Estou numa fase em que existe uns quantos géneros de videojogos para os quais eu tento experimentar tudo o que vai saindo, na expectativa de encontrar algo diferente que os distinga de tantos outros jogos que vão saindo. E eis que recebo um email a anunciar um cruzamento entre solitário e boxe. Dificilmente conseguiria ficar mais curioso com o resultado.

Precisamos de apenas começar o executável (se estivermos no Steam) para perceber que Deck ’Em foi desenvolvido a pensar no mercado mobile. Não apenas pelo seu preço de 2,99€ – bastante acessível se tivermos em consideração o habitual de jogos indie no PC – mas também porque facilmente descobrimos que o jogo está presente em iOS.

A direcção de arte de Deck ’Em traz-nos a abordagem cartoonesca inspirada pelas excelentes séries de animação da década passada, em especial Adventure Time. Ilustrações coloridas de forma quase plana, não fossem alguns apontamentos de sombra ajudarem a criar alguma profundidade. Um estilo que se ajusta na perfeição ao que Deck ‘Em se propõe a fazer: uma abordagem rápida em jogo de cartas.

Deck ‘Em não é difícil de perceber, mas é muito complicado de dominar. O objectivo principal é sobreviver 12 assaltos contra o campeão: uma tarefa hercúlea dada a forma como o jogo se processa.

Em termos de interface, Deck ‘Em possui 8 espaços em cada assalto. Quatro superiores, sem identificação, e quanto inferiores, respectivamente, da esquerda da direita, um espaço para desferirmos um murro, o valor de vida do nosso personagem, uma slot de bloqueio e o banco do canto do ringue, onde podemos guardar uma carta para o próximo assalto.

Dada a limitada variedade de cartas no baralho, Deck ‘Em é um jogo que coloca o seu ónus mecânico na defesa, e não na capacidade de derrotarmos o adversário. Aliás, nem sequer temos uma manifestação mecânica do campeão com o numeral de vida correspondente.

A mecânica de solitária passa por conseguir ter numericamente cartas de bloqueio que consigam absorver a totalidade (ou a maioria) do dano desferido pelo campeão. E se a mecânica de bloqueio pode ser obtusa à primeira vista, na realidade ela é muito fácil de explicar. 

Quando recebemos carta de bloqueio de ataque, elas possuem dois números distintos: um, no canto superior esquerdo sobre fundo azul, e outro no canto inferior direito a vermelho. O primeiro refere-se ao limiar de ataque do adversário que aquela carta consegue anular. Por exemplo, uma carta de bloqueio de valor 7 conseguirá anular cartas do campeão com ataque 7 ou inferior. Mas a outra variável que aqui entra em jogo é o valor a vermelho: este indica o ataque da última carta defendida. Mantendo o exemplo da carta que referimos: se utilizar uma carta de valor 7 de defesa, mas a última carta do ataque que ela defendeu foi um ataque de 3 (absorvendo por completo o ataque), quer dizer que neste momento o nosso bloqueio parará com parcial eficácia cartas de ataque de 7 e 4 de ataque (e a diferença entre 7 e 3 passará como dano directo) e com total eficácia cartas de 3 ou inferior. Todas as cartas com valor superior a 7 simplesmente serão dano na íntegra no nosso contador de vida.

Como noutros jogos de solitário, dada a inexistência de informação sobre a ordem das cartas que vão saindo, a capacidade de criar uma estratégia é praticamente impossível, e o segredo de Deck ‘Em é mesmo a nossa capacidade de nos adaptarmos às cartas que saem em cada assalto e conseguirmos sobreviver.

Para além do desafio do solitário propriamente dito, no qual os autores pegaram no baralho de 52 cartas e transformaram nas 52 cartas de ataque, defesa, cura e ataque do campeão que compõem o baralho, a grande crítica que tenho a Deck ‘Em é a sua grande falta de profundidade. Seja a profundidade de variedade de cartas, em que rapidamente já as vimos a todos e passamos a viver apenas o “luck of the draw”, seja pela inconsequente recompensa em dinheiro que temos pelo número de assaltos que sobrevivemos e que podemos apostar double or nothing numa próxima tentativa e que podemos gastar em… nada.

Deck ‘Em é uma boa ideia mecânica, uma forma diferente de repensar o tradicional jogo de solitário, mas infelizmente é também um jogo que rapidamente se esfuma da nossa vontade de o jogar passado que esteja o sentimento de novidade e de surpresa.

Nota: não sei como se joga à busca dos 9, mas achei que era um boa referência ao título. Qualquer semelhança mecânica com Deck ‘Em é pura coincidência.