É sabido que grande parte do meu tempo é passado a pesquisar jogos indie, seja pela capacidade de arriscar que os criadores independentes têm, seja pelo envolvimento emocional e narrativo que muitos destes jogos nos trazem. 

Ainda me espanto como é que nos dias de hoje ainda existem pessoas que tentam tabelar um valor de preço/tempo aos seus jogos, independentemente da qualidade. E se isto até poderia fazer sentido numa época em que nos era mais difícil a todos conseguir mais do que um punhado de jogos por ano, nos dias de hoje, com o acesso bem mais facilitado a uma miríade de jogos de qualidade (seja por promoções, bundles, subscrições ou até mesmo free-to-plays), não perceber que um brilhante jogo de 4 horas tem mais valor um artificialmente longo título de 40 horas é algo que me deixará para sempre surpreendido.

Na minha saga de análise ao Starfield acabei por fazer uma pausa entre sessões e decidi fazer o que tantas vezes faço, um mecanismo de “limpeza de palato” em que abro um dos cerca de 90 indies que tenho instalados no PC, e, feito tabula rasa, jogo sem saber a que destino me levará essa viagem.

The Cosmic Wheel Sisterhood foi um desses jogos, e sem ter o contexto – de que os seus autores são um estúdio espanhol cujas obras anteriores, Gods Will be Watching e The Red Strings Club – da brilhante viagem narrativa que iria percorrer. 

Começamos esta história com o vácuo do universo como pano de fundo, e uma casa de dois andares, solitária, construída no topo de um asteróide. É aí que conhecemos a nossa protagonista, Fortuna, uma bruxa com o poder de ler o destino dos outros no baralho de tarot que foi excomungada por 800 anos pela sua irmandade. A nossa companhia inicial é uma criatura estranha que nos visita pela janela da nossa casa, e que cedo sabemos ser de uma espécie de behemoths extra-universais que são os ajuramentados inimigos das bruxas. É ele a nossa única companhia, e quem nos apresenta um caminho para a nossa liberdade, dotando-nos da capacidade de voltarmos a ter um baralho de cartas de taror, e com isso, a nossa liberdade. E essa liberdade, como tudo, tem um preço.

Dizer-vos agora que a decisão dos seus autores de nos colocarem uma pergunta aparentemente simples, como o preço que estamos dispostos a pagar pela nossa liberdade a meros minutos do jogo começar é um confronto curioso que temos. Nesse momento ainda não temos todo o contexto que a história nos apresentará, nem o valor emocional das nossas decisões e o efeito que elas terão no restante elenco. Perfeitamente cientes disso, muito perto do fim do jogo seremos confrontados com a nossa escolha, mas com um nível de informações e decisões diferentes. E será uma resposta muito pessoal a de percebermos se tudo pelo qual passámos nas cerca de 4 horas de uma playthrough serão suficientes para nos transferir alguma culpa do que respondemos no início do jogo.

Mecanicamente, para além dos elementos de diálogo que teremos com os muitos visitantes que nos entrarão pela janela de casa – e que é, aliás, o cenário que veremos em todo o jogo, existe também o poder que o behemoth nos dá: o de construirmos novas cartas de tarot. 

Esta construção é literal, e feita mecanicamente – existem 4 elementos pontuais que ganharemos nas interacções e que usaremos para “comprar” as bases das nossas cartas – e visual – neste jogo em pixel art temos um interface para compor as nossas cartas com os elementos que estão à nossa disposição, criando composições únicas para o nosso baralho.

Invariavelmente, acabaremos por lançar as nossas cartas a todas as personagens com quem iremos dialogar. As ramificações da história vão dever-se a 2 elementos distintos, o primeiro, aleatório, já a carta que sai na leitura é escolhida ao acaso, e segundo, pela escolha que fazemos da leitura da carta. Para os que acreditam no tarot – que não é mesmo o meu caso – a leitura das cartas passa por uma interpretação das cartas que são lançadas. É nessa inclusão teórica do tarot que reside a grande mecânica de The Cosmic Wheel Sisterhood, já que a leitura que decidimos apresentar em voz alta aos nossos interlocutores irá causar ramificações narrativas que terão sérios impactos.

Se neste universo de The Cosmic Wheel Sisterhood as bruxas são entidades cósmicas que ascendem ao firmamento após se verem livres dos seus corpos mortais, muito do que faz deste jogo memorável são as muitas personagens que vamos conhecer. Desde a originalidade visual de cada uma, passando pelas suas histórias e motivações, e de que forma é que os diálogos connosco vão mudar os seus pontos de vista e a sua vida eterna.

Este tipo de influência emocional e narrativa é ainda mais sentida no último arco do jogo em que ocorrem eleições, e que as nossas acções conseguirão influenciar o resultado eleitoral.

Para um jogo com uma história tão profunda e tão bem tecida como a de The Cosmic Wheel Sisterhood, ser algo mais do que vago sobre o seu enredo é estragar por completo o profundo murro no estômago que o seu enredo nos dá. 

Mas ter em The Cosmic Wheel Sisterhood um daqueles casos em que começamos a jogar a um jogo e que somos de tal forma tragados para o seu vórtice emocional e narrativo que só paramos quando vemos os créditos finais, é um daqueles momentos em que sinto que esta paixão e militância pelos jogos indies que tenho levado a cabo nos últimos 11 anos fazem sentido. 

Como seria de esperar, a qualidade e multiplicidade de caminhos que a Deconstructeam escreveu para The Cosmic Wheel Sisterhood impele-nos a diversas playthroughs, para conhecermos outros resultados das nossas decisões e do destino que traçamos para nós e para todas as outras entidades cósmicas que nos rodeiam.

The Cosmic Wheel Sisterhood é um dos jogos mais bem escritos que joguei este ano, e certamente um dos melhores jogos de 2023, e que me deixa ansiosamente a esperar a próxima viagem que farei pelos mundos criados por este magnífico estúdio espanhol.