Desde que vi Folly Of The Wizards no Indie X, tive um grande interesse em conhecer mais da obra e a história de André Ferreira e Luís Almeida criadores do jogo hoje em destaque.
Os dois produtores de Folly Of The Wizards cruzaram-se no seu percurso académico quando foram frequentar um curso de mestrado de Design Multimédia, em Coimbra. Mais tarde, trabalharam na mesma empresa e foi aí, nas horas vagas, que a ideia para criar um videojogo germinou. “Como os dois éramos e somos ávidos gamers, durante esse tempo e mesmo após termos ido para empresas diferentes, sempre nos mantivemos em contacto e falámos sempre em criar um jogo. Chegámos a fazer experiências de jogos mais pequenos, mas como trabalhávamos full-time nunca conseguíamos dedicar tempo suficiente, e acabávamos sempre por ter de abandonar o projeto. E isto durou uns bons anos, em que um de nós vinha falar com o outro e perguntar se era desta que avançávamos.”, disse-me André Ferreira, uma das metades da Upfox Labs, produtora de Folly Of The Wizards.
“Tínhamos a noção que talvez um jogo como um RPG seria algo que nos levaria demasiado tempo a fazer e precisaríamos um maior investimento para o conseguirmos terminar.”
Com um brainstorming aqui e uma reflexão acolá, as ideias começavam a ganhar forma, apesar do tempo limitado para estas passarem de ideias a algo concreto. “Contudo, após anos de trabalho em diferentes empresas, a experiência ganha, permitiu-nos no início do ano passado finalmente avançar com a criação deste jogo que sempre falámos. Estamos numa posição muito melhor em que conseguimos dedicar as nossas horas de trabalho em totalidade à criação do jogo. Com isto, e com muito brainstorming à mistura, a ideia do Folly Of The Wizards começou a ser criada. Também, o facto de cada um conseguir se focar numa área (eu em ilustração / UI e animação) e o Luís em (programação/VFX) facilita bastante o trabalho. Com isto tudo, criámos então a nossa empresa, Upfox Labs, com o intuito de nos lançarmos no mundo dos videojogos e lançar o nosso primeiro jogo.”, revela André sobre o seu percurso até à abertura da sua empresa para criar jogos, a Upfox Labs.
Algo que me desperta a curiosidade, quando se fala na criação de videojogos, é perceber quais foram as condições e circunstâncias que levaram à ideia que originou a obra que está a ser moldada. Há sempre uma fonte de inspiração, um episódio marcante passado no crescimento de crianças até jovens adultos, ou um evento familiar que foi impactante e que deu forças a quem está agora num processo criativo. Nesta entrevista realizada através de e-mail, procurei saber precisamente isso, como é que a ideia do primeiro jogo da Upfox Labs evoluiu para o que é agora Folly Of The Wizards, que até foi um dos cinquenta finalistas para o Indie X 2023, evento português que celebra produções independentes de todo o mundo.
“Quando decidimos avançar com a criação do jogo, começámos por ter em conta o tamanho da nossa equipa (eu e o Luís) e os nossos gostos pessoais em jogos. Tínhamos a noção que talvez um jogo como um RPG seria algo que nos levaria demasiado tempo a fazer e precisaríamos um maior investimento para o conseguirmos terminar.”, revela André, pois algo importante quando se faz um jogo é ter em conta o orçamento e a mão-de-obra que realizará a ideia videojogo. “Com isto, ambos concordámos em avançar com um 2D roguelike. É um estilo que jogamos bastante e que nos sentimos confortáveis em criar.”, foi assim que começou o desenvolvimento ativo para o que iria ser Folly Of The Wizards. “A base estava então decidida. Em termos de história, queríamos fugir do típico herói que vai crescendo em poder até chegar ao fim da jornada, e focarmo-nos numa personagem cómica sem grandes habilidades mas que vai aprendendo ao longo do caminho. Fomos debatendo esta ideia e surgiu então a história principal do Folly Of The Wizards: Os Magos Séniores estão demasiado velhos para salvar o mundo, e cabe então aos seus aprendizes mais novos esta tarefa. A falta de experiência faz com que estes aprendizes lancem feitiços cómicos e sem qualquer lógica.”, continuou André a falar-me do que seria a narrativa do seu primeiro jogo comercial.
De seguida, também quis saber o quê que influenciou a criação de Folly Of The Wizards. Curiosamente, tive uma resposta que não esperava: Samurai Jack, animação da Cartoon Network da qual André Ferreira teve sempre uma “grande paixão”, enquanto que quanto à jogabilidade é The Binding of Isaac uma das suas principais referências, porque gostam da “quantidade de possibilidades de builds, combinações entre itens e caminhos” que a obra de Edmund McMillen proporciona. E claro, à medida que o desenvolvimento do jogo progride, surgem novas ideias. Assim, Folly Of The Wizards foi ficando como uma cebola cada vez maior, com várias camadas, para colmatar o facto do jogo lhes parecer demasiado simples.
Neste momento, a Upfox Labs encontra-se numa fase para angariar recursos para entrar na etapa de finalização do jogo. Ou seja, estão a ver se conseguem convencer uma editora que lhes ajude com tudo o que seja necessário para finalizar Folly Of The Wizards, o que inclui mais algumas verbas e o conhecimento técnico necessário para porting do jogo. Entretanto, algo fundamental para qualquer equipa indie ou produtor solitário que se queira aventurar na criação de um jogo, é o marketing do produto que está a ser feito. É preciso ter uma voz que berre mais alta que todas as outras, a concorrência é feroz. Ainda no outro dia soube-se que a Steam recebe cerca de quatro dezenas de jogos por dia. Por isso, a minha curiosidade levou-me a questionar o André, porta-voz da Upfox Labs para esta entrevista, quanto aos planos que ele e o seu parceiro, Luís Almeida, têm para se fazerem destacar no oceano de videojogos que são lançados semanalmente, sejam indies ou triple A, para PC e consolas.
“Esta build inicial, quase que como um protótipo, ajudou-nos bastante em pôr-nos em contacto com diversos publishers e também a criar bastante conteúdo de media. Desde o início que fomos sempre fazendo bastante marketing do jogo. Enquanto vamos produzindo o jogo, conseguimos tirar sempre conteúdo para as redes sociais: novos itens, vídeos de jogabilidade, personagens, etc. Penso que o marketing, no nosso caso, sempre esteve lado a lado com a produção do jogo. Qualquer coisa nova que tenhamos para mostrar, vamos mostrar (guardando alguns segredos para o fim).”, começou o responsável pelas mecânicas de Folly Of The Wizards a dizer-me. “Agora a dificuldade surge na parte de nos destacarmos da multidão. Penso que seja um processo lento, mas no nosso caso temos visto algum sucesso em postar todas as semanas nas redes sociais principais. Também entrar em contacto com outros developers de jogos tem sido bastante útil, porque partilha cria partilha e acaba-se por criar uma rede de suporte bastante grande.”, continuou a escrever-me André nas nossas trocas de e-mail.
“Penso que as maiores dificuldades que surgiram até agora no projeto, foi exatamente o facto de ser o primeiro e ser um projeto tão grande. Os primeiros bugs, as primeiras animações que não funcionam, o primeiro refazer de certas áreas do jogo, o aprender com o erro.”
“Com isto, posso dizer que as redes sociais têm sido a nossa melhor opção a nível de destaque. Contudo, este ano planeamos ir a mais eventos físicos e como não podia faltar, a Steam Next Fest. Para além do trabalho que temos feito em mostrar o nosso jogo ao mundo, precisamos sempre de mais ajuda a este nível por sermos uma equipa pequena. Por isto é que uma publisher é essencial no nosso caso, não só a nível de funding para conseguirmos completar o jogo, mas também a nível de contactos no mercado que nós, enquanto primeiro jogo, não possuímos. Em suma, tentamos estar presentes no máximo de sítios possíveis e mostrar que existimos. Seja isto virtualmente, ou presencialmente.”, rematou o produtor nesta fase da entrevista.
Dos poucos detalhes que conheço do evento Steam Next Fest é que só se pode participar uma única vez – o que poderia significar que o jogo já está quase pronto. Por isso, tentei saber mais sobre as dificuldades que a dupla de produtores está a passar com Folly Of The Wizards, porque a fase de finalização pode ser um período mais stressante. E é na superação das dificuldades que se encontram boas histórias e bons exemplos de perseverança ou de confusões que necessitam de se resolver para retomar o tempo perdido. Obviamente, ainda há muito trabalho pela frente, até porque Folly of The Wizards tem lançamento previsto, para já, para o primeiro trimestre de 2025, para PC e consolas.
“Como somos só duas pessoas, penso que tenha sido mais fácil gerir o tempo dos dois; não temos que nos preocupar com gerir equipas maiores e com calls diárias para confirmar de que estão todos no mesmo barco. Estando cada um a trabalhar de casa, também conseguimos evitar algumas despesas que o escritório nos traria e como trabalhámos tantos anos juntos em pequenos projetos, temos uma melhor noção da organização de projetos e conseguimos planear bem a gestão do tempo e recursos necessários para a criação do jogo.”, falou o André em relação à gestão dos vários aspetos da produção do seu primeiro videojogo. “Penso que as maiores dificuldades que surgiram até agora no projeto, foi exatamente o facto de ser o primeiro e ser um projeto tão grande. Os primeiros bugs, as primeiras animações que não funcionam, o primeiro refazer de certas áreas do jogo, o aprender com o erro. Contudo, posso dizer que o mais difícil foi definitivamente o arranque do projeto: por onde começar, quais os primeiros passos e a criação dos primeiros elementos do jogo. Com o passar do tempo, quando o estilo do jogo começa a ficar mais definido e começamos a ver a “roda a mexer”, ficamos mais motivados e as coisas vão-se tornando mais fáceis. Conseguimos ir superando estes obstáculos com bons e maus dias. Nos maus dias, não forçamos e descansamos; nos bons dias aproveitamos e avançamos.”
Para Folly of the Wizards ficar terminado falta criar assets e conteúdo, ou seja, inimigos, sejam eles meros monstros ou bosses, o mapa do jogo e muitos outros detalhes para o jogo estar bem recheado de elementos que possam enriquecer a experiência. “O loop e as mecânicas principais do jogo já estão completas”, diz-me André e isso é um dos pontos mais importantes, nomeadamente num roguelike que tanto depende deste aspeto para estar bem construído. Com tanto tempo a criar este jogo que houve certamente muitos momentos de aprendizagem, até porque para um primeiro jogo é normal e natural cometerem-se erros, o importante é reconhecê-los a tempo e emendá-los. “A criação deste nosso primeiro jogo tem sido só por si uma grande aprendizagem. Há sempre algo novo que aprendemos no caminho e que temos a certeza de que faremos de maneira diferente no desenvolvimento de um segundo jogo.”, disse-me o criador da Upfox Labs. Se houve um processo de aprendizagem, a meu ver, estes dois produtores já devem ter conselhos para darem a futuros produtores, que estejam porventura a tirar a formação necessária para começar a criar a sua obra em linguagem computacional.
“Com isto, o que aconselho a quem está a começar agora nesta aventura de lançar o seu primeiro jogo e que acho que seja de extrema importância, é o “planeamento prévio”. Quando tiverem a ideia do vosso jogo e o estilo definido, estudem bem o mercado: que outros jogos estão a ser feitos no mesmo estilo do vosso? Que jogos de sucesso foram lançados e que se assemelham ao vosso? O que os fez ser um jogo de sucesso? O que os jogadores deste estilo realmente apreciam nestes jogos? O estudo prévio do mercado ajuda bastante a delinear as mecânicas principais do jogo.”, isto é o primeiro conselho do André, elaborar um pré-planeamento. “Segundo passo, será então delinear por alto tudo o que necessitam para o vosso jogo em termos de assets, programação, etc. e uma estimativa de tempo necessário para terem uma versão protótipo jogável em que tenha o loop e mecânicas básicas do jogo em funcionamento. Este protótipo não só vos ajuda a perceber se o jogo é “fun” e se a vossa ideia funciona bem, mas também é extremamente necessário no caso de precisarem de funding de uma publisher.”, depois o André sublinha que é preciso saber o quê que se necessita para realizar uma demo ou uma build, para assim a vossa criação começar a estar no radar das editoras que sondam o mercado. “Terceiro passo, mas não menos importante, comecem a mostrar a vossa ideia nas redes sociais o quanto antes. O melhor marketing começa com a ideia, e quanto mais cedo a começarem a mostrar, mais cedo começam a ter feedback e interesse por parte de jogadores: não deixem o marketing para quando o jogo já estiver quase feito. Quarto passo, será entrarem no máximo de grupos do Discord de desenvolvimento de jogos possível. Estes grupos têm pessoas excelentes que vos ajudam em qualquer dúvida que vos possa surgir ao longo do caminho. Posso sugerir alguns, como o “Game Developers PT”, “Work With Indies”, “Devs & Dorks” e “How To Market A Game”. Por último, rodeiem-se de uma equipa de pessoas que adore o vosso projeto tanto como vocês o adoram. Uma equipa motivada e apaixonada pelo projeto, é o que vos vai fazer seguir em frente quando enfrentarem as dificuldades que vão surgir pelo caminho.”, finaliza André.
A entrevista terminou com uma última mensagem para jovens produtores que ainda estão a coçar a cabeça à procura de respostas para os problemas e dificuldades para a longa jornada que é criar um videojogo: “Não desistam, e lembrem-se que só o facto de completarem a criação de um jogo, é espetacular. Pode ser um percurso cansativo e longo, mas a satisfação de ver a vossa ideia a ganhar vida é incomparável.”
Espero que André Ferreira e Luís Almeida tenham toda a sorte do mundo para o seu Folly Of The Wizards. Não é fácil criar jogos, muito menos nestes tempos conturbados onde muitos profissionais da área estão a ser despedidos às centenas e aos milhares de cada vez.