Conheci o conceito #FreshFebruary através do podcast dos nossos amigos do Split-Chicken, a dupla Parreira e Correia. Fiquei fascinado com o propósito da hashtag mencionada porque, na sua base está a descoberta de novos jogos. Não tem que ser uma novidade recente ou algo que está prestes a ser lançado nos próximos dias. A novidade é para quem joga, ou seja, pode ser um videojogo qualquer desde que nunca tenha sido jogado pelo jogador que decidiu participar neste desafio social. Decidi dar um uso mais intensivo ao Twitter durante o mês de Fevereiro para participar no #FreshFebruary para descobrir jogos da NES, da Game Boy e da SNES para aproveitar a minha subscrição Nintendo Switch Online antes que esta termine.
O meu encantamento por esta atividade social tem como base a minha própria personalidade e atitude que tento ter perante a crítica que procuro fazer. Evito jogos AAA pelo simples facto de ser raro qualquer tipo de inovação em termos de game design, sobretudo no que às mecânicas diz respeito, mas claro que há exceções à regra. Quem investe quer uma aposta segura, não quer correr o risco do seu investimento não render lucros avultados. Na produção independente o risco é muito maior, quem produz tem as rédeas soltas para fazer o que quiser, embora, em contrapartida, não tenha o apoio financeiro que tanto necessita. Portanto, já que tenho um largo conhecimento de jogos independentes desta última década, virei-me para o rico catálogo das três primeiras consolas da casa de Quioto (incluindo a mais recente adição, a Game Boy). Infelizmente, dado que o patamar da minha subscrição é o básico, não experimentei os jogos da Mega Drive, da Nintendo 64 e da Game Boy Advance.
Do início ao segundo mês de 2023, joguei vinte e oito títulos, dos quais quinze foram da Super Nintendo, dez da NES e três da Game Boy. É fácil perceber estes números: da consola portátil já os tinha jogado quase todos (só me faltou jogar três da primeira fornada de jogos que foi disponibilizada); na NES não joguei tantos porque também não são os mais apelativos comparando-os à palete de cores que a SNES conseguia reproduzir; e também sempre tive uma maior curiosidade em experimentar os jogos da sucessora da NES porque recordo-me que era a consola que os meus amigos tinham – tive a felicidade de crescer com uma Game Boy e uma Mega Drive. Ainda tenho um fator muito importante a ter em conta, no meu círculo de amigos, e de pessoas que têm uma opinião que respeito, falam sempre muito bem da segunda consola doméstica da Nintendo, onde se encontram títulos que são autênticos clássicos que definiram gerações de jogadores e géneros de jogos.
Tenho pena de não haver um Chrono Trigger, um Final Fantasy ou um Castlevania que nunca tenha jogado na subscrição da consola híbrida da casa de Quioto, a Nintendo Switch Online. Estes são só alguns exemplos de grandes obras, grandes clássicos que praticamente toda a gente que cria conteúdo escrito, áudio ou audiovisual louva por lhes terem definido parte da sua infância ou adolescência, também por, tal como é óbvio, serem jogos realmente bons. Por um lado, o não existir nomes mais sonantes que reconheço teve a sua vantagem, assim, quando parti às escuras para o #FreshFebruary, como não tenho conhecimento dos muitos jogos que escolhi, fui surpreendido pela positiva. A recompensa do investimento do nosso tempo e dinheiro, em algo que desconhecemos, é sempre muito maior do que num título sobre o qual já temos expectativas formadas.
De todos os jogos que experimentei, aquele que mais me marcou foi Nightshade. Não sabia absolutamente nada sobre o jogo e na altura de escolher tive de fazer uma pré-avaliação da minha opção, ou seja, o vulgo “julgar um livro pela capa”. Fiquei fascinado por ser um point’n’click (ou uma aventura gráfica, dependendo a quem perguntam), algo que não era muito comum encontrar-se numa consola doméstica. Isto foi a faísca de ignição da minha memória que recuou até aos meus doze ou treze anos (não me recordo com a exatidão que queria para contar esta história), numa das várias ocasiões que estava em casa da minha tia, joguei Maniac Mansion na Nintendo do meu primo – um jogo que só viria a reconhecer muito mais tarde como uma das obras-primas de Ron Gilbert. Em Nightshade está lá o humor na dose certa, sem entrar em exageros inconvenientes, assim como o grafismo pixel art lindo de uma época que os PC tão bem receberam. Contudo, ainda estou para averiguar se todas as mecânicas funcionam como é suposto e se não são um entrave à progressão e à nossa diversão (nomeadamente o design dos puzzles).
Descobrir novas experiências é uma sensação maravilhosa, é quase como irem de férias para um sítio que poucos conhecem e que está intacto pela ausência humana, que vocês têm uma opinião quase exclusiva do local. Embora o #FreshFebruary tenha sido minimamente empolgante, o conceito de jogar um título por dia não nos permite desfrutar em pleno daquilo que um jogo tem para oferecer. Isto acaba por ser só tocar na ponta do icebergue, quando chegam mais ao fundo vão ver que há ainda mais mecânicas e narrativas interessantes para explorar. Tenho a certeza que mal provei o que os dois Breath of Fire têm para entregar a quem os joga, tal como as duas obras imaculadas de Shigesato Itoi que não se obtém o sumo refrescante da polpa de EarthBound por espremer uma ou duas horas de jogo. Imaginem que numa tábua de bons queijos, que podiam acompanhar com um bom vinho, só podiam retirar um pequeno cubo do saboroso produto lácteo, nem sequer podiam barrar uma fatia generosa de queijo da Serra com um bom doce artesanal ou degustar o queijo com uma boa bolacha de água e sal. É esse desperdício que se sente ao jogar para experimentar durante o #FreshFebruary, contudo deu para marcar alguns jogos como Nightshade, Breath of Fire e EarthBound para jogar em toda a sua plenitude e divertir-me com tudo o que têm para oferecer a um simples subscritor como eu.
Sinceramente, ainda bem que tomei a decisão de mergulhar nos jogos que estão na subscrição da Nintendo. Admito que estas obras não são tão apelativas como jogar um Minecraft Legends ou um Redfall (as próximas grandes estreias no Game Pass), mas ultrapassando alguns elementos técnicos mais arcaicos, os jogos que estão no Nintendo Switch Online são clássicos com um valor histórico que os jogos que aparecem nos outros serviços similares não têm. Já não se vê tantos shoot’em’ups como havia no tempo das máquinas arcade que estavam nos salões de jogos dos cafés e bares noturnos. Também os beat’em’ups estão à beira da extinção, só temos de agradecer à DotEmu por trazerem-nos de volta com lançamentos como Streets of Rage 4 e Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge. Depois de tanto tempo a jogar jogos de luta da Capcom, assim como de outras produtoras menos conhecidas, fiquei com a certeza que estes tiveram um enorme valor e que deram um enorme contributo para moldar a experiência multijogador que temos hoje.
Não quero parecer um snob ou um hipster que só dá importância a obras que já são consideradas retro gaming, embora não descure o facto que não devemos menosprezá-las ou ignorá-las pelo seu arcaísmo técnico. É mais difícil jogar algo dos anos noventa ou oitenta, não hajam dúvidas, por isso é imperativo ter-se uma mente aberta e perceber que se há um processo mais complexo nas mecânicas é porque estas ainda estavam na sua infância e foram concebidas num contexto sociocultural muito diferente das que são criadas para um jogo contemporâneo. Jogar um Breath of Fire não é a mesma experiência do que jogar um Fire Emblem Engage ou o Dragon Quest mais recente. Os valores narrativos continuam a estar presentes em títulos mais antigos. Se têm sensibilidade para emoções mais fortes vão senti-las quer joguem um título de 2020, quer passem pela experiência de um lançado em 1992 – apesar da diferença técnica ser abismal, não é o processador de uma máquina de jogos que vai fazer o vosso coração bater pelas personagens ou por uma narrativa carregada de sentimentalismos. Pensando bem, quem consome cultura apenas por obras literárias estaria condenada a uma profunda apatia emocional.
Se não fosse esta subscrição que já tenho ativa na Nintendo Switch, poderia ter aproveitado e experimentado a oferta que há no Game Pass (infelizmente já não dá para inserir aqui a lengalenga publicitária que estava associada ao serviço da casa de Redmond). Ou então, a melhor forma de participar no #FreshFebruary seria a usar jogos que nunca toquei que estão no meu backlog, como por exemplo, os inúmeros títulos que foram adquiridos pelo Humble Bundle ou pelo Indie Royale (bastante popular quando saiu) quando num conjunto de dez títulos só jogava meia dúzia deles. Também os jogos gratuitos da Epic Games Stores, que são oferecidos semanalmente, teriam sido uma boa opção para esta atividade social que originou este artigo. Enfim, tinha várias hipóteses e fui pela aquela que me era mais conveniente. É por isso que uma Steam Deck teria sido uma boa consola para acompanhar neste exercício de experimentação de jogos.
Pessoalmente, retiro daqui uma boa experiência social, apesar de haver poucas pessoas da minha rede, no Twitter, que tenham participado no #FreshFebruary. Talvez o Instagram ou o TikTok, as redes sociais mais populares deste momento, teriam sido uma melhor escolha para fazer este pequeno teste, mas isso só saberei numa próxima tentativa. O que ficam são os excelentes jogos que desconfio que me vão dar umas excelentes sessões na minha SNES mini, ou até na minha Switch. Talvez repita esta experiência, mas o certo é que sei que a minha atitude perante os jogos indie ajudaram-me a ter paciência para fazer isto – só eu é que fiquei a ganhar, porque os videojogos, por muito que sejam uma atividade cada vez mais comunitária, são no fundo algo muito pessoal.