Sempre considerei que era muito difícil fazer um jogo de detectives, mesmo Lost Judgment, que adorei, gostei por ter imensas partes que não eram um jogo de detectives mas sim um brawler. Master Detective Archives: Rain Code sofre de todos os problemas que a minha cabeça criou para este género, parecendo-me sempre mais um filme interactivo que que propriamente um jogo.

TECNICAMENTE AGRIDOCE

Tecnicamente há imenso em Master Detective Archives: Rain Code que está extremamente bem feito. Vou enfatizar duas componentes. O voice acting é duma qualidade assinalável inclusive na versão inglesa, algo que nem sempre acontece num jogo de origem japonesa. Dado o número alargado de personagens secundários é difícil torná-los memoráveis, mas houve imenso cuidado com a escolha dos actores que conseguiram sempre imprimir individualidade em cada um deles, independentemente do tempo que estes apareceram no ecrã, algo que foi muitas vezes complicado por alguns diálogos muito mais adequados à realidade japonesa que ocidental, acabando por desenquadrar alguns momentos do resto da história. Isto era contrabalançado pelo facto de nem todo o jogo ter voice acting, com muitos textos apenas pontuados por pequenas interjeições introdutórias e mais nada, ao mesmo tempo que alguma escrita pareceu algo preguiçosa quando comparada com o restante jogo, especialmente quando entravamos nas missões secundárias. Considerando que o jogo tem tanta, mas tanta, mas tanta conversa este investimento agradece-se, chegando mesmo a ser o suficiente para desvalorizar a falta de sincronia labial, ou mesmo a inexistência de qualquer movimento dos lábios quando os personagens falam.

Acerca da música não tenho nada a apontar. Na sua maioria é enigmática, como se quer e espera, mas completamente adequada ao que se passa no ecrã, mudando quando entramos em qualquer um minijogo, momento de comic relief ou mesmo quando mudamos de quadro. Se quiser ser picuinhas posso dizer que se torna repetitiva em certos pontos, já que dei por mim a pensar algumas vezes que estava a voltar a ouvir o mesmo tema da “Casa Assombrada”.

Graficamente já sabemos que a Switch não vai a todo o lado, mas mesmo assim o jogo não pareceu bem optimizado, com o uso constante da chuva a dar a ideia que quer mascarar algo que falta, imitando o que aconteceu com o nevoeiro de Silent Hill. Um jogo em cel shaded, mas com um aspecto muito granular que dificultava até a leitura de algumas das linhas quando usávamos a consola no modo handheld. A somar a isso, há muitos pop-in, objectos que desaparecem e efeito que não são adequados à situação. Pode parecer uma descrição assustadora, mas nenhum destes problemas é importante no contexto do que está a acontecer, sendo que algumas das coisas que menos gostei não me parecem mais o que escolhas criativas que podem até ser do agrado de qualquer outra pessoa.

VENHAM OS LOADINGS

Jogamos como Yuma Kokohead e começamos o jogo a despertar dentro duma despensa sem qualquer recordação da nossa vida pregressa. Esta amnésia vai revelar-se permanente é um dos pontos centrais da história. Sem sabermos o que fazer vão-nos sendo explicadas algumas mecânicas enquanto nos empurram para a primeira missão que serve, no fundo, como um tutorial em andamento, sendo que a forma como foi estruturado o tornou um dos meus tutoriais preferidos de sempre, dada a forma sublime como foi incluído na história, ao mesmo tempo que deixou clara a sua função preambular.

Descobrimos que fazemos parte da World Detective Agency e somos enviados para Kanai Ward, uma cidade isolada do mundo que segue as suas próprias regras. O nosso dever como detectives é investigar alguns acontecimentos estranhos que por lá andam a acontecer. A personalidade de Yuma é muito bem exposta neste primeiro momento, mas gradualmente torna-se incoerente, não sei se de forma propositada, mas certamente desnecessária, já que os claros momentos de indecisão sobre si muitas vezes negam facetas já assumidas anteriormente.

Também nesta fase começamos a notar que passamos tanto tempo a olhar para um ecrã de carregamento como a fazer alguma coisa já que o jogo é um conjunto de pequenos mapas, cada um deles separado por um desses ecrãs. Aqui volta também a entrar em cena a própria consola, já que Switch não é um portento de capacidade e cada um desses ecrãs é muito mais longo do que aquilo que desejaria que fosse, muitas vezes separado do seguinte por um período temporal curto. Felizmente rapidamente esse problema é minimizado pelo sistema de fast travel, mas não chega perto de o eliminar.

Se somos detectives temos de investigar. Neste jogo investigamos crimes. Numa fase inicial do jogo percebemos que a nossa amnésia provém de um pacto que fizemos com um Deus da Morte, a sensual e divertida Shinigami, com o qual apenas nós conseguimos interagir durante a maior parte do jogo. Esse pacto dá-nos alguns poderes incríveis que vamos descobrindo durante o jogo.

A personagem de Shinigami introduz contraste a toda a seriedade do jogo, sendo uma personagem desbocada e muito mais divertida, com imensas tiradas humorísticas que resultam em maior ou menor grau consoante a situação, mas também introduz o já esperado cariz sexual nos jogos anime, quer seja pelos momentos de roupa reduzida, atributos generosos com física exagerada ou os constantes piropos que lança a Yuma.

O que mais gostei no jogo foram os períodos de investigação, primeiro porque estava realmente a fazer alguma coisa e não apenas a saltar diálogo, e depois porque os cenários eram na realidade inteligentes e bem desenhados. Claro que aqui entra alguma da dificuldade que tenho em encarar estes jogos divertidos, já que a investigação era de forma geral simplista, limitando-nos a clicar em determinados pontos previamente sinalizados no cenário, remetendo um peso gigantesco para a escrita inteligente do crime, estando a nossa satisfação apenas satisfeita se a resolução nos surpreendesse e, alegremente, posso dizer que fiquei satisfeito com esse ponto, se bem que, se for para implicar, algumas das deduções partiam de extrapolações rebuscadas, chegando a usar subterfúgios não suportados pelas pistas para resolver alguns dos casos, o que criava alguns buracos em alguns dos casos.

Após esta fase de investigação passamos para a fase de resolução que se passa no Mystery Labirynth, uma construção mental dos criminosos para tentarem ocultar o seu crime. Para ser sincero esperava muito mais desta fase, um momento que é de descoberta, mas que se torna repetitivo, longo e muitas vezes chato, com minijogos com os super actuais quick time events que sempre adorei, alternados com jogos de palavras que não me agradaram, embora nem sempre pelo grau de diversão que proporcionavam, mas por procurarem soluções em inglês, alturas em que mesmo sabendo o que pretendiam que eu escrevesse, não sabia ao certo qual das palavras sinónimas era a indicada.

Também uma pena um jogo com bosses tão bem desenhados e caracterizados tenha boss battles tão desinspiradas, quer pelos minijogos que as representavam, quer pela forma como nos davam os factos que, se bem que geralmente óbvios, a sua descoberta era constantemente estragada pelas pistas dadas por Shinigami. Somando a isso a penalização por falhar é baixa e acompanhada de mais pistas, quase que nos enfiando a solução pela goela.

Para além da missão principal há também algumas acessórias devidamente assinaladas no mapa, mas estas não passam de fetch quests com pouco interesse que não a atribuição de mais alguns pontos de progressão esta, progressão essa que nunca considerei motivante ou realmente relevante para o jogo.

O jogo está dividido em capítulos, cada um deles claramente dividido em início, meio e fim. Ao concluirmos cada um deles é-nos atribuída uma pontuação que volta a contribuir para a progressão dos nossos atributos.

SER DETECTIVE É MESMO ASSIM!

Master Detective Archives: Rain Code é um jogo de detectives clássico, parecendo muito inspirado em jogos como Danganronpa, e o que para mim é um claro corte de ritmo, ou um momento aborrecido, ou um excesso de diálogo não é mais que um somatório natural das características que definem o género. O que mais importa salientar é a criatividade da história e cenários, da investigação em si e da capacidade de nos surpreender. Embora com alguns buraquitos, nesse campo não decepciona em momento algum, e se não se importarem de apanhar milhentos ecrãs de loadings, certamente irão gostar de o jogar.