No estado actual do mercado, os jogos Early Access são uma percentagem importante dos lançamentos, onde uma percentagem considerável deles são utilizados pelos seus criadores de forma honesta e como forma de ir desenvolvendo o jogo com participação da comunidade. Há sempre uma sensação de injustiça em produzir uma antevisão a um jogo que ainda não está terminado. Especialmente se tivermos em conta que dado o ritmo a que os lançamentos existem, dificilmente regressamos a um jogo que antevimos, meses ou anos após o seu lançamento definitivo.
É com este sentimento agridoce que me sento para escrever sobre Fabledom, um dos city builders que mais me despertou interesse desde que vi o primeiro trailer. E tendo em consideração que nos últimos anos tenho feito um esforço para jogar a grande maioria dos jogos que têm sido lançados do género, as considerações que vou tecer em volta de Fabledom são ainda mais agridoces.
Não é fácil inovar. Tirando esta lapalissada do caminho, há que identificar onde Fabledom quer deixar a sua marca. Na maioria dos city builders existe a pressão de conseguir equilibrar todos os aspectos do quotidiano da nossa população, e onde a sua felicidade representa a nossa queda ou crescimento demográfico e económico. Fabledom quer ser uma versão mais acessível e relaxada do género, onde os indicadores de felicidade têm impacto na capacidade de instalar novos cidadãos, não afectando o funcionamento quotidiano da cidade.
Para além disso, Fabledom quer inovar no tema, apostando em ser o primeiro (ou um dos primeiros) jogos do género com uma temática centrada nos mundos de contos de fadas. Utilizando essa perspectiva não só como cenário para a criação da nossa povoação medieval, mas também como direcionamento da componente diplomática do jogo.
Diria até, pelo menos nesta fase alfa de desenvolvimento, que a componente diplomática é o grande diferenciador de Fabledom: onde o nosso grande objectivo enquanto regentes do reino não é apenas a prosperidade, mas também conseguir casar com um príncipe ou uma princesa de um reino longínquo.
Neste momento vemos apenas o esqueleto dos planos do estúdio Grenaa Games, que planeia ter 8 possíveis relacionamentos, cada um com a sua storyline distinta. O que podemos desde já medir são as ideias mecânicas como poderemos chegar a casar com a nossa Princesa ou Príncipe Encantado: o processo de os cortejar está interligado com a nossa progressão na cidade e com o tipo de recursos que conseguimos produzir. Um exemplo disto é que a nossa cidade tem de ter um determinado estatuto que lhe permita desbloquear o acesso ao cultivo de tulipas, para com o envio de uma grande dose de flores darmos início à corte. O tipo e volume de oferendas que temos de enviar pelos nossos mensageiros vai ser progressivamente mais complexo e obrigando ao desenvolvimento do nosso reino.
É seguro dizer que o grande objectivo de Fabledom enquanto city builder não é o de encontrar a melhor vivência possível para os nossos fablelings, já que isso é apenas uma consequência da estrada que estamos a percorrer para casar com uma princesa de um reino distante.
Paralelamente a todos os elementos da fórmula dos city builders, Fabledom permite-nos ter um herói que controlamos num sistema de quase action RPG, e que é utilizado para resolver eventos (usualmente ruínas em novos territórios que adquirimos) e combates com reinos inimigos. Mas o problema neste momento é que não existe grande profundidade na sua utilização, e soa a um fait divers deslocado do contexto do jogo.
O ritmo de crescimento da nossa cidade é bastante lento, e vai ficando progressivamente mais lento à medida que avançamos na classificação do nosso reino. Sinto também que o equilíbrio económico estão desequilibrados nesta fase, com a nossa parca economia a depender exclusivamente do pagamento faseado de impostos, e sem termos oportunidade para agir sobre essas decisões.
Mas se há elementos que notoriamente faltam neste jogo para que a sua componente de city building melhore, é a falta de um sistema de pesquisa – as velhinhas tech trees – e a possibilidade de fazermos upgrades aos nossos edifícios. Termos uma escalada de acesso a novas construções mas esse crescimento não ser acompanhado por um sistema de upgrades que optimize as nossas construções previamente existentes é uma oportunidade perdida. Eu olho para a minha cidade já com algumas horas de jogo real em cima, com um grande desenvolvimento em área e em escala, mas não consigo encontrar nesse “levelling up” uma forma de ir maximizando o que já construí.
Se mecanicamente este Fabledom é demasiado superficial para se destacar no mercado dos city builders, é na sua direcção de arte que este jogo publicado pela editora Dear Villagers cria uma identidade sua. Os personagens com uma abordagem próxima do cinema de animação norte-americano contemporâneo, aliado aos excelentes detalhes de alterações sazonais na nossa cidade demonstram o elevado patamar de qualidade artístico que possui.
Fabledom é um city builder com potencial na sua componente diplomática, com muitos argumentos artísticos para ter sucesso, mas mecanicamente insípido. Dentro dos elementos de game design que fazem de um city builder um bom jogo do género, não só não inova – nem quer ou tem de inovar – mas não chega a perceber o que é que tantos outros excelentes jogos, AAA ou indie, conseguem trazer com as suas mecânicas que os tornem profundamente interessantes.
Talvez daqui a um ano, quando os seus criadores planeiam o seu lançamento final, este cenário mude de figura, mas neste momento Fabledom não consegue manter-se na nossa memória para além da sua excelente direcção artística e de uma ideia promissora.