2023 será o ano que ficou marcado pelo fim oficial da Electronic Entertainment Expo, mais conhecido como E3. O mítico evento que todos os jogadores já desejaram ir. Infelizmente, talvez sejam muitos que se vão ficar pelo desejo agora inatingível. Outros, provavelmente por razões profissionais, tiveram a sorte de lá marcar presença. O que resta, neste momento, são as suas recordações. Boas ou más, são memórias que marcaram e ficaram tatuadas na mente de quem lá foi. Quem esteve em Los Angeles, na inesquecível E3 2015, para assistir à melhor conferência de sempre da Sony, vivenciou momentos para mais tarde contar histórias aos seus filhos e netos. Inspirado neste lendário evento, que eu próprio cobri quando colaborei com algumas publicações online, falei com alguns portugueses que lá foram, jornalistas que escreviam para as mais respeitadas revistas impressas e sites que começavam a florescer. Fui perguntar que memórias guardam desses momentos passados na E3 enquanto jornalistas, repórteres que nos traziam o Natal dos videojogos através das suas palavras, fotografias e conversas.

Tenho relatos de vários ex-jornalistas que assinaram revistas como a Maxi Consolas, a BGamer ou a Mega Score. Estes seriam as pessoas mais óbvias com algo para contar sobre a feira de Los Angeles, mas felizmente ainda tive a oportunidade de falar com um dos fundadores do Rubber Chicken, que teve uma experiência fora do normal, sem obrigações profissionais, mas não menos marcante como as dos outros relatos que consegui juntar. São comentários onde se destacam as festas à noite, já depois das portas do Los Angeles Convention Center terem sido encerradas, onde reinava a diversão. A oportunidade de poderem ver ou estar com celebridades do mundo da música, cinema e, claro, dos videojogos, foi também algo partilhado por algumas das cinco pessoas a quem pedi para procurarem por memórias que guardam com mais carinho destes eventos. Por isso, acho que são histórias que vocês vão querer conhecer, tal como eu as vos quero partilhar.

“Uma foto da comitiva portuguesa na E3 2013”, conta Jorge Vieira

A comunidade de jogadores que segue a indústria dos videojogos com mais atenção não deve ser estranha a este nome: Jorge Vieira. O Jorge foi jornalista da Mega Score (depois de ter trabalhado apaixonadamente com as suas fanzines). Agora é Brand Manager na Nintendo Ibérica, a cara mais reconhecida responsável pela Nintendo em Portugal, depois do desastre que foi a Concentra. Com a última publicação da revista Mega Score em abril de 2007, é normal ser mais difícil recordar-se de qualquer detalhe que foi uma das muitas viagens que fez à Electronic Entertainment Expo. Dos quatro anos que esteve na revista publicada pela RGB Editora, Jorge Vieira diz-nos que: “bom, as memórias já são difusas passados tantos anos mas marcar presença nas conferências das marcas foram obviamente momentos interessantes. Entrevistar o Warren Spector por alturas do Deus Ex: Invisible War talvez tenha sido a conversa mais interessante… ou ver celebridades como o Snoop Dogg ou o Hulk Hogan a passear e a jogar pelos corredores da E3.”.

Obviamente, quem vai a Los Angeles por motivos profissionais não vai só lá trabalhar e dormir, sem aproveitar a diversão noturna que lá está, nomeadamente quando há festas, as denominadas after parties, ligadas à própria E3. “Depois, claro, as festas noturnas com os seus excessos e histórias incríveis que envolvem membros da indústria e que a minha consciência me impedem de divulgar publicamente.”, continua Jorge Vieira. “Mas outro momento incrível que recordo com nostalgia foi, já na Nintendo, a sessão interna de apresentação à porta fechada da Wii U. O senhor Satoru Iwata levantou o véu do que seria apresentado publicamente uns dias depois e ainda hoje recordo a surpresa ao ver títulos como Nintendo Land ou ZombiU. Boas memórias sem dúvida” remata o Brand Manager da Nintendo Ibérica.

Bruno Mendonça a abraçar um zombie da EA.

Uma outra revista que marcou a nossa praça foi, sem sombra de dúvidas a BGamer, da qual Bruno Mendonça foi diretor durante quatro anos. Portanto, com uma larga experiência a trabalhar como jornalista na Goody, tive de tentar obter o seu testemunho enquanto jornalista que foi à E3. “Ao longo do meu percurso profissional como jornalista na área dos videojogos, tive o privilégio de visitar dezenas de produtoras, eventos, feiras e convenções espalhadas pelos quatro cantos do mundo.” começa por nos dizer Bruno. “Apesar disso, a E3 era realmente um evento especial. Pela sua dimensão e pela importância que tinha para todos os envolvidos na indústria, “fazer uma E3” era um enorme regozijo, mas também um verdadeiro desafio. Durante uma semana, das 09h às 18h, num horário atafulhado com entrevistas, visualizações à porta fechada, sessões hands-on e outras obrigatoriedades, cada dia vivido dentro do Convention Center de Los Angeles era autêntica aventura (que incluía muitos quilómetros nas pernas).”, conta Bruno Mendonça levantando o véu do trabalho que envolvia fazer a cobertura jornalística de uma E3.

“Histórias? Muitas, algumas mais secretas, outras que até viraram mito, mas na memória ficam sobretudo os momentos de convivência amigável entre todos os envolvidos e a tremenda “regalia” de estar na fila da frente aquando da revelação das principais novidades e o poder conversar presencialmente com as maiores figuras da indústria, muitas vezes num registo informal e descontraído já depois do gravador estar desligado.” relata Bruno Mendonça com u certo entusiasmo.

Ricardo Esteves na E3 2012

A seguir, contactei Ricardo Esteves, um nome que devem reconhecer de várias revistas que passaram pelas mãos da Goody. Talvez tenham lido as suas entrevistas na BGamer ou, provavelmente, leram um dos seus vários artigos numa das revistas oficiais da PlayStation e da Xbox. Ou, também há a possibilidade de se terem cruzado com uma das suas análises na Maxi Consolas. Foi uma década de experiência na Goody, na imprensa clássica em revistas impressas em papel. E ainda quase dez anos adicionais na versão portuguesa do site dinamarquês Gamereactor. Em quase vinte anos de carreira, houve apenas uma oportunidade de fazer cobertura da Meca dos videojogos, a E3. Portanto, acho que estava perante uma boa pessoa para recolher testemunhos de um evento que nunca mais voltará – mas que ficará na memória coletiva dos jogadores e de quem a trouxe através do seu trabalho. Quando pedi ao Ricardo uma boa história passada em Los Angeles, com algum humor, resumiu-me assim: “Memórias da E3? Simples: Copos, Stanley Cup e Shazam”.

Ricardo Esteves contou-nos a sua história, uma que talvez seja a mesma de muitos com quem partilhou esta experiência única: “Embora tenha percorrido o mundo para cobrir eventos relacionados com videojogos, só tive a oportunidade de ir à E3 uma vez, em 2012. Fui ao evento acompanhado pelo Rogério Jardim, na altura meu colega de redação, e ficámos ambos num quarto perto da baixa de Los Angeles.”

“Estavam outros membros da indústria portuguesa em LA, desde jornalistas a representantes do retalho, passando por relações públicas das editoras em Portugal. É um país pequeno, e o meio dos videojogos ainda o era mais. Isto facilitou o convívio, com jantares e encontros para bebidas nas noites a seguir aos dias de trabalho, e é precisamente desses momentos de que eu me lembro com maior saudade.”, disse-nos Ricardo, que recorda o evento que participou há doze anos no qual destaca os momentos de socialização com outros membros da indústria, porque segundo nos diz “no fim das contas é sempre o convívio que mais se destaca.”.

A E3 2012 foi o ano de apresentação de Watch Dogs pela gigante gaulesa. Ricardo conta-nos o árduo trabalho que foi ter de cobrir a E3 durante o dia e trabalhar o material recolhido ao longo da noite. Porém, outro pormenor que ficou gravado na sua memória nem foi a E3 em si, mas o ambiente em torno do evento, mais concretamente a vida metropolitana de LA. “Outro destaque que ficou dessa viagem à E3 foi o facto de ter coincidido com uma das finais da Stanley Cup de Hóquei no Gelo, que acabou com a vitória da equipa local, LA Kings. A vitória resultou numa grande festa dos fãs pelas ruas de Los Angeles, o que naturalmente deu outra cor à nossa estadia na cidade.”

Numa festa da gigante de Redmond para destacar a sua consola e os seus jogos, Ricardo também recorda algo do qual ficou estupefacto. Nessa festa, lembra-se bem “de ter tirado uma foto com Zachary Levi, ator que na altura era mais reconhecido pela série Chuck, embora agora a maioria o conheça agora como a cara de Shazam. Mais curioso ainda foi o facto de, momentos mais tarde, me ter cravado um isqueiro para aceder um cigarro – é sempre uma experiência algo surreal, dar lume a alguém que na televisão nunca fuma.”, assim recorda o experiente jornalista das mais conhecidas revistas de videojogos, com um misto de saudade e de tristeza por ser um evento que nunca mais voltará a acontecer.

Hideo Kojima ao lado de Rui Parreira

Ao contrário dos testemunhos apresentados até aqui, que são ex-jornalistas das mais prestigiadas e extintas revistas de videojogos, Rui Parreira ainda continua na labuta diária do jornalismo a escrever na Casa dos Bits para o Sapo Tek. A sua carreira começou há vinte cinco anos quando abriu o PTgamers. Este foi um dos primeiros portais de videojogos na rudimentar internet de 1999 quando usávamos todos o Internet Explorer. Ainda notável, foi a sua passagem pela revista Smash!, e a Bgamer, a sua última participação na imprensa das revistas em papel. Há dois momentos que recorda muito bem da E3, um festival de música e um encontro inusitado com uma das figuras com uma das vozes mais conhecidas da indústria.

“Durante a E3 é habitual as grandes editoras promoverem “after parties” depois da azáfama do dia de feira. Numa das minhas visitas, neste caso em 2010, a Activision que não tinha hábito de fazer conferências, decidiu fazer uma megafestival para apresentar, na altura, Call of Duty: Black Ops, investindo cerca de 6 milhões de euros, falava-se na altura. E não foi para menos, um luxo ver bandas como Jane’s Addiction, Usher, Eminem, Will.i.Am dos Black Eye Peas, Deadmau5 e David Guetta. Foi um concerto de luxo, onde estes nomes tocaram uma ou duas músicas para “picar o ponto”.”, recorda Rui Parreira, que até nos deu esta ligação à qual podem aceder para verem um relato da própria Rolling Stone.

“Mas noutra festa, desta vez da Nintendo num hotel, estávamos um grupo de jornalistas portugueses sentados nuns bancos. Levantei-me para buscar uma bebida e tinham-me roubado o banco. Olhei e vi um tipo bonacheirão sorridente a perguntar se queria o banco de volta. Notei que era nada menos que Charles Martinet, o até bem pouco tempo “eterna” voz do Mario. Este é um exemplo de coisas giras que se passam ao lado da E3, que no fundo era uma correria entre apresentações, entrevistas e experimentar jogos.”, conta-nos Rui Parreira mais um dos seus encontros a dentais com uma personalidade famosa da esfera dos videojogos.

Miguel Tomar Nogueira “a fugir” de um mech de Titanfall.

Miguel Tomar Nogueira fundou este site, o Rubber Chicken, em 2011. Não é um jornalista, mas é uma das pessoas que melhor escreve sobre videojogos. Ou escrevia, porque já deixou de o fazer há algum tempo, tal como os ex-jornalistas que me partilharam as suas memórias do evento que deixou de existir. A vida muda e as circunstâncias profissionais também acompanham essa mudança. Estar parado é morrer enquanto a vida passa diante dos nossos olhos. Isto foi o problema da E3 que acabou neste triste desfecho. Escrever é quase como andar de bicicleta, nunca se esquece. Pedi ao Miguel o seu testemunho porque, mesmo que não tivesse sido um jornalista, procurou cobrir a E3 como qualquer profissional do meio. Apesar de ter pedido um testemunho onde me esqueci de mencionar que não havia necessidade de ser muito longo, recebi um autêntico artigo que podia ser publicado por si só – custou-me imenso ter que cortar uma grande parte do seu texto na edição.

Li a história de um apaixonado pela indústria dos videojogos que foi à E3, em 2013, e pagou tudo do seu próprio bolso. Uma loucura do qual nunca tinha ouvido falar. E é precisamente por ser algo nunca antes feito que sabia que ia conseguir do Miguel uma boa história (consegui muito mais do que isso). Os próprios PR nem acreditavam que o Rubber Chicken iria marcar presença na E3. “Lembro-me até hoje com muita graça quando ligávamos aos PR portugueses a avisar que íamos à E3 e se nos podiam marcar slots para as apresentações de jogos, entrevistas e para os eventos principais da PlayStation e da Xbox. A primeira pergunta era: “Como assim vocês vão à E3? Qual é a marca que vos convidou e paga?” Quando dizíamos que estávamos a pagar tudo do próprio bolso, havia silêncio do outro lado do telefone. Acho que estavam a processar algo novo.”

O entusiasmo do ex-Editor-in-Chief do Rubber Chicken era quase palpável. Através das suas palavras via o brilho nos seus olhos como uma criança que entra pela primeira vez numa loja de brinquedos. Já no interior do Los Angeles Convention Center, Miguel recorda-se que “na própria feira, entrámos num megaparque de diversões para quem os jogos são amor. Quatro pavilhões gigantes onde tudo é videojogos. Estátuas gigantes representando os IPs por todo o lado, cada marca a tentar fazer mais show-off que a do lado e, principalmente, por todo o lado em gastos de promoção a noção que “o dinheiro não é problema””. A E3 era um mundo à parte e é ali que se percebe os gastos avultados que as empresas fazem com videojogos. “Foi no evento da PlayStation que percebi a dimensão gigantesca do marketing em valores monetários. Este foi o ano em que iam ser revelados os preços e datas de lançamento da PS4 e da Xbox One. O evento era num estádio coberto, e ao chegarmos, todo o parque de estacionamento estava livre de carros e contava com cerca de 40 bancas de comida de todo o tipo (do sushi aos tacos) e quatro ilhas bar gigantes no meio do parque com bebidas que iam da cerveja ao champanhe.”, conta Miguel.

“Do melhor, tenho que salientar as entrevistas. Poder estar nem que seja 10 minutos à conversa e tirar dúvidas com os developers principais dos jogos é uma experiência única. Não é a mesma coisa que enviar perguntas por email. É um cara a cara e uma experiência muito mais enriquecedora. E quando as nossas perguntas são diferentes e originais, vemos o brilho nos olhos dos criadores e a vontade de falarem tudo sobre o jogo. Temos que nos lembrar que temos à nossa frente pessoas que passaram muitas noites mal dormidas nos últimos 3 a 5 anos a criar aqueles seus bebés.”, recorda o ex-editor do Rubber Chicken com saudade. “A outra questão que se salienta são as amizades que se fazem. Foi a primeira vez que conheci o Rui Parreira, e ficou para a vida, numa semana em que todos os que nos cruzámos, de todos os lugares do mundo, não se importam de ficar horas seguidas a debater jogos. Por fim termina com o que nunca esquecerá: “Foi engraçado cruzar-me com o Steven Spielberg e com o Conan O’Brien no meio dos pavilhões e muitas outras memórias que ficam, mas há uma especial que foi o jantar organizado pela malta da Nintendo Portugal com os media portugueses. Mas sobre essa noite, o que se passa em Los Angeles fica em Los Angeles.”. Miguel, a brincar, ainda me assegura: “Não te preocupes. Ninguém foi preso.”.

Estas são histórias como tantas outras de quem lá esteve. São momentos de uma experiência única que ficou tatuada na memória. Assumo que foi uma sorte e um privilégio ter sido um jornalista (ou outro profissional do meio) e assistir, na primeira pessoa, a acontecimentos incríveis e irrepetíveis. Não foi só o trabalho que moveu estes cinco profissionais, mas uma profunda paixão pelos videojogos. E desse labor resultaram páginas, páginas e mais páginas de notícias, reportagens, entrevistas e artigos. Foi um trabalho duro cobrir a E3; as pernas cansadas, as noites mal dormidas, mas a sensação de satisfação de um dever cumprido para com os leitores.A E3 era amor pelos videojogos, visto de uma forma mais romântica, porque na verdade a feira era mais uma engrenagem na enorme máquina do marketing das grandes produtoras e fabricantes de consolas. Quando viram que este evento é uma peça obsoleta e e gasta, esta deixou de fazer parte das despesas na promoção dos seus videojogos. A morte gradual do evento chegou ao fim, nem a ReedPop (produtora de eventos como Star Wars Celebration, EGX e PAX) foi capaz de arranjar uma cura para a E3. Agora, o que restam, são estes fragmentos de memórias; neste momento, o que ficam são as memórias.