Quando estava no VideoGamer Portugal a melhor rubrica lá publicada era o Luzeiro do Escondidinho, assinada por Marco Games. Estes artigos, semanais e domingueiros, tinham como intuito fazer a divulgação dos jogos independentes que estavam para sair nos próximos meses ou anos. Assim, todos os domingos não ficava só informado como também fascinado com o que estava a ser feito na cena indie. O Luzeiro do Escondidinho estreou em Janeiro de 2015 e terminou em Maio de 2017, totalizando uma centena de episódios onde foram, incansavelmente, divulgados jogos de origens mais humildes.

Hoje, vou abrir O Albergue dos Silêncios no Rubber Chicken, um “sucessor espiritual” (tal como se diz no jargão dos videojogos) do Luzeiro do Escondidinho. Todas as segundas-feiras, dar-vos-ei a conhecer um trio de jogos independentes que, possivelmente, não conhecem. Não estejam à espera de descobrir aqui jogos de qualidade exímia; na cena indie reina a originalidade, a ousadia e a criatividade. São mãos de artesãos que trabalham nestes jogos; não são ferramentas de máquinas aperfeiçoadas e afinadas de fábricas que almejam a perfeição. Talvez venham a conhecer jogos que vão ser o próximo Hades, The Binding of Isaac ou Hollow Knight. Ou então, vão conhecê-los aqui e nunca mais ouvir falar neles – sejamos realistas, é a hipótese mais provável.

Em O Albergue dos Silêncios vou trazer-vos jogos de subreddits que provavelmente não conhecem, de fóruns como o TIGSource onde Phil Fish deu a conhecer o fabuloso FEZ ou Lucas Pope fez o seu diário de desenvolvimento do fantástico Return of the Obra Dinn. Não vou lá só para vocês não perderem o vosso tempo a visitar fóruns (visitem todos os cantos da internet à procura de jogos indie, vão encontrar obras que vos possivelmente interessar), vou visitá-los porque tenho um profundo interesse no labor artesanal dos videojogos, há uma certa beleza  em alguns defeitos que ostentam. Escreverei esta rubrica para vos mostrar o bom trabalho que se faz na cena indie, mesmo quem tem um financiamento nulo para marketing, ou mesmo outros que aparecem em transmissões tão curiosas como a Wholesom Direct ou a Tribeca Games Spotlight. Sempre que puder, vou tentar falar com quem faz os jogos que estarão aqui presentes para perceberem o seu lado, para perceberem como é fazer jogos sem orçamento, ou um mínimo, mas com tanto ou mais ambição que os grandes – de onde saem as experiências estéreis que todos conhecemos.

Kibu

Studio Inkyfox – Alemanha

2024 – PC

A produtora germânica Studio Inkyfox, gerida por uma única pessoa, Jonas Manke, já tem alguma experiência na criação de videojogos, dado que lançou há dois anos Omno. Depois de saber este pequeno pormenor, percebo o porquê de Kibu ter um tão bom aspeto e de me ter motivado a escolhê-lo para primeiro destaque de O Albergue dos Silêncios.

Manke tem experiência na animação, nomeadamente em character animation, isso notou-se em Omno e agora ainda mais em Kibu. O jogo define-se como uma aventura em território selvagem onde o jogador controla um panda-vermelho antropomórfico, que vive na solidão como um monge. Esta personagem terá de construir o seu próprio templo numa localidade repleta de mistérios por desvendar. O pequeno e adorável panda-vermelho também é um profundo versado em artes marciais e um apreciador de um bom chá quente. Parece haver aqui muita inspiração na cultura asiática, nomeadamente no filme de animação protagonizado por Jack Black e este facto pode jogar a favor de Kibu, não só na produção como na promoção do próprio jogo.

Daquilo que o jogo já mostrou, no seu primeiro vídeo promocional (que podem ver acima), que passou na transmissão Wholesome Direct (quem a viu?), Kibu promete mecânicas interessantes de vários géneros. Há elementos de combate, exploração e construção. O curioso será ver como é que tudo se irá mesclar para uma experiência única. O próprio produtor já foi ao Reddit assegurar a um utilizador da plataforma que o combate será “o mais opcional possível” para que a experiência possa dar “mais satisfação do que desafio”. São palavras muito curiosas para o que Kubi possa vir a ser em 2024.

NIDUS

Caleb Wood – Estados Unidos da América

Data de lançamento não definida – PC

Não há jogo mais indie do que aqueles que são publicados em nome próprio, exceto raras exceções como as obras do senhor Hideo Kojima. Caleb Wood, profissional com experiência na animação, com participações na Adult Swim, Vice e Dungeons and Dragons (só para citar alguns exemplos), nunca publicou um videojogo, assim NIDUS será a sua estreia como produtor nesta área. Em conversa, via e-mail, Caleb disse-me que “decidi fazer NIDUS porque queria aprender a fazer jogos. Muitas das minhas competências que aprendia na realização de filmes podem ser aplicadas no desenvolvimento de jogos e queria um novo desafio para me manter ativo e ocupado”. Após uma primeira observação de NIDUS fiquei hipnotizado pela arte quase psicadélica, com efeitos luminosos coloridos que dão um dinamismo único à obra de mecânicas que podiam ter sido retiradas de um título concebido para uma máquina arcade.

Aparentemente, vamos ter de pilotar uma flor e uma vespa ligados entre si para “sobrevivermos a um reino psicadélico cheio de beleza e terror”. Esta sobrevivência será feita com uma jogabilidade “Twin-Stick Arcade Action” que será “muito exigente, rápida e intelectual”. Não faltaram encontros com bosses bastante desafiantes que parecem criaturas horrendas, sem deixar de ter um aspeto psicadélico, por isso não será um jogo recomendado para quem for fotossensível. Além da jogabilidade, o que sobressai de NIDUS é o seu grafismo, que é todo feito à mão. “Tudo em NIDUS é apenas animação de fotograma em fotograma”, disse Caleb Wood no Twitter – o que é realmente impressionante.

“O núcleo do jogo é a exploração da simbiose. Para mim, isto significou criar uma espécie de dança mecânica entre duas personagens, uma flor e uma vespa. Cada um tem diferentes objetivos/tarefas que podem completar, e usá-las para se movimentarem em simultâneo.”, disse-me Caleb Wood sobre a jogabilidade de NIDUS. “Adoro jogos arcade que tenham uma certa intensidade quando se joga, por isso estou a fazer com que NIDUS responda à habilidade do jogador”. A inspiração para este jogo vem de títulos clássicos como Centipede, Defender, QIX e Robotron, ou seja “jogos simples que tenham métodos de input únicos para o jogador.”, terminou Caleb. Agora tudo depende de como o desenvolvimento de NIDUS irá continuar, mas com uma filosofia de game design que Caleb aplicará ao seu jogo, parece que está no bom caminho.

Interlopers

Lost Anomaly – Estados Unidos da América

Data de lançamento não definida – PC

Obras como DOOM e Wolfenstein inspiraram várias gerações de criadores de videojogos. Contudo, Serious Sam também é uma fonte de inspiração igualmente importante, mesmo para quem esteja a fazer o seu primeiro jogo, como a Lost Anomaly com Interlopers. Vemos que há futuro para este jogo que encontrei pelas comunidades de jogos independentes do Reddit, falta é saber como é que vão evoluir os próximos meses ou anos de desenvolvimento do jogo porque, para já, a avaliar pelo vídeo promocional, está a ir por um bom caminho, onde as armas são claramente o mais importante do jogo.

O produtor do jogo, que fala na primeira pessoa nas redes sociais da conta da produtora, Lost Anomaly, já mencionou que o jogo está ser feito em Unreal Engine 4, que “as armas de fogo são praticamente as personagens principais de um jogo deste género”, por isso investiu “muito tempo nelas” durante o desenvolvimento que já se pode ver no trailer. Nota-se perfeitamente que houve trabalho nesse sentido, as armas não só disparam como têm o seu próprio dano e efeito quando o projétil atinge o seu alvo. Se, porventura, ficaram com a impressão de haver uma escassez de inimigos, o que foi exibido ainda é só o primeiro nível e haverá muitos mais inimigos mecanizados na versão final do jogo, garante o produtor.

Pessoalmente, acho que é importante e válido que se continuem a fazer experiências na primeira pessoa deste género. Serious Sam e Doom, as duas inspirações de Interlopers, são jogos que me deram uma boa dose de diversão, rápida e frenética. Se na altura destes dois colossos dos atiradores na primeira pessoa o mercado estava a entrar numa fase de saturação, essa já se esfumou e é preciso sangue novo para revitalizar este género que tão bons momentos proporciona.