É com um sabor agridoce que falo sobre Bandle Tale: A League of Legends Story. Entre a alegria de ver um estúdio que admiro e conheço desde a sua origem a expandir um universo do qual sou próximo e a tristeza de saber que este é o derradeiro lançamento de uma chancela que certamente teria ainda muito para dar.

Com o ano de 2024 a começar com a Riot a juntar-se a tantas outras empresas que despediram centenas de pessoas e que demonstraram publicamente a viragem de agulhas das suas estratégias. Depois de anos a elogiar a gigante californiana que se soube dirigir com elementos-chave da indústria de videojogos, e que souberam olhar para o futuro da empresa numa perspectiva de expansão. Fulcral para essa visão foi Greg Street, ex-Blizzard, e que viria a tornar-se Head of Creative Development, estando por trás de uma estratégia transmedia que incluiu não só as BDs publicadas pela Marvel, mas também os acordos audiovisuais que conduziram à criação do soberbo Arcane, como a fundação de uma chancela de jogos indie em torno de personagens e do lore de Runeterra.

Mas estamos em 2024, Greg Street e alguns dos membros seniores que trabalharam consigo já não estão na Riot, e visto que as empresas são as pessoas que a compõem, essa estratégia de crescimento narrativo do lore de League of Legends foi um dos visados nos cortes instituídos à corporação. Citando o próprio Street num tweet recente, apesar dos jogos da Riot Forge não terem as margens de lucro que LoL e Valorant têm, nem sequer de forma aproximada, estes títulos permitiram que estúdios indie de sucesso reinterpretassem os seus maiores jogos com uma patine de League of Legends, dando-nos histórias diferentes para os personagens amados por milhões.

Coube a um dos estúdios que mais admiro, e que conheci numa apresentação improvisada com um portátil na Gamescom de 2014 a inglória tarefa de fechar a porta a esta chancela. O pequeno estúdio originário de S. Petersburgo, os Lazy Bear Games, autores de maravilhas como Punch Club e Graveyard Keeper, desenvolveram o último título, que chegará às lojas digitais do Steam e Switch daqui a 2 dias.

Ao contrário do que muitos artigos diziam, e até pelo que eu próprio inferi do curto trailer de apresentação, Bandle Tale: A League of Legends Story não é um farming RPG. É um cozy crafting RPG que reutiliza mecanicamente tudo o que Graveyard Keeper criou, mas adaptado ao ambiente dos Yordles, as pequenas criaturas imortais que conhecemos em League of Legends.

Como um jogador que começou a jogar o famoso MOBA no final da primeira temporada competitiva do jogo, é interessante ver este colorido e amistoso título explorar o contexto da terra de origem de personagens tão queridos por todos. Tristana, Rumble, Veigar e Teemo são personagens existentes há anos e que têm aqui o seu lore e as suas ligações inter-pessoais desenvolvidas neste jogo.

Em Bandle Tale: A League of Legends Story somos um yordle especialista em bordados que acabou o seu processo de aprendizagem de 101 anos de estudo, e que, após mais de um século de reclusão, participa numa festa com o seu melhor amigo. Mas um acidente acontece e para além de perdemos Ozzy, o nosso melhor amigo, por um dos portais, também estes deixam de funcionar. Cabe-nos a nós, enquanto hábil bordador a capacidade de os restaurar.

Este é o ponto de origem que nos levará por dezenas de horas até à conclusão do jogo. Uma viso prévio às considerações que irei bordar sobre Bandle Tale: A League of Legends Story – a Riot alerta que em média teremos de investir 40 a 60 horas para terminar o jogo. Eu consegui completar tudo o que havia para fazer e obter todos os achievements em 30h30, graças à experiência que tinha com Graveyard Keeper, o jogo de onde Bandle Tale: A League of Legends Story é decalcado. E deixo também um aviso: contrário às minhas expectativas, este é o pior jogo que já joguei do estúdio Lazy Bear. Ainda que seja um jogo bom, que peca por ser excessivamente encriptado.

O desafio de explicar mecanicamente Bandle Tale: A League of Legends Story é equivalente ao esforço que temos de fazer para o terminar. Este cozy game tem o foco total em recolha de recursos, mas sobretudo crafting. Apesar dos 101 anos de aprendizagem, começamos esta aventura sem saber nada, e essa forma do tutorial nos mostrar aquele que vai ser o nosso pesadelo nas próximas dezenas de horas: navegar 4 fluxogramas distintos que são 4 árvores de tecnologia distintas e que vamos ter de ir desbloqueando progressivamente para podermos ter acesso a novos craftings, e assim sucessivamente. 

Os pontos necessários para desbloquear esse conhecimento nos 4 fluxogramas são os chamados Pontos de Inspiração, ganhos a executar qualquer acção desde que ela seja novidade para o nosso protagonista. Seja recolher materiais, fazer crafting, dar uma festa, cozinhar ou comer, todas essas acções vão-nos dando emoções que podem ser convertidas em pontos de inspiração quando dormimos. À medida que executamos a mesma acção repetidas vezes ela vai gerando menos emoções, até ao ponto de não ter qualquer efeito em nós.

Esta forma de ganhar experiência – ou inspiração, como é apelidada aqui – faz-nos incorrer num dos grandes problemas de Bandle Tale: A League of Legends Story: é fácil perdermo-nos nos fluxogramas. 

O trajecto da história e das quests de Bandle Tale é igual: chegamos a uma quest que nos vai exigir fazer crafting de determinado recurso ou objecto, entregá-lo a um personagem ou utilizá-lo numa reparação, e avançamos na história. Mas a forma como os fluxogramas distintos existem levam-nos a uma total confusão, à medida que os requisitos para cada objecto se tornam também eles mais complexos. Imaginem um cenário simples: chegamos a um momento do jogo em que temos de fazer papagaios de papel. Desbloqueamos o patamar correspondente para podermos fazer crafting, mas percebemos, subitamente, que não sabemos como ter acesso a nenhum dos ingredientes que o compõem. Vamos ter de correr os fluxogramas todos, um a um, a tentar encontrar qual aquele que desbloqueia a obtenção ou criação de determinado ingrediente. Fazê-mo-lo, e percebemos que ainda não temos como obter um ingrediente que é necessário para criar aquele primeiro ingrediente, e seguimos na nossa viagem pelos fluxogramas, na esperança de ter pontos suficientes para desbloquear tudo o que necessitamos de aprender. Isto, depois do desafio de termos de apontar em papel onde estão cada um dos conhecimentos interligados em diversos fluxogramas.

Somemos a isto aquela que é para mim a pior decisão mecânica deste jogo: a criação de auras. Não bastasse toda a excessivamente complicada árvore interligada de conhecimento e desbloqueios, e os autores decidiram adicionar outra variável ao crafting: as auras. E o que são as auras? Uma habilidade projectada no chão, normalmente por um aparelho. Para o explicarmos melhor fica um exemplo simples: podemos ter uma forja que necessita de uma aura de fogo para produzirmos metais mais complexos. Para isso temos, no espaço limitado de colocação dos nossos aparelhos e mesas de crafting não só uma forja, mas temos de anexar uma espécie de forno de forma a que ele projecte em cima da forja a aura de fogo necessária. Este é o exemplo simples. A partir de meio do jogo teremos correntes de produção que necessita de auras de nível II que são atingidas ao colocar um aparelho a projectar uma aura, em cima de outro aparelho mais avançado, por sua vez a projectar essa mesma aura de nível II em cima de uma mesa de crafting. Parece complicado, e é, e obriga-nos a estar constantemente a mover mesas e aparelhos para conseguir que tudo funcione. E nem preciso de exasperar que estes aparelhos de projecção de auras funcionam também eles com recursos utilizáveis que temos também de fazer craft em circuitos igualmente complexos.

Em Bandle Tale perdemos grande parte do nosso tempo ora a fazer grind de crafts e recursos, para alimentar novos recursos, ou para obter pontos de inspiração, ou a tentar perceber todos os posicionamentos que necessitamos de ter para produzir um objecto apenas necessário a completar uma quest.

Isto piora na mecânica de festivais. Conceptualmente temos algo muito interessante neste jogo: a nossa casa converte-se numa pequena mala que carregamos de um lado para outro. Quando assentamos arraiais, podemos puxar cordas da nossa casa para estender no chão uma manta que serve de “chão mecânico” seja para venda ambulante, para restaurante ou para festas.

As festas, enquanto mecânica, são o grande objectivo do jogo, aquele pelo qual todas as quests e sabedoria de crafting é feita, e são, ao mesmo tempo, um dos momentos mais irritantes de todo o jogo na forma como se preparam. Há tantos requisitos que são muito pouco explicados para dar uma festa que demorei pelo menos 15 horas a perceber porque é que por vezes tinha todos os dados numéricos para dar uma festa e outras vezes não.

As festas são temáticas e têm o símbolo de uma das 5 ilhas que compõem Bandle Tale. Para além disso, cada festa tem uma série de requisitos: determinado número de convidados (e cada um deles tem requisitos numéricos específicos), número de customizações, e de tipo de música e iluminação. Para além disso, e esta é a parte que nos irá obrigar a destruir e construir decorações nos espaços limitados: temos de responder a 3 variáveis para a festa decorrer, com ambiente, visual e música, a estarem em intervalos específicos. Cada decoração indica-nos os valores que contribuem, e só depois de termos todas estas variáveis cumpridas é que podemos começar o mini-jogo do festival. Aí temos de recolher uns globos de diversão criados pelos convidados e andar a entregá-los a um portal na casa antes que o tempo esgote.

Se chegar aqui é complicado, imaginem andar a correr o esparso tutorial para tentar entender como obter alguns dos números que ali surgiam nos requisitos dos convidados para sequer aparecerem na festa. E aproveito para vos dizer, caso venham a jogar a este jogo: esses números que surgem são resultado da outra manta e outro mini-jogo que temos, o da culinária. Em cada ilha podemos abrir um restaurante, onde mecanicamente temos de utilizar alimentos, equipamento e receitas que desbloqueámos no fluxograma para elaborar pratos e entregá-los a tempo em sequências idênticas a Overcooked. Mediante a nossa capacidade de satisfazer atempadamente os pedidos, o contentamento dos nossos visitantes vai contribuir para a alegria geral da ilha: uma variável pedida pelos convidados  das festas sem que ninguém da Lazy Bear nos tenha explicado como funcionava.

As mecânicas de festivais e restaurante e as suas interligações são talvez dos elementos menos explicados num jogo que se queria amigável e que sofre da tendência excessiva de nos explicar muito pouco.

Na linha de aproveitamento de todo este jogo existem duas curvas muito definidas. A primeira que vai até a meio, onde nos sentimos perdidos, onde não percebemos como as festividades acontecem e onde andamos perdidos nos fluxogramas. Invariavelmente pelo meio descobrimos que inadvertidamente andámos a gastar pontos em tecnologias que ainda não precisamos, e que nos faltam pontos para as que necessitamos. E uma curva posterior a esse sentimento de irritação, onde caímos num grind excessivo e na frustração de andar a reorganizar as nossas estações de crafting com a malograda ideia das auras.

Não vos consigo expressar a pena que tenho por um estúdio que tem feito tanta coisa inovadora e deliciosa na sua curta carreira tenha tido ideias que derreiam por completo o prazer que temos num jogo que visualmente é divinal. Diria até que para um estúdio que já tinha uma imensa qualidade na sua direcção de arte, que a pixel art que vemos aqui, com o seu nível de detalhe e vibrância poderá ser um dos pináculos da abordagem artística que já vi.

Bandle Tale poderia ser mais bem explicado e menos dependente de um grind monótono, no qual passamos grande parte do tempo a gerir tempo e a andar de um lado para o outro a recolher recursos quando estes fica disponíveis, a responder a simples fetch quests e a ganhar pontos para progredir nos nossos fluxogramas de tecnologia e saber.

2 em uniões interessantes com os melhores criadores independentes do mundo, como é o caso da Lazy Bear Games. Um título que peca por um mindset excessivamente críptico e que colide com a ideia de cozyness que o género, e o próprio título pediam.