Há oito anos contactei pela primeira vez com um estúdio e uma série que viriam a ser verdadeiramente inovadoras na forma como nos trouxeram uma maneira distinta de criar jogos onde o impacto das nossas escolhas eram mecanicamente evidentes. Nessa mesma altura também desconhecia o Tinder – viria a vê-lo a primeira e única vez na vida a ser utilizado por um ex-membro aqui da redação. A ponte mental entre os gestos de um e a inovação do outro foi criada de imediato.
Com Reigns, o estúdio Nerial tornou-me um seguidor de tudo o que produzia com esta forma mimetizada dos gestos do Tinder para contar histórias. Mas neste caso histórias em que não temos apenas uma existência passiva, mas onde cada uma das milhares de escolhas subsequentes que nos são apresentadas vão lentamente conduzir o nosso sucesso ou à nossa perdição. Esta proximidade com a originalidade da série levou-me, inclusivamente, a fazer Kickstarter da adaptação do jogo de tabuleiro que prometia trazer esta experiência narrativa imersiva para a mesa de jogo.
Ao quarto título da série, depois da Nerial ter dado um passo por Westeros no auge da série de televisão Game of Thrones, e de ainda ter feito um desvio por um jogo que esteve no meu top de 2022, Card Shark, Reigns vai até a um setting já muito explorado nos videojogos: Romance of the Three Kingdoms, de Luo Guanzhong.
Apesar de ter chegado há poucas semanas ao PC e à Switch, Reigns: Three Kingdoms já está lançado desde 2022, mas numa plataforma do qual raramente falamos, mas que vai tendo alguns exclusivos temporários de relevo: a Netflix. Este jogo da Nerial foi até um dos grandes destaques do gigante do streaming no seu ataque a outro mercado de entretenimento, o dos videojogos, mas parece-me que nos falta ainda o hábito de olhar para si como uma plataforma de jogos, especialmente com a qualidade como este Reigns: Three Kingdoms.
Ainda que o épico chinês se ter tornado famoso por terras videolúdicas pelas aventuras videolúdicas de musous como Dynasty Warriors, desta vez vamos conhecer a queda da dinastia Han através de um jogo de cartas narrativas que curiosamente, e pela primeira vez na série, traz também combate.
A fórmula que popularizou a série está aqui, intocada. Temos quatro variáveis distintas, que vão sendo reduzidas, ou aumentadas, mediante as nossas escolhas. Se alguma dessas variáveis ficar completamente cheia ou vazia, perdemos o jogo. O equilíbrio, como em tantos elementos da nossa vida, é tudo.
Mas a Nerial decidiu ir muito mais longe com os seus ingredientes. Começamos pela vertente rogue-lite típica da série mas que se correlaciona com o aumento do patamar de desafio deste título quando comparado com os antecessores. No desafio de reunificar os Reinos vamos progressivamente “destrancando” províncias, que permanecem abertas mesmo após a nossa morte e o recomeço do nosso jogo.
O sistema conceptual por trás da explicação da nossa morte e reincarnação parece demasiado roubado da Abstergo. Um elemento desnecessário numa série onde a suspensão da descrença de novas runs é feito pela imersão narrativa em si, sem necessidades de contexto.
Desta feita, para além das nossas decisões implicarem alterações às variáveis e às ramificações do jogo, vamos também recrutar personagens à nossa causa, materializados como cartas com estatísticas e poderes próprios.
Este elemento de recrutamento é pensado na maior adição à série até então: batalhas de cartas. Apesar de ser mecanicamente muito simplificado, onde cada carta tem dois valores apenas e o nosso objectivo é conseguir derrotar as cartas adversárias sem perdermos as nossas, num sistema que talvez leve mais de um par de jogos a compreender.
Ainda mais surpreendente é o facto da nerial ter levado o sistema de combate para além do PVE e de ter criado pela primeira vez um sistema de PVP utilizando este sistema simplificado de combate.
Tantas vezes criticamos os estúdios por manterem as fórmulas estanques, que sinto um sabor agridoce por não ter adorado aquela que é a maior adição de sempre à série. O combate, apesar de simples, e de se correlacionar conceptualmente com a temática bélica, de alguma forma acabava por cortar-me o ritmo muito próprio que Reigns tem. A sucessão (antes) ininterrupta e muitas vezes non siquitur de assuntos sobre os quais temos que nos debruçar torna sempre cada run altamente intensa, especialmente num jogo onde a política e a religião assumiram um papel tão importante.
As pausas para combate acontecerem como interrupções ao ritmo intenso de swipe-swipe-swipe que cada decisão acarreta, e dada a sua extrema simplicidade nunca senti que necessitasse desse palate cleanser para me manter afastado do ritmo narrativo.
Reigns: Three Kingdoms é, ainda assim, o mais complexo e desafiante de todos os jogos da série. Um jogo que apesar do meu gosto pessoal em relação à adição do combate, quis arriscar e evoluir para além de uma fórmula testada de sucesso que seria suficiente para a Nerial e a Devolver verem neste quarto título da série mais um sucesso garantido.