Eu sei que sou mesmo chato. Quando deveria estar a focar-me num dos mais divertidos e originais puzzle games indie que joguei nos últimos tempos, decidi perder tempo a falar de uma maleita que afecta as línguas nos dias de hoje, onde o Português não é decerto excepção. O vocativo, assim como a democracia, está sob ataque cerrado.
Mas o que é, afinal, o vocativo? É o elemento separado da oração que tem como função chamar ou interpelar o interlocutor no discurso directo, usualmente separado por um sinal gráfico, em especial a vírgula.
Portanto, e perdendo mais um parágrafo neste assunto – até porque o vocativo existe também na língua inglesa – das duas uma, ou a criança que é o centro de todo este jogo tem o nome ou a alcunha de Sweet Dreams Alex, ou na realidade o que deveríamos estar a fazer com o título era a desejar bons sonhos à personagem titular, e dessa forma necessitamos de utilizar o vocativo. Mas, em respeito à grafia escolhida pelos autores, e tendo quase a certeza que o desejar bons sonhos a Alex é na realidade o que os autores queriam dizer, vou continuar a falar de Sweet Dreams Alex controlando o desejo de assinalar o vocativo com uma vírgula.
A história subjacente a este curioso puzzle/tower defense game é interessante, e facilmente empatizável por todos. Alex é uma criança que se sente extremamente nervosa com a mudança que terá pela frente. Com a sua casa cheia de caixas com os pertences da família, é o seu fiel companheiro ursinho de peluche que teme que esse nervosismo se materialize em pesadelos. E é aqui que entra o conceito mecânico por trás do jogo: cabe-nos a tarefa de desenhar e construir labirintos para que os pesadelos não cheguem até Alex até à hora do dia raiar.
Um conceito simples e que poderia facilmente esgotar-se e cair na monotonia após alguns níveis, na realidade o estúdio Clarity Games conseguiu ir progressivamente adicionando elementos a Sweet Dreams Alex para que exista um sentimento de frescura na progressão do jogo.
Algumas dessas adições ou limitações mecânicas passam por tipos diferentes de pesadelos, alguns mais rápidos, e que carecem de trajectos diferenciados, caixas fixas ou elementos pré-definidos no cenário no qual temos de organizar o labirinto.
Com uma direcção de arte em pixel art que consegue manter-se detalhada e fresca a cada novo nível, Sweet Dreams Alex é uma agradável surpresa, especialmente na forma como consegue manter o desafio e a inovação, nível após nível.
Adicionemos a isto as páginas do diários dos pais de Alex que nos vão contando em cada nível como é que a menina e a sua irmão estão a lidar com a ansiedade da mudança, e o seu dia-a-dia, e temos aqui neste jogo um dos jogos mais surpreendentemente profundos que vimos nos últimos tempos.