Ainda não marquei consulta no alergologista, mas temos que recentemente a minha rinite sazonal tenha evoluído para uma alergia à TVI. Basta-me passar nas minhas raríssimas incursões pela televisão portuguesa pela estação que tem como padroeira a Santa Cristina, e o meu corpo começa a produzir histamina como se eu andasse a esfregar a cara em flores durante a Primavera. 

Para quem acompanha os nossos podcasts, sabe que esta reacção é similar ao que o meu amigo e companheiro destas lides radiofónicas Rui Parreira tem com a maioria dos roguelikes ou roguelites. É interessante até a forma diametralmente oposta como reagimos a jogos do género: eu, por um lado, à procura de testar quase tudo o que sai, e ele, a amaldiçoar as ocasiões em que tem de jogar um roguelike. Eu sei que a comparação é hiperbólica, como tanto que é dito e escrito, mas permitam-mo para dar enquadramento ao artigo.

O problema com a alergia do Rui a roguelikes é que desta vez eu concordo com ele. Bravery and Greed tem alguns méritos, mas as suas falhas não me permitem gostar tanto dele como poderia.

Apesar de Bravery and Greed ser comunicado como um jogo direccionado para o modo cooperativo, onde até 4 jogadores têm de encontrar as runas que desbloquearão um cofre de anões, e as riquezas que ele contém, é a primeira vez que sinto que se tivesse realmente jogado o jogo com outros jogadores tinha gostado dele ainda menos do que gostei. 

Tirando da sala o grande elefante que é, para mim, o elemento que estraga por completo a experiência de Bravery and Greed, é o quão caótico o jogo se torna, apenas com o nosso personagem e os muitos inimigos no ecrã. Se a tudo isto adicionássemos outros jogadores, os seus movimentos e projécteis, então acredito que Bravery and Greed passasse de ter um caos incómodo, para um caos que destrói por completo o jogo.

Se neste momento estão a pensar porque é que estou a distinguir entre “caos bom” e “caos mau” como quem está a dar continuidade a um banco falido e o divide em 2 instituições bancárias, é porque eu estou mesmo a separar o caos apetecível num videojogo. 

Quando vemos casos de jogos cooperativos caóticos como Cannibal Cuisine ou Moving Out, e percebemos onde Bravery and Greed falha, é fácil de fazer a destrinça. Num jogo onde cada golpe dos inimigos é telegrafado, mas ao mesmo tempo se nos acertar temos uma punição muito elevada para a quantidade de vida que dispomos, e onde o rácio dano/HP é elevado, então o caos injusto que o level design bidimensional deste jogo nos traz acaba por nos estragar de imediato a diversão.

É que temos casos de jogos similares, com action platforming roguelike como Dead Cells ou Blade Assault que souberam gerir, e bem, esse caos visual e o amontoado de inimigos num espaço bidimensional. Mas em Bravery and Greed os inimigos amontoam-se e acabam por tapar entre si os telegramas que antecedem os ataques, e acabamos por perder uma run não por inépcia, mas porque os indicadores mecânicos são ofuscados pela incapacidade do jogo em tornar tudo mais legível no ecrã.

Com algumas secções de platforming a intercalar os muitos momentos de combate, mas que infelizmente representam uma experiência mediana, muito por culpa da pouca afinação dos saltos que tinham muito a aprender até com jogos dos anos 1980.

Mas o texto soa até agora a que Bravey and Greed seja um jogo terrível, a realidade é que ele não é. O problema é precisamente esse: existia aqui possibilidade de ter um jogo muito melhor do que ele é, e seria possível que com ligeiras alterações o atingissem.

Seja pela diversidade que cada run representa, visto que cada jogador decide, antes dela começar, de que divindade deste mundo receberá benção, o que alterará o tipo de perks que poderão aparecer ao longo da playthrough. Ou até pelos run modifiers que vão sendo desbloqueados, e que se por um lado tornam toda a experiência progressiva e ajustadamente mais difícil, dão também mais recompensas.

As quatro classes têm todas o seu leque único de ataques, com um feel muito arcade. E é nestes momentos iniciais em que o ecrã está menos cheio que sentimos o potencial brilho deste jogo: onde o combate é diversificado e igualmente táctico. Mas basta avançarmos nos primeiros minutos de jogo para que o empilhar do número de inimigos (e não o seu desafio) nos estrague por completo a experiência.

Já por diversas vezes o admiti: indigna-me mais um bom jogo que não cumpre o seu potencial, do que um mau jogo. E este Bravery and Greed é um bom exemplo do primeiro caso, lembrando-nos de tantos outros action platformers roguelike que já resolveram todos estes problemas e que são verdadeiramente memoráveis.