Assassins Association, pegar no lucro que fazemos com a derrota de um vilão para pagar a possibilidade de defrontar o que se lhe segue na hierarquia. Um jogo hilariante na forma como levou toda a acção ao extremo, pejando muitos momentos de easter eggs e de piscares de olho geeks.
Mas entre o lançamento de No More Heroes em 2007 e a terceira iteração da série principal passaram 14 anos. E 14 anos, nos últimos 100 anos, é demasiado tempo. A cultura geek enquanto elemento de nicho já lá vai. No More Heroes surge com um protagonista que não só é um porta-estandarte otaku, como era um exemplo de ser cool quando ser geek era menos aceite do que o é hoje.
Em 2007 as referências de No More Heroes eram uma palmada no ombro de geeks para geeks. Mas nos anos posteriores ao seu lançamento, a cultura geek massificou-se e tornou-se mainstream. A paródia de nicho de No More Heroes deixou de fazer o mesmo sentido que tinha na sua génese.
E talvez seja esse o problema de No More Heroes 3: o de estar preso ainda em 2007. Muda-se a raison d’être de Travis Touchdown para um confronto interplanetário com um alienígena com tiques de imperador, Jess Baptist VI, conhecido como FU, e o sistema de subida de Ranking da United Assassins Association mantém-se.
O mundo aberto existe, mas é tão estéril quanto a nossa visão retrospectiva esperaria de um jogo do tempo da Wii. E esse é o problema: No More Heroes 3 foi lançado paras as consolas de nova geração, mas apresenta-se visual e criativamente como estando preso na sétima. Com um mundo desinspirado e vazio como nem indies que arriscam aventurar-se por open worlds fariam. Os mini-jogos regressam numa abordagem que tentou ser um best-off mas caiu num worst-off, e que após tantos anos se tornaram a falta de piada de uma piada.
Salva-se o combate, frenético, intenso e exagerado como sempre, com os movimentos e combos ainda mais finados e fluídos, mas No More Heroes 3 soa, na sua missão principal, uma piada datada que já foi levada longe demais.