Já joguei e comprei mais metroidvanias do que provavelmente devia, o que significa também que estou sempre disponível para jogar, comprar e analisar sempre mais um. Dado que têm sido sobretudo criadores indie quem tem estado a revitalizar o género, é uma razão adicional para que invariavelmente a minha incessante procura por joias escondidas vá desenterrando jogos do género verdadeiramente memoráveis.
Em 2016, um desses casos, foi Rabi-Rabi, criado pelo estúdio CreSpirit de Taiwan, que se tornou um jogo relevante para mim nesse ano pela sua abordagem simples e original ao género: manter toda a exploração e progressão de forma tradicional, e adicionar elementos de bullet hell nas boss fights.
Sete depois desse grande sucesso inesperado, os criadores taiwaneses regressaram aos lançamentos com TEVI, que já era, para muitos fãs dos metroidvanias, um dos jogos mais esperados de 2023.
Apesar de dadas as coelhinhas-antropomórficas como protagonistas em ambos os jogos, à primeira vista podemos pensar que TEVI é uma continuação directa de Rabi-Rabi, mas é apenas uma sequela directa.
As diferenças e a evolução do estúdio nos 7 anos que separam os 2 jogos são imensas e isso sente-se sobretudo pela escala. A pixel art de Rabi-Rabi estava mais próxima da maioria dos jogos de 16 bits, mas TEVI eleva a fasquia para um nível que causa inveja a muitos estúdios a trabalhar com esta expressão artística. Apesar dos personagens terem todos um tratamento chibi mesclado com pixel art, é a complexidade e detalhe dos cenários e dos muitos biomas que nos deixam verdadeiramente de queixo caído.
A vastidão do mundo de TEVI percebe-se também aí: não só na diversidade de biomas que este mundo nos apresenta, mas a forma como cada um deles grita uma distinção entre os restantes dada a atenção ao detalhe e à extrema qualidade dos seus artistas.
A deambulação pelo mapa segue a fórmula dos metroidvania, ainda que em termos de game e level design o jogo, para mim, fique aquém do que os melhores jogos do género nos trazem. Um exemplo disso é que TEVI conseguiu o estranho paradoxo de ser simultaneamente aberto e fechado no seu mundo.
Na maioria dos metroidvania que conhecemos, a travessia e acesso a novas áreas dependem de equipamento ou habilidades que não possuímos. Sejam os tradicionais saltos duplos, ou a capacidade de planar, ou as muitas e inventivas ideias que centenas de jogos já trouxeram ao longo das últimas 3 décadas.
Esse sentimento de exploração e a recompensa de subitamente encontrarmos algo que nos permite progredir no jogo são a razão principal de eu gostar tanto do género. Olhando para a big picture de um mapa completo percebemos a teia tecida pelos seus level designers de permitir que pontos de progressão no mapa nos “desbloqueiem” o acesso a outras zonas, numa rede estável e surpreendente.
Em TEVI estas progressões estão bloqueadas pela história e por derrotarmos bosses. Não existe uma sensação de descoberta de explorarmos fora do que devíamos e encontrarmos a capacidade de aceder a uma nova zona. Apesar do jogo nos permitir uma deambulação muito mais aberta do que a maioria dos metroidvania, o progresso está demasiado interligado ao enredo.
O caso mais desanimador destes bloqueios é o de termos zonas que a protagonista decide não ir porque ela própria nos diz “não preciso de ir para esse lado ainda”, e volta para trás, como uma parede invisível estabelecida pelos criadores que derrota todo o fundamento de um metroidvania.
O último problema que a exploração tem, para mim, é mesmo por sentir que o mundo é gigante, e algo repetitivo dentro de cada bioma (ainda que entre biomas exista uma grande criatividade). A exploração e o encontro de segredos é pouco recompensadora visto que o que encontramos é dinheiro. E já veremos para que serve o dinheiro.
Como dizia inicialmente, TEVI tem elementos de metroidvania tradicional, mas é de Rabi-Rabi que retira o elemento que o diferencia no género: as memoráveis lutas contra os bosses que mudam o tom do jogo para uma abordagem bullet hell. E se a exploração não é muito interessante, diria que para além da direcção de arte, é mesmo o combate quem faz TEVI elevar-se dos demais jogos.
Seja o combate propriamente dito, com um sistema de luta que bebe muito de jogos de acção bidimensionais e até de beat’em ups retro, com um sistema de combos corpo-a-corpo que são simples mas que mantêm as batalhas sempre frescas. Mas sobretudo pelos mais de 10 bosses, todos eles com muitos padrões para conhecer, e com sistemas de ataque naturais dos bullet hells, preenchendo-nos o ecrã com uma saraivadas de balas e ataques que temos de escapar de forma quase miraculosa.
Pelo nosso trajecto pelo mundo de TEVI vamos encontrando sigils, upgrades equipáveis que nos vão dando melhorias ao combate, e que acabam por ser os elementos diferenciadores deste jogo. A customização do nosso estilo de jogo é aplicado pelas builds de sigils que vamos apanhando ou comprando com o dinheiro que encontramos. Mas esta acaba por ser uma alteração bastante passiva e que muitas vezes esquecemos de alterar ou de ajustar dado o nosso foco no resto do jogo.
Apesar de visualmente bem conseguidos, tanto Tevi, a nossa protagonista que é auxiliada pelo anjo Celia e a demónio Sable, assim como os restantes personagens são narrativamente esquecíveis, muito por culpa dos diálogos risíveis que TEVI apresenta, que nem a boa abordagem visual mais próxima das ilustrações nipónicas salva. Nem o sofrível enredo – para além da Guerra de Magitech apresentada no início, pouco ou nada me lembro – tem uma escrita tão frágil e cheia de clichés e superficialidades que nos leva a fazer skip a todos os momentos de diálogo e voltarmos para o que TEVI faz bem.
TEVI é um metroidvania interessante, onde o excelente combate e a pixel art são traídos por uma exploração pouco satisfatória e um enredo fraco. Um jogo com uma longevidade impressionante para o género, mas onde o mundo por vezes parece demasiado longo e repetitivo. Um bom jogo para comprar em promoção, e com a sugestão adicional para mergulharem primeiro em Rabi-Rabi para perceberem a evolução do estúdio.