Se me dissessem que os autores de Broforce e Genital Jousting viriam a fazer um dos jogos com um activismo acutilante, eu não acreditaria. E não porque duvidasse da qualidade do estúdio Free Lives, muito pelo contrário, todas as suas produções são diferentes entre si, têm uma tremenda qualidade, mas ao mesmo tempo são violentos de forma cómica, extremos na sua abordagem over-the-top. Terra Nil é em tudo o seu contrário. O equivalente de Cradle of Filth lançarem um disco de piano e voz de músicas instrospectivas. Em ambos os casos não duvido a priori da qualidade dos resultados, um real, e outro hipótetico, mas a distância entre o trabalho habitual e a nova proposta é tão díspar que mais assemelha a estúdios distintos.

Ultrapassado que está em choque inicial pelo conhecimento prévio e profundo de todos os jogos do estúdio sul-africano, há que mergulhar em Terra Nil a partir da premissa que é a sua definição conceptual: o city-builder ao contrário. É que o tema de Terra Nil não é o da optimização da construção das sociedades humanas sobre o planeta, mas sim uma reciclagem da Terra e uma devolução da geografia à Natureza.

Mas como ainda ontem dizia na gravação do novo episódio do Split-Chicken, à semelhança de outro jogo que me chegou quase em simultâneo com um nome e premissas similares, dificilmente apelidaria Terra Nil de city builder, mas sim de puzzle game.   

É que mais do que construir e optimizar, o que Terra Nil nos obriga é a criar uma estratégia, ou aliás, a resolver o puzzle, de atingirmos uma determinada pontuação através da construção e reciclagem processual de elementos que permitam ao planeta ser verdejante sem qualquer indício da nossa presença.

Começamos com um terreno inóspito, castanho, onde temos de construir edifícios e maquinaria de quase terraformação, e que vão lentamente limpando essa poluição e detritos, tornando o solo fértil. 

O processo mental de Terra Nil é oposto ao de um city builder. Vamos construir uma série de estruturas para reconstruir (ou reflorestar) o planeta de volta ao seu aspecto original. Se na maioria dos jogos dos jogos do género encontramos um espaço verdejante que vamos lentamente alterando e desertificando para povoar com civilização, em Terra Nil temos de construir para reciclar, para no fim deixarmos o planeta sem qualquer indício de existência humana.

Há dois elementos de desafio em Terra Nil e que nos obrigam a resolver o grande puzzle (e os pequenos que o constituem), e ao mesmo a criar uma estratégia prévia de resolução. Para que determinada flora ou fauna surjam, os espaços envolventes e contíguos têm de responder a determinadas características. Seja humidade, ou tipo de terreno, a temperatura ou a proximidade com um rio ou um lago. Só cumpridas todas as características é que poderemos, por exemplo, repovoar determinada zona com fauna específica.

O segundo desafio reside na eliminação da nossa presença, encontrado sistemas de reciclagem de estruturas que reabsorvam os materiais utilizados. Mas para isso o jogo obriga-nos à planificação de uma série de caminhos hídricos que levem as embarcações de absorção dessas materiais primas a chegaram até às zonas onde temos estruturas que necessitam de reciclagem. 

Apesar da sua excelente qualidade e total mudança de perspectiva, talvez a minha única crítica a Terra Nil resida no facto de que já tive de reiniciar o jogo algumas vezes por não conseguir de antemão qual a totalidade dos objetivos que terei de cumprir. É que o processo de construção e de quase terraformação é progressivo em 3 fases, e é apenas quando entramos em cada uma delas que sabemos quais os requisitos que teremos de cumprir para terminar cada missão. E visto que a terraformação e organização geográfica está interligada com o cumprimento desses requisitos, é possível que a geografia a que chegámos torne impossível de cumprir esse mesmo nível.

No entanto, a ideia de um city-builder inverso, em que repensamos a nossa presença e intervenção na Terra, e o desafio mental e mecânico de devolver a natureza ao seu estado de maior equilíbrio faz deste Terra Nil um dos mais interessantes jogos do género. Um jogo inovador que quem joga, dificilmente irá esquecer.