Tentar sempre ser tabula rasa em relação aos jogos que vou analisar, não vendo sequer trailers e pouco mais que screenshots, tem pontos positivos. Há uma certa imunidade a ideias pré-concebidas, ao hype e até ao posicionamento que os criadores querem dar ao jogo, especialmente nos exemplos em que ele é enganador. Mas há outro lado potencialmente negativo, o de ter as minhas expectativas completamente atirados ao lado em relação a um jogo que estou a jogar.

Quando vi Sixty-Four, com o seu ambiente depurado quase-abstracto, onde a imensidão do vazio contrastava nas imagens disponibilizadas para a imprensa como um quase city builder no vácuo. Mas a realidade é que Sixty Four, desenvolvido pelo solo creator Oleg Danilov é sobretudo um cruzamento de clicker e um jogo de estratégia de automação, como tantos excelentes exemplos já recebemos.

Para todos aqueles que possam estar subitamente apreensivos por lerem a palavra clicker, deixem-me dizer-vos que eu não tenho qualquer preconceito com clickers (já estive até, por diversas vezes mais preso a um do que devia) e também que mesmo com elementos de jogos incrementais, posso dizer-vos que este jogo, com o balanceamento certo, poderá ser uma excelente ponte mesmo para aqueles que detestam idle games.

Em Sixty Four começamos no vácuo, com um extractor que ao clicarmos fica rodeado de cubos pretos. Podemos de seguida clicar nesses cubos pretos chamados de Charonite, desfazendo-os em minério utilizável para construções. À medida que o extractor traz para a superfície estes cubos gigantes, é-nos indicada a profundidade com que estamos a furar. 

Muitos dos desbloqueios de novas construções estão interligadas a triggers de profundidade específicos, o que por si só não tem problema. Mas o que senti, para além do desfio de começar a construir e a automatizar esta extracção de minério e a alimentação sequencial das máquinas progressivamente mais avançadas que vamos encadeando na estrutura, é que de algo interessante mecanicamente, e que nos obriga a uma reflexão e gestão cuidadas para a definição de um sistema eficaz, rapidamente caímos no tédio da aura de idle game.

O ritmo inicial do jogo, onde a progressão é feita também com a resposta a pequenas quests que servem de tutorial à sistematização das nossas construções é subitamente preterida por uma abordagem em que esperamos atingir determinadas metas de profundidade para fazer trigger a novas tecnologias, mas também a novas linhas de diálogo.

Paralelamente a todos o jogo temos no canto inferior esquerdo uma conversa entre dois amigos que apenas de forma metafórica podemos correlacionar com o que se está a passar no meio da paisagem alva de todo o ecrã. Um contraste que me agrada, pelo mistério associado e pela distinção entre as duas camadas.

Agradam-me jogos que não nos explicam tudo, mas talvez Sixty Four tenha ido longe demais. Não termos sequer ideia de quando ou como atingiremos a próxima meta que nos desbloqueará novas tecnologias leva-nos a fazer como eu fiz: deixar o computador ligado e tentar optimizar a automização da minha estrutura, na esperança de atingir esse valor escondido que fizesse o jogo avançar. E fi-lo apenas para descobrir, ao chegar ao computador, que tinha ficado sem um dos recursos que providenciava energia à maioria das máquinas e que a minha estrutura industrial abstracta estava ali, a jazer imóvel.

Assumindo Sixty Four como um clicker, tenho que vos dizer que a sua direcção de arte torna-o possivelmente o mais bonito idle game que alguma vez joguei. Com estruturas de automatismo que decerto apelariam a fãs de Factorio e a outros jogos do género, existe ainda muito trabalho de balanceamento para impedir Sixty Four de cair numa lógica de repetição e monotonia que nos leva a abandonar o jogo passadas algumas horas.

(nota: estou a ver o trailer pela primeira vez e se tivesse lido o título nunca teria assumido o que assumi dele. Uma assunção que ainda assim não me influenciou na visão que construí do jogo ao jogá-lo)