Não fosse a crescente necessidade de dormir mais para colmatar o cansaço acumulado de anos, e por vezes é-me fácil esquecer que os 40 estão aí à porta. Apesar de não me sentir a chegar a essa idade, é o acumular de experiências e memórias que me vão garantindo a veracidade da data no cartão de cidadão.
Por ser um assumido produto videolúdico da Nintendo, que moldou a minha identidade não só como jogador, é fácil de ver os metroidvanias – um género que Metroid, mas também Castlevania da Capcom ajudaram a definir – fazem parte da minha memória.
Entre Steamworld Dig que surgiu como um metroidvania-lite e a sua sequela que se assumia abertamente como tal, passando por Guacamelee e Ori, têm sido os criadores indie a ressuscitarem e a repensarem um género que as grandes companhias abandonaram.
Não é por isso de admirar que por ser fã de metroidvania que tenho estado ainda mais atento às múltiplas propostas que os criadores indie nos trazem de ano para ano. E se 2023 tem sido prolífero em termos de metroidvanias, 9 Years of Shadows, dos Halberd Studios, surge como um dos melhores deste ano.
E é curioso de observarmos que 9 Years of Shadows se apresenta como um dos melhores mantendo-se perfeitamente dentro do que foi feito pelas magnum opus que lhe antecederam. A sua direcção de arte de 16 bits (com diálogos a apresentarem ilustrações estáticas mais próximas da visual novel) bebe dos grandes exemplos do género da SNES, Mega Drive e GBA. E das muitas coisas que 9 Years of Shadows faz bem, a forma mais contida em termos de gama que as suas animações apresentam permite-lhes também criar movimentos, e ataques, de uma coesão orgânica e fluidez leais aos grandes jogos dos anos 1990.
A nossa protagonista, Europa, acorda numa torre desprovida de cor, e é abordada por Apino, um urso de peluche que passará a ser o nosso sidekick, e que terá uma grande relevância e inovação mecânicas. É nesse primeiro contacto que iniciamos a exploração do Castelo de Talos, que é simultaneamente um gigante mecânico adormecido e uma fortificação.
Apesar de 9 Years of Shadows ser muito tradicional em quase tudo o que faz, existem algumas ideias bastante originais do ponto de vista mecânico que a diferenciam. A primeira é Apino, que é muito mais do que uma mera mascote que nos acompanha. É ele o detentor da luz, que nos confere o acesso a uma barra azul, que é simultaneamente um escudo que nos protege de levarmos dano directo (e visto que só temos 2 pontos de vida, um escudo que faz muita diferença), mas também a fonte dos nossos projécteis. Podemos gastar essa barra que nos protege para que Apino dispare projécteis de luz, ultrapassando as defesas dos inimigos e permitindo-nos atacar à distância, visto que o nosso combate natural é maioritariamente de proximidade com a nossa alabarda.
Se gastarmos por completo essa barra, existem algumas formas de a recuperar. A mais simples é com a derrota e destruição de inimigos, a outra, e mais temática, é abraçar Apino que nos regenera dessa forma grande parte da barra. Nos save points – salas de piano escondidas – podemos sentar-nos para tocar uma canção de embalar, o que não só restabelece a nossa vida e barra de luz, mas também salva o nosso progresso. Por último – e está mecânica é introduzida um pouco mais à frente na progressão – quando a barra fica vazia temos uma janela de oportunidade curtíssima para resolver um QTE que a volta a encher.
O acesso a novos poderes que nos permitem chegar a novos e inacessíveis lugares na nossa exploração, é feita num sistema que foi indubitavelmente inspirado em Saint Seiya. Europa ganha acesso a diferentes armaduras, que não só se assemelham e muito às armaduras da famosa série de Masami Kurumada, mas que pertencem a deuses do panteão grego. Mitologia clássica essa que para além destas armaduras – e da própria Europa, um nome pertencente a diversas entidades desta mitologia – acaba por servir de pano de fundo para o enredo que estamos a viver.
Para além de nos conferirem novos poderes, cada armadura está associada com uma gama cromática, permitindo-nos interagir com interruptores dessa mesma cor. Mas esta ligação cromática não se fica por aí: os inimigos possuem uma aura colorida à sua volta, e se estivermos a atacar com a armadura com cor correspondente – num sistema de resistência e vulnerabilidade similar a Guacamelee – conseguimos derrotá-los mais facilmente.
Apesar dos diálogos se cingirem aos momentos de interacção com os NPCs, outra grande surpresa deste jogo é a extrema qualidade do enredo, dos diálogos e da construção dos personagens. Num contexto narrativo contido, aquilo que a equipa dos Halberd Studios desenvolveram aqui foi a construção de uma história coesa, onde se fala de solidão e de sofrimento, mas também de esperança, e da forma como a arte pode ser regeneradora. Os NPCs, por exemplo, são quase todos relacionados com arte. Michiru Yamane e Norihiko Hibino são dois compositores reais que foram transformados em NPCs, e que representam essa mesma perspectiva que é o pano de fundo emocional e narrativo de todo o jogo.
Apesar de ser extremamente criativo e coeso enquanto metroidvania old school, e de ter uma sublime direcção de arte em pixel art, talvez a repetição e reutilização excessiva dos inimigos seja o único grande pecado deste jogo, para além, do muito limitado acesso a fast travels em lugares mais alargados e vastos do mapa, obrigando-nos a deambulações excessivas por todo o mapa.
9 Years of Shadows é um dos melhores metroidvanias que joguei nos últimos anos, e um jogo que certamente merece a atenção de todos os fãs do género. É ao mesmo tempo uma prova que por vezes o segredo para criar um bom jogo não passa necessariamente por reinventar a roda: mas construí-la da melhor forma possível.