Acabei de ter um ligeiro arrepio ao perceber que o terceiro artigo de Caça ao Indie que alguma vez escrevi já tem 8 anos. E foi um artigo dedicado a jogos no espaço, com especial destaque para um dos jogos que mais me arrebatou naquele período: Kerbal Space Program. E dizia, na altura, e relembro que ao contrário de muita gente, o sonho de um dia ser astronauta sempre foi algo que me foi completamente desconhecido. Se pensava no espaço era apenas sua vastidão, mistério e deslumbramento. Sei que nasci na Terra e que aqui vou morrer, e que nunca farei parte desse número restrito de pessoas que pode ultrapassar as barreiras da atmosfera e ver o nosso planeta lá do alto, “redonda e inteira” como dizia o poeta. 

Posto isto, há-que dizer: Kerbal Space Program ( ao contrário do estado actual da sua sequela que foi recentemente lançada em Early Access) é um dos melhores simuladores espaciais que existem. E chamo-lhe simulador espacial à falta de melhor, porque o que ele é na realidade é um simulador de NASA ou ESA: em que tentamos construir a melhor nave/foguetão para levar a nossa raça (os kerbal) até à Lua (Mun, no jogo) e definitivamente mais além.

O grande paradoxo de Kerbal Space Program está de regresso: entre os personagens que parecem retirados de um filme da Illumination (leia-se Minions), ou os componentes dos nossos foguetes encaixarem como peças de Lego, e ao mesmo tempo a Física ser o mais realista possível e igualmente impiedosa.

Entre o lançamento do primeiro título e este acabei por conhecer mais de todas as dificuldades e desafios da exploração espacial, e por ironia com uma peça de História alternativa, For All Mankind. Aventurar-me na missão de quebrar essa barreira natural que nos protege da morte certa que é a atmosfera com foguetões improvisados e atirando para dentro deles os estranhamente sempre-felizes Kerbal.

Mas para infelicidade nossa, Kerbal Space Program 2 é a prova de muito do que vai mal com o mercado de videojogos, com a nossa conivência. Um enquadramento prévio que será importante fazermos é que dado o sucesso comercial, crítico e tecnológico do primeiro jogo, o IP, o estúdio e a própria editora, a Private Division, foram adquiridos pela gigante Take Two. Eu, e suponho que as centenas de milhares de fãs acreditámos de imediato que o acesso aos bolsos largos da gigante americana fossem tudo o que a modesta mas talentosa equipa que criou um dos melhores, quiçá, o melhor simulador de engenharia aeroespacial do mercado. Mas, parece-me que deitar na cama do Diabo costuma dar mau resultado.

Com lançamento inicial previsto para 2020, com muitas promessas alavancadas na nova “casa” onde Kerbal Space Program viria a residir, a realidade é que o jogo chega até nós, num estado muito prototipado 3 anos depois, no final de Fevereiro passado, em Early Access.

E se muitas vezes debato com o Rui Parreira em torno da utilidade do Early Access, e do número reduzido de developers que realmente utilizam o programa da melhor forma. Vender um jogo a 49,99€ que não só está numa fase muito embrionária em alpha (muitos apelidariam o que KSP2 nos apresenta como uma tech demo), com demasiados problemas para ser jogável é um total desvirtuar do que deveria acontecer e um desrespeito à comunidade fiel que ajudou, ao longo de anos de apoio, feedback e modding, a levar o jogo original ao patamar onde chegou.

Os foguetes parecem menos estáveis fora do Vehicle Assembly Building (VAB) ou eu sei ainda menos do pouco que sabia de Engenharia e Física. As partes parecem quase gelatinosas, ainda mais cartoonescas do que o primeiro jogo nos exibia.

Tendo ideia que o ponto de entrada em termos de hardware para este título é extremamente elevado, os grandes problemas de optimização actuais são certamente um mal que levará meses ou anos, dependendo do quão optimistas estamos de ver este jogo chegar à versão 1.0.

Mesmo com os patches que têm saído o jogo está muito rudimentar, com glitches e game crashing bugs que ensombram aquilo que todos experimentámos em 2011 numa fase inicial do primeiro KSP. A ausência de modo campanha e modo científico vêm só cimentar a ideia de que o que aqui existe facilmente seria alcançável com o jogo original, que não só estava mais completa, afinado, como não tinha uma porta de entrada de 49,99€. E já agora: os developers e editora anunciaram que é possível que tenham de subir o preço do jogo muito em breve.

A cereja negativa no topo do bolo foi uma surpresa também ela negativa que senti e que me levou de volta à primeira década de 2000: apesar do jogo estar no Steam, após instalármos KSP2 temos de fazer login num launcher adicional, desta feita pertencendo à Private Division. Um hábito desactualizado que me deixa ainda menos descansado tendo em conta o que alguns consumidores pacientes encontraram ao ler o EULA, e a menção a microtransações. Não sei se este é apenas um contrato standard e as microtransações surgem legalmente mencionadas por defeito, mas a realidade é que nada disto me deixa descansado ou feliz em ver o caminho tomado por um título que tanto gostei.

No meio deste caos e desta tremenda falta de qualidade do jogo actualmente, há, porém, alguns pontos positivos. O realismo das superícies dos planetas e da Lua que mimetizam os reais do nosso Sistema Solar trazem uma nova envolvência a verossimilhança científica que o jogo sempre quis trazer. 

O actual trip planner vem em contra-ciclo com algumas más decisões de interface desta sequela, melhorando e muito a nossa qualidade de vida no planeamento das nossas missões.

O investimento que a equipa de desenvolvimento tinha anunciado ter feito em termos de captura sonora de motores e foguetes reais percebe-se neste novo jogo: o envolvimento sonoro demonstra a diferença que um excelente sound design pode trazendo, num salto tremendo em relação ao seu antecessor.

Kerbal Space Program 2 é neste momento uma péssima opção, e uma escolha injustificável para investirem os 49,99€ que a editora está a pedir. Talvez daqui a 1 ano ou mais existam razões para aqui voltar, mas só consigo sentir que a minha militância por indies tem razões de ser: entre encher o bolso e manter-se fiel ao seu talento, a História costuma dar razão aos segundos e a banalizar os primeiros.