Fui desenterrar o artigo que escrevi há 7 anos para avaliar Street Fighter V. Apelidei-o d’ “a metade bem-executada de um jogo muito, muito incompleto”, e tinha razão. Apesar de ter comprado as versões sucessivas do jogo, e de muitas formas ter contribuído para validar um dos piores lançamentos que alguma vez ter sido feito nos videojogos, a realidade é que pouco ou nada lhe toquei após o desapontamento da versão inicial.

Street Fighter V

Por gostar tanto da série, quis acreditar que a Capcom não repetiria com Street Fighter VI os gigantescos erros que cometeu com o jogo que lhe antecedeu. E num ano onde as três maiores séries de fighting games vão a jogo, Street Fighter toma já a dianteira desta luta com um lançamento brilhante.

Os primeiros vídeos de Street Fighter VI demonstraram de imediato que a linha de continuidade artística do anterior tinha dado um passo em frente, com as figuras amplamente influenciadas pelo trabalho que o estúdio UDON foi tendo ao longo dos últimos 20 anos nas adaptações a BD oficiais.

A direcção de arte de Street Fighter VI vem assim trazer elementos ainda mais orgânicos às suas figuras e movimentos, com texturas de BD, Ilustração e Street Art adicionadas em momentos-chave que tornam ainda mais impressionantes e memoráveis os golpes especiais deste jogo.

Sabendo de antemão que as práticas comerciais da Capcom vão levar a uma introdução progressiva e dispendiosa do elenco de lutadores ao longo dos próximos anos, a realidade é que os personagens presentes acabam por responder a gostos diversificados. São 18 personagens, entre 6 novos e 12 velhos, e quando me refiro a velho não é apenas porque os nossos bem conhecidos lutadores como Ryu, Chun-Li e Ken já demonstram o passar dos anos. Mas tudo o que eles têm feito nos últimos 30 anos está de volta, com mais poder e mais impacto.

É nesta suspensão da descrença de sentirmos que não fomos apenas nós que envelhecemos desde que desferimos um Hadouken pela primeira vez, foram também os heróis, vilões, e anti-heróis que compõem uma das mais importantes séries de luta (e para muitos a mais importante até) que também envelheceram.

Ainda que tenha largos elogios ao que Street Fighter VI nos trouxe, a realidade é que a experiência do primeiro contacto com interface é demasiado avassaladora, e ao mesmo tempo confusa, para aquilo que esperamos de um fighting game.

Para além do tutorial semi-obrigatório, é a passagem ao Battle Hub que acaba por ser como um Shoryuken no queixo. São diversos menus e submenus que provavelmente poderiam ter sido substituídos por uma solução mais simples, mais clássica, e ao mesmo tempo mais elegante. Mas depois de navegarmos meio perdidos pelas hipóteses que o Battle Hub nos traz, lá conseguimos chegar ao porto de Banguecoque, ou a uma qualquer cidade que compõe o lore de Street Fighter.

É curioso que até hoje sempre senti que o modo mais directo e elementar de um fighting game, o modo de arcada, deveria ser aquele por onde todos os jogadores deveriam começar. Um modo colocado quase em primeiro plano que servisse de sala de treino para tudo o que o jogo tem para oferecer. Mas aqui parece que estes modo de arcada, ou história, se preferirem, apesar de extremamente bem-conseguido enquanto forma de apresentar o elenco a novos e velhos jogadores, é aqui abertamente subtexto para o direcionamento que a Capcom nos quer dar: as lutas online.

Compreendendo que este deve ser o foco de uma larga percentagem de jogadores, a realidade é que para um fã do modo single player, sentir que os criadores desenvolveram toda a minha experiência para esse momento de ranking online acaba por condicionar o meu usufruto do jogo. E a bem da verdade, são apenas estes momentos de exigência exagerada da minha parte os suaves pontos negativos de um jogo que poucos erros comete.

Uma novidade curiosa, e possivelmente uma das mais interessantes experimentadas pela Capcom nesta sua jóia da coroa, Street Fighter, é o modo World Tour. Um modo abertamente inspirado em Yakuza, no qual criamos um personagem ao estilo RPG e onde vamos aprender a lutar com os personagens do elenco, e com eles vamos ter acesso e equipar novos golpes especiais, para além da capacidade de personalizar o nosso avatar. A narrativa, como se esperaria, é tangencial, mas na realidade este World Tour é apenas uma justificação para nos divertirmos e lutas de rua, ao estilo Yakuza, fazendo jus ao nome da própria série.

Se cada jogo de Street Fighter introduz mecânicas de combate, esta sexta iteração não poderia ser excepção. O Sistema Drive (com a barra associada) traz-nos uma série de movimentos, defensivos e ofensivos, e híbridos, como o Drive Rush, que nos permite encurtar distâncias ou os Drive Reverseals que afastam um adversário. O Drive Impact, um movimento híbrido que é simultaneamente defensivo (que absorve até 2 hits) e ofensivo, cuja eficácia e continuidade dependem do ponto do cenário onde o contacto foi feito. Na senda dos EX Moves está o Overdrive, que para mim, grande fã de Mortal Kombat, me faz lembrar os X-Ray Attacks.

Num ano em que a poderosa tríade de fighting games, Street Fighter, Mortal Kombat e Tekken vão lançar novas iterações, é Street Fighter que não só assume a dianteira, por ser o primeiro a chegar ao mercado, mas por estabelecer um patamar elevado pelo qual os outros dois terão de se medir, tornando-se, para mim, um dos padrões, ou mesmo o padrão, que servirá de contra-peso à avaliação de qualquer jogo de luta bidimensional.