Vivemos uma época em que o espírito de curadoria do serviço Apple Arcade tem permitido às plataformas móveis da gigante norte-americana terem acesso a excelentes jogos que a maioria dos jogadores só conhece algum tempo depois, quando estes títulos chegam às plataformas ditas tradicionais.
É o caso de ATONE: Heart of the Elder Tree, lançado originalmente como um exclusivo de Apple Arcade em 2019, e que nos traz uma direcção de arte interessante, em linha estética com algumas opções indie nos últimos 7 anos. Ambientes depurados e geometrizados, com figuras esguias, onde as linhas verticais são os eixos de construção das composições, com um traço simultaneamente orgânico e manual.
Com uma paleta predominantemente fria, ATONE: Heart of the Elder Tree traz-nos a história de Estra, a humana guardiã e guerreira de Midgard, que protege o reino e a Árvore Anciã numa era de perigos crescentes, exponenciado pelo desaparecimento de Odin e dos restantes deuses do panteão nórdico.
Sendo um título predominantemente narrativo e emocional, ATONE: Heart of the Elder Tree obriga-nos a fazer escolhas que vão condicionar não só a história de Estra, mas também de Midgard e dos seus habitantes, com elementos decisórios que se entrelaçam nas linhas de vida dos outros personagens.
Não é surpresa ver este ATONE: Heart of the Elder Tree no catálogo da editora Untold Tales, visto que esta aventura encaixa nesse foco em experiências narrativas mais pequenas e emocionais.
Os 5 “níveis” que compõem a história de Estra estão repletos de puzzles, mas mesmo eu, moldado enquanto jogador por géneros como os point ‘n click que vivem de quebra-cabeças, tenho de reconhecer que esta camada é possivelmente a mais fraca do jogo. O desenho dos puzzles oscila entre o hiper-simplista e o encriptado e em casos extremos, aleatório, impedindo qualquer uso de lógica na sua resolução.
Mas nestas muitas camadas de um jogo que à partida muito considerariam simples, está o seu grande elemento diferenciador: apesar de termos opções e escolhas ao longo da nossa aventura, por vezes a violência é o único caminho possível.
E é aí que entram as batalhas musicais de ATONE: Heart of the Elder Tree. Com uma banda-sonora original composta pelo músico australiano Luminist, que mistura synthwave com a corrupção sonora de instrumentos medievais, o combate processa-se numa espécie de Guitar Hero, em que temos de acertar no timing de cada nota e essas mesmas notas certas vão enchendo barras de acção que vão fazendo trigger a determinadas acções na batalha.
As animações, aliás, mais próximas de animatics de ilustrações, tentam trazer alguma cinematografia como pano de fundo das sequências de batalha, com as linhas quase rúnicas a substituírem visualmente as cordas de Guitar Hero.
ATONE: Heart of the Elder Tree é uma experiência curta e interessante, com uma direcção de arte identificativa, e com muitos elementos distintos que se unem de forma coesa na “imagem total” do jogo. Não fossem os puzzles que, apesar de trazerem recompensas narrativas e até mecânicas, ressoam como um cimento mal-preparado para colar várias partes, e as 4-5 horas que passamos em ATONE: Heart of the Elder Tree seriam ainda mais memoráveis.