O texto em questão pode conter spoilers
Majora’s Mask é um jogo para todas as idades, e também não o é, vivendo eternamente num paradoxo. É desta forma que decido começar este texto de uma das experiências que mais me impressionou, chocou e fez-me questionar o sentimento de perda e a própria existência. Poderá parecer demasiado esta mistura de sentimentos, mas quem pegou na “sequela” de Ocarina of Time sabe perfeitamente do que estou a falar, especialmente se o jogou ainda em jovem/criança. Pensando bem, há vários momentos que podem ter gerado esse sentimento de choque, por diversas razões e motivos, mas o que quero falar aqui hoje é sobre o sentimento de perda.
Majora’s Mask é uma viagem sobre “perda”, e começa logo no primeiro instante quando Link, que abandonou Hyrule em busca de Navi, vagueia perdido em busca da sua antiga companheira de Ocarina of Time. O arranque é frio e intimidante, com o protagonista a ser forçosamente transformado num deku (basicamente, uma árvore que se mexe), sentindo-se o desespero em Link, que segundos antes tinha visto Epona a ser raptada por Skull Kid, o suposto vilão.
Inicialmente parece tudo muito simples entre recuperar a humanidade, parar o vilão e repor a normalidade, com esse tapetinho da normalidade a ser puxado no fecho do acto inicial. Quando parece que derrotámos Skull Kid, uma sinistra máscara solta-se da face do antagonista e dá o empurrão final para que a lua embata e destrua Termina. Parecendo que não há esperança, um (misterioso) vendedor de máscaras consegue parar e impedir que o mundo acabe, explicando que o tempo estará preso entre três dias, voltando ao início sempre que regressarmos à casa de partida.
A minha primeira reação a este primeiro capítulo foi “ok, isto não é um Zelda normal”. Mal sabia eu que a palavra “normal” é inexistente em Majora’s Mask e que tudo gira em torno de novos pressupostos. Enquanto que em todos os Zeldas anteriores jogámos sempre como Link, o rapaz vestido de verde com os punhos cerrados numa espada e escudo, em Termina temos de nos transformar em Dekus, Gorons, Zoras e muito mais para amparar os golpes lançados por Skull Kid e Majora.
Mas nada é linear, nada, pois quando colocamos as máscaras ficamos a saber que foram criadas a partir do espírito de um defunto, recebendo parte das suas memórias e, por conseguinte, a sua tristeza por ter abandonado o mundo precocemente. A morte paira constantemente ao lado de Link, sendo o tema principal de Majora’s Mask. Da longa lista dos vários Legend of Zelda, este pareceu-me ser aquele em que há uma tentativa (conseguida) de uma reflexão filosófica sobre as temáticas da vida, morte, perda, desilusão, solidão e aceitamento. Todo o jogo é estranho, e na altura esta sensação ainda foi mais saliente, especialmente porque estava a começar a dar os primeiros toques no fatalismo de viver e no existencialismo humano.
Toda a viagem de Link por este estranho território é bafejada por situações complexas. Vale a pena perderem tempo a jogar, e sabendo que vou spoilar daqui a pouco o final, há uma série de side quests que valem a pena serem feitas, para perceber muito bem o que Eiji Aonuma, Yoshiaki Koizumi e Shigeru Miyamoto tentaram aqui oferecer.
Avançando rapidamente para a conclusão, após o pré-boss final, somos deparados com uma cena fantasmagórica que hoje em dia faz cada vez mais sentido para mim. Para quem não jogou, tento fazer um retrato rápido mas fiel da situação. Link salta para dentro da Lua e vê-se perante uma ermo verdejante com uma árvore de copa larga no topo. Cinco seres habitam este plano etéreo. Cinco crianças.
Quatro estão a brincar e aparentemente felizes, enquanto um 5º está sentado debaixo da copa, sentindo-se nela uma tristeza profunda. Quando parece que voltámos ao campo linear do “Link derrota um dos bosses finais para se atirar ao próximo”, caímos novamente no estranho. Esta parte de Majora’s Mask ainda hoje vive sob intenso debate, com várias teorias a terem sido apresentadas nas últimas duas décadas. Porém, e apesar de existirem essas teorizações todas, há algo que fica claro para o jogador: a solidão foi um veículo de loucura para Skull Kid e a sensação de perda o levou a cometer actos hediondos. Skull Kid está representado naquela 5ª criança sentado isoladamente e à parte de tudo. O pânico de ficar sozinho transformou-se em raiva, e o antagonista (que acabou por ser controlado pela máscara) decidiu punir aqueles que no passado eram os seus amigos.
Estou aqui todo filosófico a falar disto como se na altura tivesse atingido o ponto central desta cena, quando na realidade só pensava “eia, e o que é que faço agora?”, tendo ido directamente na direção do rapazinho que ostentava a máscara Majora. Só muito mais tarde percebi que havia a possibilidade de desbloquear a máscara de Fierce Deity e tornar toda a última batalha numa brincadeira para crianças.
Mas bem, quando finalmente – após várias tentativas – coloquei um ponto final na loucura de Majora, senti-me “cheio” mas ao mesmo tempo algo vazio. Skull Kid cresce e percebe que nada é eterno, tendo que saber dizer adeus sem guardar ressentimento; Link continua sem encontrar Navi, mas começa a aceitar que talvez nunca mais verá aquela companheira de Ocarina of Time; e Termina volta à sua paz, com os seus cidadãos a recuperar de vários episódios amargurantes. Porém, há aquele que é, para mim, “o” momento que melhor exemplifica o que é Majora’s Mask: quando vemos o pai do espírito da máscara de Deku que usámos durante todo o jogo, a fazer luto pelo filho.
Quando os créditos começam a rolar, e a música de fundo a fazer-se ouvir, surge a tal cena do meio do nada, com o mordomo do rei dos Deku ajoelhado perante uma árvore inerte e sem vida, chorando desalmadamente ao perceber que é o seu filho que ali está. Mesmo com o facto de Link ter salvo Termina, há fins que são… finais. Os espíritos que habitam as máscaras usadas não foram milagrosamente reanimados, e os seus familiares e amigos terão de aceitar a sua perda.
Não há uma vitória gloriosa e plena neste jogo. Sim, Majora foi parada antes que consumisse por completo Termina, mas o vazio continua a morar em vários espaços, com a perda a ser palpável e real. É uma experiência que choca, e que bebe de apontamentos depressivos e solenes, ensinando lições valiosas entre o saber aproveitar o tempo que temos, de enfrentar as consequências pelos nossos actos sejam aventuras heroicas ou lutar por quem mais amamos, e de aceitar o fim das coisas.
A melancolia, tristeza, saudade e abandono são temas agressivamente expostos naquele que é um dos fascículos mais desconcertantes de The Legend of Zelda, numa viagem claramente dedicada não só para aprender o que é a perda, mas as suas consequências e de como o sofrimento destrói e reformula vidas. É o jogo que menos joguei de toda a saga, e muito tem a ver com os temas do existencialismo que carrega em si, algo que eu nunca lidei bem.
A perda faz parte daquilo a que chamamos vida, e Majora’s Mask lembra isso, ensinando também que não podemos viver para sempre na dor, sendo importante ultrapassá-la sem nunca esquecer as boas memórias de quem partiu.
Os meus sentimentos à família e amigos do Telmo Couto. Nunca convivi próximo com ele, mas vi a sua profunda paixão pela Nintendo e o mundo de Zelda. Que a Tri-Force esteja contigo.