Ao longo destes mais de 10 anos a escrever para o Rubber ou nos últimos 4 a falar no Split-Chicken, não existe momento em que fale de Digimon sem referir que comprei os primeiros Digimon World todos, e acabei por oferecê-los. Passaram-se décadas até que eu tenha sentido que a série Digimon tenha finalmente produzido um bom jogo (se não contarmos com o meu card game favorito da PS1). Cyber Sleuth arrebatou-me de tal forma em 2016 que me levou a comprar Digimon World: New Order para a PS4 assim que este ficou disponível no ocidente, após ter sido originalmente lançado para a Vita no Japão.
Mas com a vida a acontecer, a cópia de Digimon World: Next Order que comprei continuou ali intocada, à espera que eu tivesse tempo para lhe dar atenção. Coisa que não aconteceu até que a Bandai Namco decidiu trazer o jogo para a Switch e para o PC.
Passaram-se 20 e poucos anos desde que experimentei Digimon pela primeira vez e de forma derradeira sinto que não fosse a série apoiar-se num IP amplamente conhecido e adorado, e nunca teriam tido a capacidade de chegar à sexta iteração da série.
Digimon World: Next Order, 24 anos após o lançamento do jogo original continua a ser o mesmo que sempre foi: um simulador de Tamagotchi. E como um Tamagotchi, mesmo após um investimento temporal elevado para satisfazer as suas necessidades – e já lá vamos a este ponto – não estamos a preparar o nosso Digimon numa viagem longeva, visto que a morte pode estar à espreita. E ainda que a ideia de recomeçar com boosts estatísticos diferentes e de poder direccionar o nosso personagem numa evolução diferente, a sensação de perda de tempo é avassaladora, já que estas ramificações são, maioritariamente, inconsequentes.
Em teoria a ideia de cuidar de uma criatura virtual e ter de atender à sua fome, fadiga e às suas necessidades fisiológicas (sob risco de defecarem onde não devem) é interessante, se todo o sistema de life management fosse mais interessante do que aqui é. É este ciclo de um grind incessante e exaustivo de levar o Digimon para o ginásio para treinar estatísticas, de cuidar dele no quotidiano como um animal de estimação, apenas para ele morrer, termos um ovo, recomeçarmos o ciclo e tentarmos que a criatura evolua noutra direcção que nos esgota.
Somemos a isto os abruptos aumentos de dificuldade, na qual o nosso Digimon subitamente pode ficar notoriamente abaixo do nível de combate de um adversário de história, obrigando-nos a voltar para o ginásio, talvez durante horas, para conseguir evoluir o suficiente para fazer frente à ameaça, e continuamos a ter um loop mecânico monótono e obtuso, que em nada beneficiam a série.
Aceito o grind como parte de jogos, e nem sequer o vou criticar enquanto mecânica, ou caminho para chegar a um objectivo. Muitos dos jogos que nos obrigam a esta prática vão-nos mostrando, progressivamente, o que atingimos. Mas o grind extremo que Digimon World: Next Order nos traz com pouquíssima progressão no jogo soa apenas a uma ocupação, um afazer pouco satisfatório que nos vai afastando deste título como o Ventura de fact checking.
É curioso que com a aproximação mecânica e temática de Digimon a Persona em Cyber Sleuth que a série de Digimon finalmente encontrou o seu tom e a sua apresentação em videojogo de grande qualidade. E mesmo que a inspiração inicial da série tenha sido a febre dos Tamagotchi, estes 25 anos de tentativa-erro e erro de tentar replicar essa origem de forma interessante continua a falhar redondamente. Talvez a Bandai Namco volte a encontrar o seu caminho com o anunciado (sem grandes pormenores) próximo título de Digimon Stories, quem sabe, no regresso ao mundo de Cyber Sleuth. À minha quarta tentativa com a série Digimon World é tempo de atirar a toalha ao chão: nunca cheguei a ter vontade de cuidar de um Tamagotchi, e muito menos agora tenho o tempo ou a paciência.