Dizer que este ano foi um dos melhores de sempre para a Nintendo Switch é estar a nivelar a escala por baixo, já que é jogão atrás de jogão. Quando vi o trailer de Super Mario Bros. Wonder pela primeira vez fiquei boquiaberto. Há muitos trailers que mostram aquilo que de melhor um jogo tem para oferecer mas depois, mesmo que acabe por ser um bom jogo, parece que ficamos com água na boca ao perceber que já tínhamos visto tudo o que havia para ver apenas em três minutos, porém aqui acontece exactamente o inverso. A quem diz que os jogos de plataformas estão em decadência eu respondo que os bons jogos de plataformas estão em decadência, já que neste encontrei o meu jogo do ano.

Sentei-me a pensar que mesmo tendo jogado poucos jogos este ano, nunca passei por tantos que gostasse mesmo a sério. Quando joguei Hi-Fi Rush pensei que seria o meu jogo do ano. Depois joguei Pikmin 4. Seguramente um jogo que desafia a lógica da criatividade na franquia e bate aos pontos todos os anteriores, ao mesmo tempo que desmistifica a ideia que é somente um jogo para crianças. Claro que o meu jogo mais antecipado do ano era Zelda Tears of the Kingdom, e embora não me tenha tocado da mesma forma que Breath of the Wild pensei que o prémio estaria entregue quando o joguei já bem depois do lançamento. Não me deu a diversão pura que Pikmin 4 me tinha dado, mas como negar toda essa qualidade. Então finalmente decidi jogar Sea of Stars. Não é o meu género preferido, estava na minha lista por estar no Game Pass e por ser da Sabotage Studios, o estúdio que fez um dos meus jogos favoritos de sempre, The Messenger. Sea of Stars tem uma história encantadora e entusiasmante aliada a mecânicas que tornam o combate por turnos muito divertido e acessível até para quem não gosta dele como eu. Sea of Stars bateu Tears of the Kingdom, como é possível melhorar isto? Com Super Mario Bros. Wonder. Isto tem de ser engano, um jogo de plataformas? É a história de Forza Horizon 5 novamente?

Já devia ter aprendido que as surpresas não param de surgir com a Nintendo, mas nunca tive a melhor relação com os controlos dos jogos de Mario, já que tenho muita dificuldade em lidar com o tradicional escorregar no final de cada salto. Obviamente que é uma questão de hábito e jeito, mas jeito há muito que não tenho, e jogo tantos jogos que não é fácil para mim criar uma memória muscular para esse movimento. Em Super Mario Bros. Wonder (doravante Mario Wonder), para minha felicidade, esse escorregar é muitíssimo mais discreto, o que me permitiu aproveitar muito mais o que o jogo tinha para oferecer, já que durante a campanha o foco está em oferecer ao jogador uma experiência diversa e criativa, não em obrigá-lo a andar a bater com a cabeça nas paredes.

Embora não tenha lido nenhuma análise a Mario Wonder, imagino que a palavra “criatividade” apareça mais vezes do que as vezes que o Jurasek consegue perder a bola, e isso acontece pela inevitabilidade inegável desse facto. Em algumas entrevistas Pablo Picasso afirmava que tentava adormecer com uma caneca com chaves na mão, já que, segundo ele, quando adormecia a deixava cair e acordava com o barulho e, nesse momento de lusco-fusco entre o estar a dormir e ainda estar acordado é que tinha as ideias mais surreais, fruto de um sonho parcialmente consciente que era capaz de recordar. Na sua essência Mario Wonder parece uma homenagem póstuma a esse postulado.

Ninguém espera uma história brilhante nos jogos de Mario, e este não é uma excepção. Não salvamos a Princesa Peach desta vez, mas isso pouco importa. Bowser foi-se fundir com o castelo do Reino das Flores e somos acompanhados pelo Príncipe Florian para impedir que ele faça coisas, coisas daquelas más. Ninguém quer saber.

Ao longo de dezenas de níveis é raro encontrarmos uma ideia repetida. Imaginem Mario Maker mas feito pela própria Nintendo, com a nuance de o fazerem enquanto cavalgam num unicórnio. É essencialmente isto. A surpresa é constante, e embora todo o jogador saiba genericamente como navegar dentro de um nível de Mario, o que não sabe é de que forma vai ter de o fazer, e boa parte das minhas mortes deveu-se a uma mecânica que eu não esperava, e não propriamente à dificuldade que essa mecânica trazia.

Podemos transformar-nos em elefante? Claro que sim, nesta altura todos sabem. Podemos disparar bolhas? Podemos. Podemos andar a numa manada de bisontes? Também podemos. Podemos usar a ajuda de um dragão? Podemos. Podemos ficar invisíveis? Podemos. Podemos transformar-nos em bolas de “nhanha” que se colam às paredes? Obviamente que sim. Há níveis em que temos de procurar itens escondidos mesmo à nossa frente sem que consigamos perceber onde estão? Também. Podemos usar notas musicais para dar musicalidade a alguns níveis, ao mesmo tempo que as usamos para chegar a pontos que não chegaríamos doutra forma? Sim. O jogo pode mudar de perspectiva, passando a ser jogado em top down? Acontece, sim senhor. Podemos tourear pedras gigantes. Por incrível que parece, podemos sim!

As ideias não têm fim, ou melhor, têm porque obviamente que o jogo acaba, mesmo que não antes de descobrirmos uma área onde estão os níveis mesmo difíceis, aqueles que fazem crescer pelos nas unhas dos pés, mas isso não é ainda a pièce de résistence do jogo pois, para mim, o pináculo da criatividade é a forma como Mario Wonder consegue transformar o mesmo nível, o mesmo caminho em dois níveis completamente diferentes, mesmo usando exactamente o mesmo caminha, bastando para isso que não nos escape e flor que o transforma, e aí o que já é original parece que entrou numa trip de LSD e desbloqueia uma nova ideia para um espaço que de qualquer outra forma pareceria mais vazio e simplista.

Eu sou daquelas pessoas que pensa que tudo o que é demais enjoa, e inicialmente pensei que as diversas flores que aparecem e interagem connosco me iriam irritar, mas rapidamente percebi que não. A atenção ao detalhe até nesses momentos maioritariamente inúteis foi sublime. O humor contextual que muitas vezes nos é proporcionado não necessitava de existir para o jogo ser magnífico, mas existe e imprime um toque ainda mais pessoal à experiência.

Acho que a esta altura já perceberam que não vou tornar este texto objectivo, mas gostava de deixar uma palavra para a funcionalidade online do jogo. Ao nos ligarmos à rede deixamos de jogar sozinhos. Certo que já não posso ir escangalhar o jogo aos outros jogadores, algo que um inveterado jogador de Rust, como eu, inevitavelmente acabaria por fazer, o que podemos fazer é ajudar já que temos um período de 5 segundo em que podemos dar nova vida a um jogador que morreu, bastando para isso somente tocar-lhe. Podemos também deixar plaquinhas, ou mesmo algumas placas grandes, que qualquer jogador pode activar e, depois de activas, pode usá-las também para ganhar uma vida ou, ainda melhor, os jogadores mais inteligentes acabavam por deixá-las em locais chave que permitiam dar uma ajuda para resolver alguns puzzles mais intricados. A simples presença de mais avatares no ecrã já é uma ajuda enorme, pois há muitos momentos em que mostra caminhos ocultos que nessa altura ficam óbvios para quem os procura. Na verdade, jogar online torna a experiência de Mario Wonder muito mais enriquecedora, houve até jogadores a pedirem-me amizade no jogo, algo que é muito raro acontecer, e tenho alguma pena que o pessoal que o jogue daqui a mais tempo possa não passar por ela. Vale tanto a pena…

Se chegaram a este ponto do texto é possível que o ecrã tenha dado freeze e não consigam sair, mas vejam o problema pelo lado positivo, é virtualmente impossível ainda terem alguma dúvida que Mario Wonder é um jogo que brilha num ano que grandes jogos, mesmo considerando que é de um género que usualmente é desconsiderando nestas conversas, um jogo de plataformas AAA. Quando a qualidade, o cuidado, a atenção e o carinho estão lá, não interessa qual é o jogo ou género. Mario Wonder é uma obra prima!