Um mês depois dos servidores terem sido abertos ao público é possível dizer que a Blizzard está de volta. Nos últimos anos, com a saída de elementos-chave da empresa ligados às principais séries, muito se especulou no rumo dos novos jogos, sobretudo depois do falhanço de Warcraft 3 Reforged, a polémica com o jogo de smartphones Diablo Immortal e todo o imbróglio com a aquisição da Activision Blizzard pela Microsoft. 

Diablo IV não está isento de problemas, mas é claramente o melhor jogo da série. Um capítulo que mostra o amadurecimento deste universo e a capacidade da Blizzard de se adaptar às exigências atuais. Jogos como Path of Exile e Lost Ark mostraram como adaptar a fórmula de Dungeon Crawler da Blizzard a MMO com grande eficácia, mantendo os jogadores durante muito tempo nestes mundos. Diablo IV não é um MMO, mas é um verdadeiro open world que se espera ser expansivo, assente num modelo de negócio game as a service, com suporte a season pass, conteúdos a serem adicionados ao longo do tempo e com duas grandes expansões já reveladas.

Apesar de ter sido o melhor arranque para um jogo da Blizzard, muito graças às diferentes betas e um teste de stress dos servidores antes do seu lançamento, nestas semanas o jogo ainda não estabilizou por completo. Há alguns soluços de estabilidade e até problemas esporádicos de conexão, sobretudo em horários de maior concentração de jogadores. É algo que apenas com o tempo se vai conseguir afinar, mas que ainda assim não estraga a experiência no geral. 

O novo jogo mostrou também que a Blizzard começou finalmente a ouvir os seus fãs. Muitos odiaram Diablo 3 pelo seu tom colorido, aproximando-se este novo título dos primeiros capítulos, sendo mais negro e sombrio. E ainda assim, um dos mais belos jogos que a Blizzard criou. Os pormenores das arquiteturas dos edifícios, as aldeias que visitamos e até locais negros como grutas e masmorras têm uma grande atenção ao detalhe. Os acampamentos parecem agora ter mais vida, muito devido ao facto de vermos jogadores a deambular. 

No aspeto persistente multijogador, a Blizzard procurou um equilíbrio entre o perigo da solidão da exploração e o cruzamento esporádico com jogadores pelos cenários. Ao longo dos anos a editora especializou-se na tecnologia de instances, sabendo sempre como agrupar os jogadores. Um world boss, por exemplo, que requer diversos jogadores para o abater, nunca há mais de uma dezena no local. Como estes aparecem em arenas assinaladas, quando os jogadores se aproximam são arrumados em diferentes instances de forma a haver sempre alguém para ajudar a derrotar a aberração. E estes world bosses, para já três, com um spawn temporário a cada seis horas, é uma das novidades da série. Uma atividade inspirada diretamente dos MMOs, como o próprio World of Warcraft, sendo monstros gigantes, com um design fantástico, embora pouco desafiantes. Mas um sinal de como a introdução de novas variantes no futuro podem ser muito apelativos para manter os jogadores a esgravatar o end game. 

Diablo IV é desta forma um jogo totalmente open world, outra novidade. Anteriormente os jogos apresentavam mapas interligados, num formato de hubs, construídos entre zonas fixas, como os acampamentos e depois cenários gerados aleatoriamente. O novo jogo abandonou os mapas aleatórios para dar origem a um mundo enorme e coeso, com cinco biomas diferentes, desde cenários de deserto, montanhas, pântanos, interligados, podendo ser explorados de ponta a ponta. É por isso que foi introduzido também os cavalos, montadas que vão desbloquear algures na história e que vai ser essencial para se deslocarem rapidamente. O cavalo é excelente e a possibilidade de desbloquear (e claro adquirir como microtransações) armaduras ou skins para os mesmos é um apelo ao colecionismo. Há ainda troféus de inimigos como world bosses que podem ativar para adornar a mascote. 

Com a introdução do mundo aberto, onde podemos ver jogadores nas aldeias ou em algumas atividades pelo mundo, perderam-se as ferramentas de match making de Diablo 3. Neste título, no modo aventura, antes de entrarmos no jogo podíamos utilizar filtros para atividades, para fazer rifts, farmar bounties e outras atividades. Rapidamente se encontrava um grupo para facilitar a conclusão dos conteúdos. Diablo IV não tem nenhuma ferramenta do género, o que obriga a organizar grupos com amigos ou elementos do clã de forma manual. Falta-lhe a criação de grupos aleatórios, sobretudo para o endgame, para explorar as masmorras e outras atividades. Algo que a Blizzard terá mesmo de introduzir em futuras atualizações. Até agora, convidar outros jogadores para um grupo sem um motivo prévio será quase sempre recusado. 

Outra mudança controversa diz respeito à decisão de um mundo com um design de level scaling. Isto significa que à medida que o jogador evolui, todo o mundo em redor também, sejam inimigos, bosses ou dificuldade das masmorras. Este sistema não premeia a evolução da personagem, tornando-se forte para derrotar inimigos previamente mais difíceis, mas pelo menos garante que qualquer jogador forme grupos entre os novatos e experientes. Todos ganham experiência e loot consoante o seu nível e todos os inimigos que defrontam terão simultaneamente o nível de cada jogador do grupo. É arriscado fazer isto, mas mais uma vez a Blizzard dá uma lição de design e torna-o útil no jogo. 

Diablo IV apresenta cinco classes de personagens, Barbarian, Druid, Rogue, Wizard e Necromancer, velhos conhecidos dos fãs da série. Cada um oferece uma experiência distinta, desde os ataques de melee ou distância, sejam com magias ou abordagens mais furtivas. Há muita variedade de ação até porque cada personagem permite elaborar inúmeras builds, conjugando os itens de equipamento, armas e as habilidades. 

Houve uma grande mexida no sistema de progressão, no bom caminho, regressando à árvore de talentos semelhante ao segundo jogo. O sistema torna a personalização da build mais eficaz, considerando que apenas temos de desbloquear, ou melhor, investir os pontos amealhados com a experiência onde é necessário. Podem sempre voltar atrás, recuperar os pontos com o pagamento de ouro e investir noutras ramificações. O soft cap é o nível 50, abrindo-se a partir daí o sistema de Paragon até nível 100. Mais uma vez, a Blizzard reestruturou o investimento de pontos em grelhas, oferecendo 1001 maneiras de tornar a build mais poderosa, usando glyphs em certos nós que destacam as estatísticas da personagem. 

A campanha é bastante interessante, repleta de quests narrativas, com algumas das melhores cut scenes que a Blizzard já criou. Desta vez Lilith assume o papel de principal vilã, filha de Mephisto e criadora do mundo de Sanctuary, onde decorre a série. Além da história, dividida em seis actos, o jogo tem mais de uma centena de quests secundárias. E há muitas outras atividades, como mais de 150 dungeons para explorar, 160 estátuas de Lilith para ativar e outras ações. É um jogo massivo, com dezenas de horas pela frente para explorar tudo o que o mundo tem para oferecer.

Até porque estas atividades não se limitam a ser uma lista de coisas para completar. As estátuas encontradas oferecem estatísticas permanentes, não apenas à personagem corrente, como todas que possam criar. Além disso, apenas precisam de acabar a campanha uma vez para ter acesso ao endgame com as restantes personagens. As dungeons oferecem um Ascend único, um afixo lendário que podem modificar todos os itens equipáveis. Mais uma vez, um elemento importante na composição das builds e a utilização num item raro (amarelo) transforma-o num lendário. Tudo isto contribui para uma liberdade impressionante na composição da build, mas é igualmente bem mais complexo de compreender. 

As dungeons são longas e desafiantes, pelo menos inicialmente, pelo que é um conteúdo ideal para explorar em grupos de amigos. Mesmo não sendo muito variados, este será o principal foco de grind, sobretudo quando entram no endgame e começam a usar Sigils para transformar as dungeons em maiores dificuldades. Os inimigos tornam-se mais difíceis, com elementos de ataques como o fogo, veneno ou gelo que colocará a build em teste. Outra atividade para concluírem são os outposts, tratando-se da conquista de bases inimigas, com bosses, que depois passam a aldeias com teleports. O end game inclui outras atividades, tais como as zonas Hellfire, em que os inimigos são mais desafiantes, sendo o objetivo de recolher cristais para abrir baús com loot mais poderoso. E por falar em loot, o equipamento pode passar de raro a Sacred e também Ascend e Unique, conforme vão subindo os Tiers de dificuldade do mundo até 4. 

Como se pode ver, há muito para fazer neste mundo, num mapa gigante, dividido em cinco zonas principais, que vão “pintando” enquanto exploram. O uso do cavalo torna-se num dos melhores aspetos de qualidade de vida que o jogo tem para oferecer. Obviamente que acabada a história começa o grinding do loot, mas este é um aspeto que sempre caracterizou a série: matar para receber loot. E o que a Blizzard faz, fâ-lo muito bem, com desafio crescente, um vício para quem gosta deste tipo de loop em dungeon crawlers. E ter amigos num clã, sempre prontos a juntarem-se e ajudar na aventura, torna-o numa das melhores experiências multijogador disponíveis. 

Estamos perante, obviamente, um jogo que assenta num formato de game as a service. Não basta comprarem o jogo e aceder aos eventuais itens cosméticos. Este vai continuar a oferecer conteúdos através de season pass. E a primeira já vai arrancar no dia 20 de julho, com um battle pass, com muitos cosméticos e itens para desbloquear. Há uma nova quest chain narrativa e outros conteúdos e itens. Mas para acederem à battle pass têm de iniciar uma personagem do zero, à semelhança das seasons do jogo anterior. Não sei até que ponto neste mundo mais massivo, depois de investirmos dezenas ou centenas de horas nela e não a podermos utilizar nos novos conteúdos acaba por ser contraditório. Mas isso só na altura do lançamento poderemos julgar. 

Para já, uma coisa é certa. Passou-se um mês e continuo sem conseguir largar Diablo IV. E isso é um sinal que algo está bem. Está muito bem, diria. Mas isso não significa que a Blizzard não tenha de continuar a refinar o jogo e a modificar alguns aspetos de design, como as joias ocuparem espaço no inventário. Há muito espaço de manobra para melhorar este jogo. E a Blizzard sabe-o bem.