A música acompanha-nos ao longo da nossa vida, direta ou indiretamente. Não sou o maior entendido em música, mas fico sempre fascinado com a criação musical através de diferentes instrumentos ou a própria versatilidade sonora que um determinado instrumento tem para reproduzir sons de diferentes amplitudes, para que depois estas notas sejam tocadas em géneros tão díspares. O meu gosto musical é horrível, que é exatamente o oposto do tato que tenho na escolha muito cuidada de obras para jogar num consola, PC ou telemóvel. Quando quero ouvir algo, as minhas escolhas recaem quase sempre em one-hit wonders dos anos noventa ou oitenta, ou para uma banda pirosa de nu metal que começou no final da década que antecedeu o arranque do novo milénio. Portanto, para ouvir uma boa música recorro ao algoritmo de um serviço qualquer de streaming ou por uma pessoa com bom gosto – obrigado, Para Cá do Abismo.

Por muito que goste de música, a minha capacidade para acompanhar ritmos é limitada, não consigo atinar com o excelente The Crypt of the Necromancer (ou a sua adaptação ao mundo de Hyrule), nem nunca tive destreza suficiente para conseguir terminar as músicas mais difíceis de Guitar Hero ou Rock Band, mesmo na dificuldade mais básica. Porém, acho que encontrei o jogo de música perfeito para mim, dado que a música é utilizada para resolver puzzles. Sonority é um jogo que não exige ritmo, mas raciocínio lógico – para mim é o ideal.

Era bom que fosse assim tão bonito na Switch.

Esta obra pretende que se resolvam quebra-cabeças com várias notas reproduzidas através de um instrumento de sopro. Temos em nossa posse uma flauta pan pipe (sim, aquelas flautas tocadas por pessoas sul-americanas que vendiam álbuns inteiros de covers de toda e qualquer música) com características que lhe confere poderes mágicos. A nossa protagonista quer aprender a tocar esta flauta especial para poder resolver o seu problema – salvar alguém que lhe é muito próxima. Por isso, temos de nos aventurar por uma localidade em ruínas onde o nosso instrumento será a chave para abrir os puzzles de um pequeno aldeamento e dar-nos os caminhos que necessitamos para chegar ao nosso destino.

Sonority é linear e coloca-nos pausas com interessantes e originais puzzles, que serão resolvidos com o som da nossa flauta. Não é tarefa fácil chegar à solução pretendida, muitas vezes é necessário ir por tentativa e erro enquanto vemos se a nossa resposta resulta. Se a nossa tentativa não funcionar é muito fácil ver onde erramos, mas como, por vezes, temos de alterar um segmento muito grande de notas, acaba por ser mais complicado do que o esperado – mas nada que seja impossível. É quase como acertar uma equação química, basta seguirmos a Lei de Lavoisier, em Sonority temos de seguir as oscilações da amplitude sonora entre as diferentes notas.

É este tipo de puzzles que vos espera.

Vamos por partes. Vou tentar desconstruir um puzzle de Sonority para que percebam o quê que vos espera. Primeiro, chegamos a um determinado local e temos o caminho barrado, portanto há um puzzle a resolver por perto. Uma vez identificado o dito puzzle, temos de ver onde estão os diferentes receptores sonoros das notas do nosso instrumento e como é que estão ligados entre si. Depois, temos de perceber, provavelmente após uma tentativa que fracassou, como é que a alteração de uma nota para outra influencia os vários elementos do nosso problema. O nosso objetivo é descongestionar o caminho com blocos que estão a tapá-lo, fazer rodar plataformas para formar um caminho que ainda não existe ou mover uma plataforma num eixo vertical ou horizontal. É todo um conjunto de peças que tem de ser movido, para que no fim estes tracem o caminho que temos de percorrer para avançarmos na aventura.

Esta descrição pode parecer simples, mas não é. Temos de ter noção que uma subida de dó para fá faz, por exemplo, uma coluna elevar-se em três níveis (se tivermos em conta que entre dó e fá existem ré e mi). Depois há um seguimento do fá para a próxima nota para a diferença de tonalidade poder fazer mexer a próxima peça do puzzle como o desejamos – e assim, sucessivamente -, para assim podermos avançar sem obstáculos na nossa frente. Sonority faz trabalhar a nossa massa cinzenta com desafios de lógica matemática, damos mais uso à cabeça para deduzir uma solução e implementá-la do que a usar a nossa habilidade, a pressionar botões no comando, para fazer uma combinação qualquer de ataques ou fazer um salto complicado para chegar a uma determinada altura.

Além de quebras-cabeças empolgantes, também somos presenteados com a arte do azuleijo que nós bem conhecemos.

Sonority é o jogo perfeito para quem gosta de descobrir a imagem de um bom Picross, de preencher um exigente Sudoku com os algarismos nas casas corretas, ou de resolver um problema de xadrez de solução única. É este o tipo de jogo que Sonority é, uma obra que nos entrega problemas para serem resolvidos através do som, onde temos de levar o nosso tempo com a experimentação de sucessivas hipóteses, com ou sem sucesso, até que tudo encaixe tudo na perfeição. Obviamente, há alturas em que não adianta insistir com um quebra-cabeças, temos de desligar a ficha e deixar o cérebro respirar e só após um descanso merecido é que podemos voltar a exercitar a mente.

Este título de origens humildes, como quase todos os títulos independentes têm, tem bom aspeto, mas não tem grandes argumentos para nos deslumbrar (nem o quer, afinal a sua proposta é que se resolvam puzzles), nem tem razões para nos deixar maravilhados com os seus visuais. É um mundo tridimensional para aquilo quer apresentar e fazer. Infelizmente, na Nintendo Switch, sente-se que há um certo arrastamento da personagem quando se movimenta. É um jogo de puzzles e apresenta-se muito bem como tal, mas como são resolvidos indiretamente pela personagem que controlamos, acaba por demorar mais tempo a resolver os problemas de lógica do que seria desejável. Contudo, se comprarem Sonority vão ficar pelos bons puzzles e pela forma como está construído com uma interessante narrativa. Não é um Sudoku ou Picross, mas não deixa de ser um bom exercício para a nossa massa cinzenta.