Como fã de consolas portáteis, de alguns géneros famosos e comercialmente bem-sucedidos no Japão, e proprietário de uma PS Vita, admito que durante anos ansiava a chegada de uma promoção muito específica nas consolas da Sony, a campanha apelidada de Big in Japan. Era aí que ora adquiria JRPGs, tactical RPGs, visual novels e demais jogos de criação e gosto nipónicos que estavam no meu radar à espera de um desconto, ou mesmo de encontrar jogos que ainda não conhecia. Um deles foi Sorcery Saga: Curse of the Great Curry God, um dungeon crawler onde tínhamos de derrotar monstros em masmorras para obter ingredientes para o nosso restaurante local.

Cuisineer, recém-lançado em Switch e PC pela mão da Marvelous vem trazer uma experiência similar, com a diferença que nos traz um loop mecânica dividido entre o dungeon crawling e a gestão de um restaurante.

Com uma direcção de arte que cruza uma abordagem inspirada na estética manga e anime com um mundo colorido, vibrante e familiar, Cuisineer cativa-nos logo por esta aura de aconchego com que nos recebe.

O ponto de partida deste jogo é o tradicional neste jogos cosy: o peso de salvar o negócio familiar recai sobre os nossos ombros, neste caso o restaurante que pertence aos nossos pais. E sob o risco de ruína financeira e bancarrota o que é que os nossos progenitores fazem? Se a vossa resposta foi “arregaçar as mangas e ajudar-nos a elevar o negócio da família”, então acreditem que estão completamente errados. Em tempo de sufoco financeiro o que decidem os pais de Pom, a nossa protagonista felina antropomórfica, é ir de férias e deixar a responsabilidade de salvar o seu ganha-pão em cima da filha. Tento não os julgar com as limitadas informações que dispomos sobre o passado dos três, mas como pai diria que a situação não abona a fazer dos progenitores de Pom serem pessoas muito responsáveis. Ou empáticas.

Dada a nossa limitada conta bancária temos de nos fazer à estrada, ou neste caso, à floresta, para recolher ingredientes para os nossos cozinhados. E é aqui que entram os segmentos de dungeon crawling roguelike: temos de ir a “dungeons”, que logo aqui se assumem no início como uma floresta proceduralmente gerada.

As nossas armas, das iniciais às mais poderosas que iremos adquirir, são todas com a temática culinária. Assim como os recursos e loot que recebemos de derrotar os monstros, também eles, com visuais ou temas gastronómicos. As hordas de galinhas vão dar-nos ovos e carnes brancas, e os conjuntos de pimentos a disparar fogo vão, como se esperaria, dar-nos pimentos para tornar picantes alguns dos nossos pratos. Pelo meio de cada run podemos ainda recolher madeira e minerais que serão utilizados para fazer diversos upgrades no restaurante e no nosso equipamento.

O combate é simples, com um botão de ataque principal e duas habilidades (também elas culinárias) relacionadas com o equipamento que trazemos, e o habitual dodge fecha a pirâmide tradicional de movimentos do jogo. 

A gestão do inventário é outro elemento da fórmula tradicional do género que encontramos, e por diversas vezes vamos estar indecisos sobre que recursos trazer connosco, e quais deixar pelo chão.

Apesar do ar colorido e simpático, as runs de Cuisineer são extremamente desafiantes, com as armadilhas pelo cenário, os ataques dos muitos inimigos e até os debuffs e damage-over-time a fazerem-nos perder mais rapidamente do que esperávamos para um jogo tão “simpático”. Com um sistema de ataques de elementos com forças e fraquezas, mas que assumem aqui também um aspecto temático, com os elementos de salgado, amargo, doce e azedo.

A penalização por sermos derrotados nas dungeons é a de perdemos uma percentagem do loot que encontrámos, o que acaba por ser uma grande perda no rácio de tempo investido e o que conseguimos amealhar.

De volta à nossa cama, no quarto dos fundos do restaurante – tenho sérias dúvidas que a ASAE permitisse uma configuração de espaço comercial assim – podemos então abrir e fechar o estabelecimento a qualquer hora para lucrarmos com a confecção gastronómica dos ingredientes que caçámos nas dungeons.

A gestão do restaurante remete-me muito para o clássico Diner Dash. Os clientes chegam, recolhemos o seu pedido, dirigimo-nos ao fogão, cozinhamos esse pedido, esperamos, e levamos-lhe o prato (ou deixamos que eles se levantem e o recolham da bancada do restaurante). De seguida temos de ir até ao balcão da entrada para recolher o pagamento.

A deambulação dos clientes é bastante automática: se existir espaço livre eles escolhem os seus lugares para sentar, recolhem a sua comida, e levantam-se para pagar. Se um cliente chegar e desejar um prato que não conseguimos produzir, ele fica apenas ali na entrada e sairá com reclamação 1 ou 2 minutos depois, penalizando o nosso bónus do dia.

Este segmento é capaz de ser mais insípido que o de dungeon crawling, visto que não só é bastante casual – especialmente para quem se lembra da loucura do ritmo de Diner Dash, ou mesmo de Dave the Diver, como o loop mecânico nos deixa sempre a saber a pouco com a monotonia do ciclo do restaurante, e a extrema reutilização de assets de clientes.

Como seria de esperar num jogo mais aconchegante como este, temos ainda muitos personagens na vila para conhecer, e alguns serviços associados, como ferreiros. 

Apesar de achar a direcção de arte de Cusineer deliciosa, e a dualidade mecânica similar ao que ainda este ano tivemos com muito sucesso com Dave the Diver, sinto que este indie do estúdio BattleBrew Productions de Singapura falha, sobretudo, no elemento de gestão de restaurante, que poderia ter mais profundidade do que aquilo que apresenta, resultando, ainda assim, num divertidíssimo dungeon crawler para toda a família.