Deck building. Dungeon crawling. Tactical RPG. Rogue-lite. Pixel art de homenagem ao GBA. Se isto fosse inspirado no clássico Captain Planet and the Planeteers, então a união destes 5 elementos certamente invocaria uma criatura sobrenatural que iria exorcizar o Rui Parreira desta dimensão. Neste caso invoca um dos jogos indie com conceitos mais promissores (e ambiciosos) que vi nos últimos tempos: Dungeon Drafters.
Desenvolvido pelos Manalith Studios, do Brasil (não confundir com o outro estúdio um pouco menos indie, no Japão), Dungeon Drafters foi um daqueles casos em que a chegada de um código de análise catapultou-o quase de imediato para a frente da fila para ser jogado. E depois de ter passado muito tempo nesta vila de aventureiros, o sabor é agridoce. Um misto de entusiasmo pelas muitas premissas e pela vastidão criativa e de desafio que aqui temos, e ao mesmo tempo pela incapacidade da equipa, que acredito que seja reduzida, de conseguir cumprir com todo esse potencial, sentindo que algum foco em determinados elementos em falha seriam suficientes para colocar Dungeon Drafters nos carris.
A primeira surpresa que encontramos ao começar este jogo é que temos 6 personagens, de 6 classes bem distintas à nossa disposição, cada um com um baralho único que diversifica a sua forma de o jogarmos. E seguimos caminho, de cartas mágicas no bolso, para a primeira dungeon que servirá de tutorial e que nos exemplifica a diferença rítmica do jogo.
Fora da batalha podemos mover-nos livremente pela quadrícula das masmorras proceduralmente geradas, mas assim que entramos numa sala com inimigos, toda a acção passa a ter turnos.
Temos então 3 pontos de acção, que temos de saber utilizar da melhor forma, seja em termos de posicionamento na grelha, de movimento, e até com as cartas que vamos jogar. Sendo um tactical RPG em que as acções (as nossas e as dos adversários) dependem do seu alcance e efeito pré-definido na grelha, um movimento mal-feito pode ser a condenação de toda a nossa tentativa, e fadar-nos à derrota, fazendo-nos regressar à vila cheia de personagens que serve de main hub.
Morrermos muitas vezes é algo que esperamos que aconteça dado que isso corresponde ao desafio inerente a um rogue-lite. Mas em Dungeon Drafters em passei por muitas runs que ou perdi por ser virtualmente impossível de ultrapassar o que o RNG associado às masmorras decretou para mim ou porque… não conseguia compreender as cartas.
Como sabem jogo muitos jogos de cartas (e jogos que envolvam cartas), especialmente jogos de tabuleiro, físicos. Um bom jogo de cartas tem que ser claro na forma como podemos jogar cada uma delas, e quais os seus efeitos. Dungeon Drafters é tudo menos claro.
Tive muitos turnos em que incontáveis acções eu não pude fazer sem perceber o porquê, ou que efeito me afligia, ou o que fazer para o contrariar. Ou simplesmente qual a forma de jogar aquela carta que me parece perfeita, para a qual eu já posicionei o meu personagem para que surtisse o melhor efeito, mas que ainda assim não a consigo jogar sem ter uma justificação visível para tal.
Isto é especialmente grave quando nos vamos confrontando com novos efeitos e ataques que nunca vimos, e que nos podem estar a condicionar com damage over time, e podemos não conseguir discernir quantos turnos durará, se é curável ou até quantos pontos iremos perder. Falta profundidade de explicação (e clareza) a um jogo tão complexo. Para quem segue grandes campanhas de Kickstarter de jogos de tabuleiro que envolvam cartas sabe que provavelmente o maior peso de game design e de teste passa precisamente pela afinação não só dos efeitos, mas sobretudo do fraseamento do texto explicativo de cada carta.
Este é um dos maiores problemas do jogo e que se estende à navegação dos menus e até à parca narrativa, e que justificam até ter andado perdido sem saber como avançar no jogo, às voltas na cidade.
Outra surpresa cuja avaliação depende das expectativas com que mergulhamos em Dungeon Drafters, é que o jogo é altamente punitivo sem um baralho upgraded. Visto que perdemos todo o dinheiro e boosters se morrermos, pode ser difícil começar a ter um baralho que não nos obrigue constantemente a ir para as dungeons de forma infrutífera, repetidamente. A única forma de manter o que amealhámos é desistir quando terminamos um piso da dungeon e decidimos parar e não avançar para o próximo.
Com uma vasta colecção de cartas para encontrar e adquirir, é pena que até elementos que deveriam ser mais simples em termos de UX como o interface e sistema de gestão nos complique tanto a vida.
Dungeon Drafters é possivelmente o melhor jogo que joguei que não atinge o seu potencial por não ter percebido que, especialmente nos dias de hoje, integrar alguém com uma boa compreensão de UX e UI pode fazer a diferença entre brilhar com toda a criatividade e complexidade que o jogo tem, ou deixar todo esse talento ficar a metros do destino, perdido por falta de compreensão.