Por Rui Pedro leite
11 de Janeiro de 2004
Durão Barroso é o primeiro-ministro de Portugal, Jorge Sampaio Presidente, o Mourinho treinava o Porto e o Euro 2004 estava à porta. E eu? Eu estava a criar a minha conta Steam no meu AMD Athlon XP 2000, ATI Radeon 9800, 256 RAM, monitor CRT 17’ Samtron com FLATSCREEN(!) e uma caixa azeiteira Raidmax com fonte incluída (a verdade é que a fonte nunca deu problemas e foi usada num servidor até 2010).
Desde 2000 que jogava Half-Life e os respetivos mods com a CDkey do meu irmão mais velho, ele explicou-me que podia ser usada a mesma chave de jogo por várias pessoas, desde que os jogadores que a partilhassem não estivessem no mesmo servidor. Claro está, esta partilha vinha com uma obrigação: não jogar em servidores portugueses para não haver conflitos de CDkeys com ele. Eu acedi e cumpri. No meio das minhas aventuras CS’ianas internacionais fiz um amigo holandês, com quem comecei a jogar frequentemente, que usava o fantástico nick vEnieTigeR88.
Tanto eu como ele partilhávamos o de_inferno como mapa favorito e passamos umas boas horas lá metidos, eu de AWP ou scout, ele de M4 ou AK. Ele adicionou-me no ICQ e em conversa chegamos à conclusão de que estávamos no mesmo barco, ele usava a chave de Half-Life do primo e também tinha de evitar os melhores servidores holandeses, ou seja, além de não podermos jogar com eles, tínhamos de andar metidos em servidores franceses, espanhóis ou alemães para poder jogar sem conflitos. Ora, isto também significava levar com uns terríveis 140/180ms de ping, eu particularmente na minha fantástica conexão RDIS. Decidimos por volta de 2001/2002 trocar CDkeys, juramos nunca dar a chave a mais ninguém, eu enviei primeiro e ele depois. Finalmente… Finalmente podíamos jogar com os nossos familiares e em servidores nacionais! Quando queríamos jogar juntos, mudávamos novamente para a chave que já usávamos previamente.
Como bons adolescentes e amigos online deixamos de falar passado uns meses, mas a verdade é que a principal razão foi mais do que óbvia: depois de jogar frequentemente em servidores com 50ms de ping é difícil voltar atrás, ele desapareceu para o lado digital do Reino dos Países Baixos e eu no meio do mato lusitano.
Lá para o final de 2003 a Steam foi oficialmente lançada – não foi bonito, nada bonito. Bugs, servidores lentos, interface esquisito e ninguém percebia muito bem qual era o objetivo daquilo, uma complicação desnecessária e mais um chat para juntar à pilha que já tínhamos entre ICQ, Messenger, mIRC, etc. Resumindo, a Steam não começou da forma polida e adorada que conhecemos, houve imensa resistência e os puristas queriam continuar longe da plataforma aparentemente inútil, eu era um deles.
Por esta altura estava completamente vidrado no Medal of Honor: Allied Assault e Natural Selection, o último um mod de Half-Life que, na minha modesta opinião, foi o melhor que alguma vez existiu. Era membro do clã xLz, que até cheguei a liderar envergando orgulhosamente o nick -xLz.dOntlOoK-, tínhamos ganho umas wars, entrado nuns torneios manhosos e abrimos posteriormente um servidor na FRAGLíder. Queria lá saber da porra do Steam, jogar de gorge no Natural Selection e uma sniper em Stalingrad era a única coisa que valia a pena.
Mas o inevitável aconteceu, cada vez mais amigos estavam a usar a Steam, a malta estava a habituar-se, a plataforma lentamente a melhorar, e eu comecei a sentir-me um velho rabugento sozinho a um canto a mandar vir. A 11 de janeiro de 2004, domingo, às 16:28, altamente influenciado pelas massas, criei finalmente uma conta Steam com o meu fantástico primeiro e-mail da Hotmail (que embaraçosamente ainda hoje é o meu login). Depois de instalar o executável abri um .txt que tinha no meu desktop do Windows XP, desktop esse adornado com uma barra de menu iniciar dupla em cinza metálico e um wallpaper maravilhoso de um onos no Natural Selection a combater um marine.
Dentro do ficheiro .txt, no meio de passwords e comandos de consola para o Half-Life religiosamente guardados, estava também uma simples linha de texto:
vEnieTigeR88 HL KEY: XXXXXXXXXX
Será que vai dar?
Ctrl+C, Ctrl+V, Enter … successfully redeemed.
Aproveito a ocasião para pedir desculpas publicamente ao vEnieTigeR88 (e ao primo dele). A minha conta Steam foi criada de forma trapaceira, 20 anos depois tenho de admitir isto ao mundo reconhecendo simultaneamente que o Rui de 16 anos era claramente um lixo a nível ético.
A Steam cresceu muito, amadureceu e tornou-se de longe na minha plataforma favorita – do ódio fui ao amor, a Valve fez um trabalho brilhante ao longo dos anos e está de parabéns. Hoje, volvidas duas décadas, o Rui de 16 anos nunca poderia acreditar que ia estar casado, com um filho, ainda um ávido gamer, a escrever uma história sobre como criou a sua conta Steam (que ironicamente ainda uso praticamente todos os dias), mas também como furtou a chave de Half-Life de um holandês aleatório que conheceu na net, numa outra vida.
Hoje, olho para a minha conta e vejo screenshots, milhares de horas de jogo, uma mensagem no perfil com 13 anos de uma pessoa a pedir-me para o adicionar no MSN Messenger, memórias, amigos que não estão online há 12 anos, o que é feito deles? Seguiram com a vida? Deixaram de jogar? Morreram? Não sei, mas é inevitável pensar na última opção. A minha conta Steam não é só uma prateleira cheia de jogos, são experiências, risos, amizades, inimigos, frustração, dedicação e também colecionismo.
Já agora, e o meu irmão? Bom, ele adicionou a chave de Half-Life dele na Steam sem problema nenhum. Coitado do holandês, ainda por cima foi mesmo decente… Vinte anos depois ainda tenho pena do rapaz!