Até aqui, as edições de O Albergue dos Silêncios tinham uma temática ditada pela mecânica do jogo: first person shooters, role playing games e old school action platformers. Perdoem-me os anglicismos, mas é muito mais útil classificar jogos desta forma. Adiante, podia também categorizar as obras que trago aqui conforme o seu estilo artístico visual, sonoro ou narrativo, é algo muito útil se nos queremos manter num determinado tema com diferentes perspetivas mecânicas. Não vou esconder o facto de, por muito que sejam as mecânicas que os jogadores apreciam mais, os visuais também jogam um papel importante na hora de escolher um jogo para comprar. Tal como com a comida, nós “comemos com os olhos” antes sequer desta entrar na boca. Com os jogos é igual, nós gostamos de jogar algo bonito e visualmente impressionante. Os jogos que trago hoje ao Albergue não primam por um estilo ultra realista, tenho a convicção que isso é andar no sentido contrário do que deviam ser os jogos, mas que são desenhados à mão. Há algo de tão bonito e artesanal em jogos que são desenhados como obras de arte que podiam ter saído de uma galeria cuidadosamente curada, de um desenho animado que dava ao sábado de manhã ou das páginas de um livro de banda desenhada. Por isso, aqui ficam três exemplos de jogos impressionantes e que venham a ser igualmente interessantes nas mecânicas que entregarem.
The Master’s Pupil
Pat Naoum Games – Austrália
28 de Julho 2023 – PC, Switch
Esta semana não ia falar de jogos independentes desenhados à mão, contudo um leitor desta rubrica teve a amabilidade de partilhar comigo The Master’s Pupil; fiquei completamente fascinado com o que vi. O jogo foi criado por Pat Naoum, um australiano que publicará em breve a obra em nome próprio, através da Pat Naoum Games, para PC e Nintendo Switch. O que me impressionou foi o facto de estarmos a jogar no interior das pinturas do pioneiro do impressionismo, Claude Monet.
O que achei fascinante foi Naoum ter recortado as pinturas de Monet, cinquenta obras de arte segundo afirma, para que estes recortes alinhem através de um paralax effect. O jogo está mesmo a ser pintado à mão, em papel, sem a utilização de ferramentas digitais. O resultado? The Master’s Pupil demorou sete anos a ser feito, de acordo com declarações do próprio autor. É este tipo de dedicação, ambição e humildade que procuro em jogos indie e por essas razões coloco o jogo de Naoum no Albergue.
Saviorless
Empty Head Games – Cuba
2024 – PC
São incríveis as histórias que se podem encontrar ao pesquisar pelos jogos que quero-vos mostrar. Saviorless poderá ser o primeiro videojogo cubano, criado por Josuhe Pagliery e Johann Armenteros que procuraram financiamento no Indiegogo em 2016. Fico quase estupefacto ao conhecer a dificuldade que a dura realidade cubana impõe para quem quer produzir um videojogo . Esta equipa, que entretanto cresceu, afirma que o jogo é “indie a triplicar” por estar a ser feito “sem estúdio, sem apoio governamental e, na maior parte das vezes, sem internet”.
Esta obra cubana será um jogo de ação e plataformas num mundo de fantasia sombrio, desenhado à mão com uma bela e notável direção artística. Saviorless vai beber inspiração a duas fontes distintas: à banda desenhada e a uma arte originada no século X muito associada ao estilo gótico, o vitral. Depois de ver o trailer do jogo, fiquei rendido à sua arte e à jogabilidade muito interessante que aparenta ter. Os dois produtores referem que Cuba está numa fase de mudança e que se está a globalizar abrindo as portas da internet, com um acesso mais alargado por todo o país, que facilitará que criadores de videojogos cubanos se aventurarem numa carreira que parece impossível de alcançar. Portanto, espero que esta seja a janela de oportunidade que falta a Empty Head Games para que Saviorless seja uma realidade.
The Many Pieces of Mr. Coo
Gammera Nest – Espanha
7 de Setembro 2023 – PC, Switch, PS5, PS4, Xbox
Um dos meus géneros favoritos são os jogos point’n’click, que gosto de carinhosamente apelidar de “apontar e clicar”, onde The Treasure of Monkey Island continua a ser um dos que mais gosto de revisitar. Curiosamente, este tipo de jogos encaixam muito bem com uma direção artística desenhada à mão e Nacho Rodríguez exala talento de tantos estilos de desenho que colocou em The Many Pieces of Mr. Coo podemos vislumbrar nos vídeos promocionais já disponíveis. Rodríguez é um artista da animação 2D que já foi nomeado para os Prémios Goya para a sua curta metragem “A lifestory”. Também foi o animador principal de O.zen, uma aplicação com lógica de videojogo, na casa gaulesa de Assassin’s Creed . E caso não saibam, Mr. Coo (a personagem amarela despedaçada) é uma das suas personagens mais conhecidas que utilizou várias curtas metragens de animação.
O jogo promete ter uma nova abordagem às aventuras gráficas, com um surrealismo e humor slapstick que nos fará rir em valentes quantidades. The Many Pieces of Mr. Coo está quase aí, chega em Setembro, onde podem se dirigir à sua página da Steam para experimentar a sua demonstração. Dado que se insere num género tão sensível à boa montagem dos seus puzzles, espero que não falhe na hora de nos manter motivados a resolver bons quebras-cabeças.