Por algum alinhamento dos astros, ou, cumprindo o tema, com um lance mágico de dados, calhou-nos receber dois dicebuilders roguelike quase em simultâneo para cobertura. 

Nota: aparentemente toda a gente já diz dicebuilder, portanto esqueçam lá o eventual crédito que pedia caridosamente no artigo anterior.

Acreditar no coração dos dados I: Tamarak Trail

Fechando o ciclo de dois indies que se propõem a fazer algo muito similar mas com resultados muito diferentes, temos Dicefolk, desenvolvido pelo LEAP Game Studios, do Perú, autores de Trunche, um conjunto de criadores conhecidos pela sua magnífica direcção de arte com ilustração tradicional, do qual este novo jogo não escapa à tradição.

Se os elementos que aproximam Dicefolk de Tamarak Trail são muitos, na realidade há mais do que os separa. É que Dicefolk pega em todos esses elementos tradicionais todos e mistura-lhe uma pseudo-camada de monster collecting.

Mas apesar das comparações, Dicefolk é um jogo mais equilibrado e memorável que Tamarak Trail, especialmente pela forma como utilizam os dados como sistema de combate e estratégia de cada uma das lutas na composição da nossa party e da dos inimigos.

Começamos com uma das nossas quimeras na frontline, no vértice do triângulo mais ao centro, e será ela quem atacará e será atacada. 

Cada quimera, nossa e dos adversários, lança um dado cada, num máximo de 6 dados em cada combate. Nós escolhemos a ordem e o alvo de cada acção (se possível), mas temos ainda uma regra – somos obrigados a seleccionar todos os dados do adversário (qualquer coisa inversa tornaria o jogo em algo muito fácil).

O interessante para a estratégia é que tanto os nossos dados como os dos adversários incluem faces de rotação (ou mesmo acções que obrigam a rotação), mudando a posição de qual a nossa quimera (ou a do adversário) está em posição de ataque ou de suporte.

Esta gestão da rotação das quimeras na ordem do turno torna toda a estratégia mais interessante. Podemos ter uma quimera que cura automaticamente a sua equipa se começar numa posição de suporte, ou outra que ataca gratuita e instantaneamente se estiver na posição de líder. Pensarmos nas habilidades de cada um – lendo atentamente os adversários – e definirmos as acções, resguardando as quimeras que necessitamos de proteger, e as adversárias, que queremos atacar, utilizando as respectivas faces de rotação, se presentes. Tudo isto torna o combate de Dicefolk muito mais profundo e dinâmico do que eu próprio esperaria.

As quimeras têm elas mesmo uma grande inspiração nas lendas sul-americanas, e são subdivididas em tipos, similar a Pokémon, criando oportunidades de forças e fraquezas. Pelo nosso caminho podemos mudar a nossa composição com quimeras que encontramos. Porém, estas não ficam imediatamente disponíveis numa próxima run, temos sempre de começar com uma equipa inicial. Encontrar as quimeras permite que elas fiquem “possivelmente encontráveis” numa próxima run.

Os níveis de customização ao longo de cada tentativa passam pela alteração das faces dos nossos dados, mas também do equipamento instalado em cada quimera. Essas aquisições e alterações são feitas em pontos específicos que encontramos no mapa, e não ficam encerrados por uma visita única.

Pela nossa travessia na campanha percebemos que ao contrário de muitos roguelikes, Dicefolk permite-nos viajar para a frente e para trás no mapa nos pontos descobertos a nosso bel-prazer, permitindo inclusivamente revisitar alguns vendedores.

Somemos a esta diversidade mecânica as excelentes boss fights que habitualmente trazem um desafio mecânico inerente, e que elevam, ainda mais, o desafio de todo este jogo, e percebemos porque é que dentro desta nova vaga de roguelikes a utilizarem dados temos Dicefolk como um dos seus melhores exemplos.