Ao longo da sua longa carreira, a finlandesa Remedy Entertainment tem vindo a construir um currículo de jogos de excelente qualidade. Os primeiros dois títulos da série Max Payne serviram de cartão de visita ao estúdio e apesar de pertencerem à Rockstar Games, estão a ser refeitos pela produtora. A Remedy é conhecida por cruzar histórias com forte teor narrativo com elementos sobrenaturais. Mas acima de tudo, procura introduzir elementos frescos nas mecânicas de ação e tecnologia avançada. 

Max Payne trouxe para os videojogos as sequências de bullet time, numa altura em que Matrix o fazia no cinema. Alan Wake procurou explorar o género de thriller psicológico, tendo como elementos principais a luz e a escuridão. Quantum Break, talvez o menos bem-sucedido, mas ainda assim muito bom, procurou oferecer mecânicas de manipulação do tempo. E Control, provavelmente o mais aclamado depois de Max Payne, aposta no paranormal, recorrendo a mecânicas de manipulação telecinética. 

A Remedy é daqueles casos da indústria de um estúdio que se tem mantido independente, passando ao lado das vagas de aquisições, sobretudo do apetite da Microsoft. Mas ao mesmo tempo, nos últimos dois anos tem vindo a desmultiplicar-se em diferentes projetos para editoras distintas, correndo o risco de perder o foco. Lançou em 2021 a versão Remastered de Alan Wake, antecipando Alan Wake II com a ajuda da Epic Games; criou a banal campanha narrativa para CrossFireX para a Smilegate. Está a produzir o remake de Max Payne 1 e 2 para a Rockstar. E ainda tem projetos não revelados oficialmente, como o Condor para a 505 Games e Kestrel para a Tencent. 

O certo é que Alan Wake II vem novamente confirmar a mestria do estúdio em contar histórias, mas também oferecer uma experiência envolvente aos fãs dos seus jogos. O primeiro Alan Wake explorou o género de horror psicológico, jogando constantemente com os nervos do jogador. A sequela direta pega nesse conceito e transforma-o numa verdadeira experiência de survival horror. Estamos a falar de um jogo na veia do melhor do género. E posso adiantar que é difícil um título destes me fazer dar saltos na cadeira e Alan Wake II consegue-o constantemente, entrando para o meu top três de jogos mais assustadores de sempre, entre The Evil Within de Senji Mikami, a The Suffering, um velhinho título da Surreal Software. Em outro registo, Dead Space e Alien Isolation.  

Alan Wake II é um cocktail com todos os elementos de horror que fazem deste um dos melhores do género. O build up constante criado pelo jogo psicológico daquilo que está a acontecer, do ambiente macabro, escuro ou mesmo sujo de muitos dos cenários explorados preparam o jogador para um estado de alerta constante de que “algo” vai cair em cima. E é incrível para um jogo que não precisa de monstruosidades para assustar. Os Taken, que são humanos tomados pela escuridão e as próprias sombras negras fazem todo esse trabalho. Acreditem, são inimigos verdadeiramente assustadores por serem bastante próximos da fisionomia humana. E quando o jogo quer que os jogadores saltem da cadeira, fá-lo sem problemas, sendo inevitável dar berros aos designers do jogo. 

A Remedy tem outro fator que joga a seu favor: a experiência e a capacidade técnica de criar um mundo credível e muito bonito, como o conhecido ambiente de Bright Falls, uma vila pacata que esconde as terríveis trevas, que parece saído diretamente de um conto de Stephen King. O motor Northlight do estúdio continua a ser decisivo na capacidade de envolver-nos. O estúdio consegue dessa forma dar-nos contrastes impressionantes dos cenários, jogando mais uma vez, de forma excecional, com a luz e escuridão. E mesmo os cenários mais assustadores são belíssimos em termos de design e mesmo no breu da escuridão seja no meio de uma floresta ou numa metrópole citadina, a atenção ao detalhe mantém-se. Jogos como Resident Evil ou Evil Within jogam com o horror dos próprios cenários empoeirados e podres, mas Alan Wake II joga ao contrário. O horror existe nas coisas belas e banais quando são abraçados pelas trevas, num jogo permanente de contrastes.

A história segue os eventos do primeiro jogo e até justifica a ausência de Alan Wake, que ficou preso no mundo das trevas durante os últimos 13 anos. Desta vez o jogo divide o protagonismo entre Alan Wake e a agente do FBI, Saga Anderson que chega a Bright Falls, juntamente com o seu companheiro Alex Casey, para investigar uma série de assassinatos ligados a cultos ritualísticos. O jogo começa mesmo com o regresso de Robert Nightingale do mundo das trevas, um agente da FBI que os fãs vão lembrar-se do primeiro jogo. As coisas começam obviamente a ter contornos sobrenaturais e como seria de esperar, uma trama entrelaçada, jogado na perspetiva dos dois protagonistas. 

Antes de mais, um momento wiki: a personagem Alex Casey tem a imagem de Sam Lake, o diretor criativo da Remedy que volta mais uma vez a participar nos seus jogos. E mesmo a sua voz, sem qualquer sotaque finlandês, é de James McCaffrey, isso mesmo, o ator que deu voz ao primeiro Max Payne. Se repararem ao longo da história, existem muitas poses e silhuetas desta personagem que piscam diretamente o olho a Max Payne. 

Voltando à história, esta divide-se então entre o caminho de Saga e Alan Wake, este ainda trancado no mundo das trevas. O escritor continua preso nesta prisão de pesadelos e sempre que escreve uma história, esta transforma a realidade. E é esta a forma que a personagem usa para tentar escapar. Assim, são duas personagens, com realidades distintas, mas ao mesmo tempo interligadas, numa narrativa complexa e difícil de digerir. Apesar de American Nightmare ser um spin off lançado pouco depois do primeiro jogo, mais focado na ação, os elementos narrativos não foram ignorados e por isso vão ter de lidar novamente com Mr. Scratch. 

Apesar de ser um jogo de horror na sua essência, há espaço para um humor negro presente nos jogos da Remedy. E um dos melhores momentos do jogo é o capítulo We Sing, um dos maiores contrastes e sequências de um videojogo, e uma homenagem ao heavy metal, protagonizado pela banda Old Gods of Asgard, que os fãs conhecem dos anteriores jogos do estúdio.  

O gameplay entre as duas personagens é um pouco diferente, embora se mantenha o elemento comum, entre apontar a lanterna da luz para tornar os inimigos vulneráveis às armas de fogo. E ainda que a ação faça parte de muitas sequências, cada bala tem de contar, pois as munições são escassas. Muitas vezes evitar os inimigos e fugir é a melhor solução. Mas a forma como o jogo despeja inimigos em cima das personagens, a maioria do nada, torna a experiência ainda mais aterradora. 

Cada personagem tem uma área própria, que pode ser acedida a qualquer momento. No caso de Saga, esta tem a capacidade supernatural de entrar naquilo que chama de Mind Place através de telepatia. Este lugar, que parece um escritório, permite completar os casos com as provas encontradas ou traçar perfis das vítimas e suspeitos, abrindo caminho à história e aos objetivos. Aqui pode aceder a documentos recolhidos e aos manuscritos de Alan Wake, assim como outros colecionáveis. 

Por outro lado, Alan Wake pode entrar na sua sala de escrita e aceder igualmente aos seus elementos. No seu caso, a principal mecânica é reescrever certas cenas e alterar o cenário. Muitos dos puzzles de cenários com a personagem passam por encontrar diferentes cenas e alinhá-las nos locais certos para abrir portas e outras passagens. Também pode manipular a luz, recolhendo lâmpadas para usar em outros locais escuros e mais uma vez alterar passagens.  

Um dos melhores aspetos da aventura é a capacidade da Remedy em oferecer uma experiência cinematográfica credível, misturando sequências em live action com os mesmos atores que dão a aparência às personagens 3D. E esta mistura, que tinha tudo para correr mal, resulta mesmo bem, aumentando ainda mais a ligação com as personagens. Há anúncios de televisão cheios de humor e tal como o primeiro jogo, a constante transição para o que se está a passar dentro do aparelho. 

Alan Wake II prova que o género survival horror pode ter novas ideias. E pode ter elementos de comic relief para deixar os jogadores respirar, assim como sustos fáceis. Mas o constante build up psicológico, a capacidade de jogar com as sombras e iluminação, a atenção ao detalhe, tornam esta proposta um verdadeiro jogo de terror de nova geração. Mesmo que a história seja de difícil digestão, esta viagem à mente perversa de Alan Wake, repleto de referências à mitologia nórdica e finlandesa, tornam-no obrigatório, um dos melhores do ano e de sempre no género.