O segundo e terceiro capítulo da série Resident Evil foram melhorados e adaptados à atualidade, resultando em jogos completamente diferentes dos clássicos originais. Dos cenários pré-renderizados e controlos tipo tank, os jogos foram transformados em aventuras de ação na terceira pessoa. A Capcom teve todo o cuidado de manter intacto o ambiente, os puzzles e a narrativa em respeito ao legado e aos fãs, mas modernizando-os para a atualidade.
Mas fazer um tratamento semelhante a Resident Evil 4 seria um trabalho mais meticuloso. Este foi o primeiro da série a mudar a perspetiva para a terceira pessoa, sendo mesmo pioneiro naquilo que chamamos perspetiva sobre o ombro. E foi uma transformação radical quando comparado com a trilogia inicial. Por outro lado, a aventura de Leon S. Kennedy é considerado o melhor capítulo de toda a saga pelos fãs. A Capcom poderia simplesmente fazer um remastered para trazer o jogo para a atualidade, uma vez que as bases modernas da série já estavam lá, mas preferiu ir mais longe, com um remake completo. Mas terá sido boa ideia?
O jogo foi recriado com o motor gráfico utilizado nos últimos capítulos e remakes, o RE Engine, fazendo algumas modificações importantes. A primeira coisa que se nota é obviamente o grafismo, mais detalhado e atmosférico, repleto de contrastes entre os ambientes negros e arrepiantes, aos cenários mais naturais e excêntricos que a série já nos habituou.
Obviamente que as partículas, iluminação, sombras e todos os mimos gráficos de nova geração ajudam, e muito, a recriar um ambiente imersivo e expandir aquilo que o jogo original pretendia criar. As texturas das roupas das personagens e as faces mais expressivas e detalhadas são também de destacar, não apenas dos protagonistas, mas dos próprios inimigos.
Este remake traz o jogo para a atualidade, e tal como os anteriores segundo e terceiro capítulo, podem ser consumidos em forma contemplativa e nostálgica pelos fãs que tiveram acesso aos originais; ou simplesmente serem desfrutados por novos jogadores, que estão a ter o primeiro contacto com o jogo. E Resident Evil 4 é o meu caso particular. Neste título desliguei os filtros comparativos e mergulhei “às cegas” nesta aventura macabra que “conhecia” muito bem por tudo o que ouvi falar dele ao longo dos anos, mas que nunca tive oportunidade de jogar. E por isso, é de louvar que posso afirmar que o jogo é atual, fresco, divertido e altamente assustador.
A jogabilidade foi também um pouco modificada face ao original. Apesar de não o ter jogado antes, sempre me fez confusão o conceito do “parar para disparar” imposto numa aventura de terceira pessoa. Ou seja, os controlos de ação dos primeiros jogos foram de alguma forma transferidos para Resident Evil 4, obrigando a personagem a parar para apontar os alvos. Mecânica obsoleta na atualidade em que queremos total liberdade de movimentos enquanto se utiliza as armas. E não fazia sentido termos os dois jogos anteriores livres e manter o quarto agarrado ao sistema original. Excelente decisão, a meu ver, apesar de alguns fãs mais puristas talvez sentirem falta dessa mecânica original.
A nova versão do jogo adiciona também melhorias a nível de “qualidade de vida”, com a introdução de autosaves, além das gravações manuais nas máquinas de escrever. A Capcom sabe que não precisa de castigar os jogadores a perder tempo a percorrer novamente o caminho até ao local onde morreu, colocando saves automáticos em locais mais desafiantes como bosses ou sequências de combate mais intensas. Não é preciso aumentar artificialmente a longevidade de uma aventura por si bastante longa, durante cerca de 16 horas a finalizar, o que é muito bom para o género.
O quarto capítulo começou por dar sinais da evolução da série, do clássico survival horror para um jogo de ação. Mas conseguiu manter um bom equilíbrio de momentos tensos e claustrofóbicos, com situações em que se fica encurralado e é preciso enfrentar hordas de aberrações, inimigos mais perigosos e gigantescos bosses. Este remake salienta ainda mais a componente de ação, em que raramente me tive de preocupar com a falta de munições ou espaço no inventário para gerir. São sinais dos tempos que os dois jogos seguintes consolidaram, ainda que com recepção negativa pelos fãs.
Mas não há dúvida que o Remake não retirou a essência do horror ao tornar o jogo mais focado na ação, nas sequências onde é necessário abrir fogo. As animações mais detalhadas e fluidas ainda salientam mais a intensidade das sequências. A Capcom adicionou mais inimigos, segundo mencionou, e aproveitou para jogar melhor com a iluminação, com os contrastes das áreas negras, reforçando dessa forma a tensão e a surpresa nos momentos mais tensos.
Uma novidade na jogabilidade é a possibilidade de Leon poder agora bloquear ataques dos inimigos com a faca. O bloqueio pode atordoar os inimigos para um contra-ataque eficaz. E até se pode bloquear projéteis, como dinamite ou disparos das flechas. Há um prompt que ajuda a perceber quando podem usar a faca para bloquear, até se tornarem familiares com a mecânica.
A possibilidade de eliminar os inimigos numa abordagem furtiva é também agora uma possibilidade. Podem andar agachados e apanhar algumas aberrações pelas costas e eliminá-los, poupando munições, embora a faca se desgaste com o uso. E mesmo quando estamos com a Ashley, podemos alternar entre esta estar colada a Leo para deslocações mais rápidas e fugas de inimigos, ou pedir-lhe que guarde distância, quando temos inimigos para enfrentar pela frente.
Outra novidade é a introdução de Requests, que funcionam como missões secundárias, incentivando a explorar melhor os cenários ou eventualmente a fazer backtracking dos cenários. Estes recompensam com uma moeda própria para gastar no mercador em troca de itens que não estão listados na loja principal. Este mercador vende munições, sprays de cura, armas, acessórios e outros itens essenciais para ajudar na sobrevivência. Mas também repara as facas e colete, sendo ainda possível melhorar as armas, no que diz respeito a dano ou capacidade de munições, por exemplo.
No que diz respeito à narrativa, este quarto título é uma sequela direta de Resident Evil 2, e acontece seis anos depois dos eventos de Raccoon City. Leon S. Kennedy foi recrutado pelas forças especiais e é agora um agente que tem de viajar para uma área rural fictícia em Espanha para salvar a filha raptada do presidente dos Estados Unidos: Ashley Graham. Por trás do seu desaparecimento está um culto chamado Los Iluminados, que utiliza um vírus que torna a população zombificada, inimigos conhecidos como Ganados e outras aberrações.
Este tipo de inimigos acabaria por influenciar a série Resident Evil a partir daí. Os clássicos zombies burros e inexpressivos são agora substituídos por versões mais inteligentes, com capacidade de utilizar armas, com vontade de flanquear o jogador. Sem dúvida que são mais macabros e assustadores, sempre a gritar em espanhol, possuídos por algo maléfico.
Se há algo que gostei muito de Resident Evil 4 e compreendo agora a razão pelo qual continua a ser um dos melhores da série, é a capacidade da Capcom expandir a quantidade de mecânicas, de sequências de ação ao longo de toda a aventura. Ora estamos no meio de um lago num bote a enfrentar um monstro, como teremos perseguições de vagões mineiros, puzzles variados para resolver e sequências de ação.
São 16 capítulos, sensivelmente uma hora em cada um, numa montanha-russa de emoções, encontros com inimigos bizarros, mas também personagens carismáticas. E esta versão é moderna, sem o choque típico de um remaster, atualizado o suficiente para ser adquirido como um jogo novo.
Mantendo o elogio que fiz aos anteriores remakes da série, ou jogos como o Dead Space, esta é a forma de trazer para a atualidade os clássicos, melhorando o motor de jogo, os gráficos, mas sobretudo a jogabilidade, tendo a coragem de modificar o que é preciso para uma melhor experiência e até a introduzir novidades. Resident Evil 4 faz totalmente este checklist passando a ser para mim também um dos melhores da série.