Há obras que involuntária e invariavelmente irão destruir de alguma forma o olhar como receberemos outras que lhes procedem. É impossível não traçar diversos paralelismos entre Rise of the Rōnin, da Team Ninja, o mais recente exclusivo da PlayStation, e uma das grandes surpresas do final de vida da PS4, Ghost of Tsushima, da Sucker Punch. E infelizmente, apesar da qualidade daquele, o jogo já com 4 anos projecta uma sombra longa demais para que a consigamos ignorar.
Em todos os pontos que possamos comparar, Ghost of Tsushima é superior a Rise of the Rōnin. Seja visual, narrativa, musical ou mecanicamente, o jogo da Sucker Punch é o padrão pelo qual qualquer open world AAA passado no Japão feudal se rege. É claro que em orçamento de produção este impacto também se sente.
Em Rise of the Rōnin vivemos uma mistura entre a realidade histórica e a inclusão de elementos ficcionais. Entre a História real do Japão de 1860, da sua abertura ao império britânico e aos EUA, e das tensões internas que levaram no final da década à Guerra Boshin, uma guerra civil que opôs a governação do Xogunato de Tokugawa e as forças leais ao poder imperial de Meiji. O resultado, como sabemos, foi a derrota e extinção do Xogunato. Rise of the Rōnin coloca-nos no meio dessas tensões, permitindo-nos, através de side quests, escolher a nossa posição na Guerra.
Somos Blade Twins, uma unidade dupla de assassinos em plena sincronia treinados para a facção Veiled Edge, por parte do clã Kurosu, como oposição à governação do Xogunato.
Sem incorrer em spoilers, até porque isto é algo que acontece no prólogo: apesar de termos personalizado os dois personagens que compõem esta unidade de Blade Twins, no final da introdução teremos de escolher qual será efectivamente o nosso protagonista, e qual morrerá, despoletado o início da história propriamente dita.
Independentemente da escolha, o mundo abre-se perante nós, agora assassinos a solo, e a trama que a acompanha começa a desembrulhar-se à nossa frente. Mas apesar de termos algumas escolhas, nomeadamente nas missões secundárias opostas que nos levam a escolher uma posição pro ou anti-Xogunato, a realidade é que essas escolhas colidem com a história principal, de forma estranha. Imaginem que seguiram o mesmo caminho que eu, anti-Xogunato, e juntaram as vossas forças aos rebeldes. Se uma missão principal e obrigatória nos leva a defender o Xogum e a matar rebeldes, então as nossas escolhas são inconsequentes. Com uma excepção clara, e não perceptível: é possível que alguns inimigos que tenhamos a possibilidade de poupar ou se tornem nossos aliados, ou que nos possamos cruzar mais tarde, em contexto diferente do que combatemos. Exceptuando isto, as side quests (e todos os personagens que conhecemos) para além de serem narrativa e criativamente repetitivas e pouco inspiradas não têm o efeito real na grande escala do mundo, e tornam-se, na realidade, inconsequentes.
Mesmo a possibilidade de levar a cabo missões em cooperativo com outros jogadores ou com um dos nossos aliados NPCs são muito similares às missões single player que já temos, e dificilmente requerem um nível de coordenação muito superior ao que temos nas restantes missões, principais ou secudárias.
Apesar de algumas pessoas esperarem em Rise of the Rōnin um jogo que lhes aplaque a sua fome por jogos soulslike, dificilmente este novo título o corresponderá, até porque em momento algum se promete em fazê-lo. Rise of the Rōnin é um open world action game, com mais semelhanças com os títulos que a Ubisoft lança ano-após-ano do que qualquer criação da FromSoftware dos últimos 15 anos.
Mas reflectindo já nesta componente, a da abertura de mundo e dos objetivos opcionais e coleccionáveis, Rise of the Rōnin parece beber de uma nova corrente que eu acredito tenha sido aberta com o magnífico Marvel’s Spider-Man 2: menos polvilhamento de pontos espalhados, sem a necessidade de – e citando o meu amigo Rui Parreira – andar a “pintar o mapa”.
Agrada-me a postura honesta de termos um número limitado de objectivos pelo mapa, sem nos obrigar a um grind excessivo para os completar. Aliás, na maioria das vezes acabei por completar a 100% cada região no máximo uns 15 minutos após a ter conhecido pela primeira vez, o que se tornou o meu foco principal para o meu cérebro colecionista desde logo.
Este mergulho directo na completude de cada região levou-me rapidamente a obter muito equipamento forte, a subir vários níveis, e a sentir rapidamente que a minha protagonista ficou consideravelmente mais poderosa que os inimigos, levando até aos combates com os fugitivos – inimigos especiais presentes em cada região – a serem uma verdadeira brisa numa floresta de cerejeiras.
O problema do mundo de Rise of the Rōnin não é a sua extensão, é o quão desinspirado e monótono ele é. Com as muitas regiões de Yokohama, Kyoto e Edo a terem muito pouca difereniação visual entre si, e por acabarem por ser maioritariamente esquecíveis.
Rise of the Rōnin faz-nos chover loot, sem que as armas ou armaduras que encontramos tenham muito impacto em termos de melhorias estatísticas, sendo esse crescimento amplamente marginal entre si. Estou constantemente a vender armas, e os vendedores raramente têm equipamento melhor que o meu, o que me leva a raramente sentir um crescimento considerável da minha protagonista à excepção das habilidades a que tem acesso.
O combate parece mais punitivo no início, quando ainda não nos ambientámos aos controlos, ao ritmo, e até a termos equipamento e nível decente, e morri muitas vezes na primeira hora. A curva de masterização dos controlos e do mergulho no mindset demora a ser dado, mas assim que o atingimos é fácil de tornar todo o combate bastante instintivo.
Para além de block e dodge, o jogo ensina-nos a mecânica de counterspark, uma deflecção especial que no tempo ideal não só evita o golpe adversário, como remove parte da sua barra de Ki, a energia que funciona como stamina neste jogo. Se o adversário (ou nós) tivermos a nossa barra de Ki exaurida, ficamos cansados e abertos a um critical hit, ou um pouco mais à frente, se escolhermos essa habilidade na tech tree, a capacidade de fazer um killing blow.
Apesar destes diversificados elementos de combate, a variedade de inimigos é curta, e à medida que aumentamos o nosso arsenal com uma corda e arpéu (podendo puxar inimigos para nós até os que estão nos telhados), ou armas de longo alcance como arcos e armas de fogo, cada encontro e combate é excessivamente similar às dezenas de outros que já tivemos antes.
Existe um sistema de pedra, papel, tesoura como em Ghost of Tsushima, mas menos profundo, e aqui refere-se a tipos de arma, e não a posturas de combate. A realidade deste sistema de forças e fraquezas é que contrariando a natureza inicial do meu personagem, encontrei uma arma lendária tão boa que passei a usá-la em todo o jogo, até em combates onde estava em vulnerabilidade.
Apesar de achar o combate infinitamente mais simplista do que o de Ghost of Tsushima, e de me surpreender a mim mesmo com a capacidade que tive para “entrar” no mindset e controlos do jogo, alguns inimigos, se formos descuidados, ainda nos podem matar. E aí, ao estilo soulslike, perdemos o karma que angariámos e que ainda não tínhamos depositado e inicia-se uma vendeta: se derrotarmos quem nos matou, recuperamo-lo de volta. Karma esse que serve como fonte para ganhar novos skill points para comprar novas habilidades de uma das 4 tech trees.
Habituei-me tanto ao counterspark que só o fiz durante o jogo todo, deixei de fazer dodge e deixei de defender. Talvez para isso de devam os controlos: bloquear é no L1, defletir é no triângulo, assim como raramente usei o meu ki de forma ofensiva, com ataques especiais. O combate acabou por ser resolvido de forma tão simples com defelectir, atacar com combos, e usar critical hits/killing blows, que o resto ficou fora do meu espectro de acção.
Rise of the Rōnin é um bom open world com muito boas ideias que são, na sua grande maioria, pouco exploradas, como o planador, mas que consegue criar um mundo aberto medianamente interessante, e que é honesto o suficiente para não nos obrigar a dedicar dezenas de horas para o terminar. Viverá sempre na sombra de Ghost of Tsushima e não há um único elemento em que seja melhor com o título já com 4 anos de idade. Admito a injustiça de sentir que se Rise of the Rōnin tivesse saído antes de 2020, que a forma como conseguiria usufruir de todas as suas qualidades seria diferente. Mas as áreas culturais e artísticas são assim, e apesar das comparações é impossível não reconhecer que este novo jogo da Team Ninja é um open world muito bom, e as dezenas de horas que lhe dedicamos são repletas de diversão e acção.