Hellblade: Senua’s Sacrifice esteve sempre no meu radar, primeiro por ser uma experiência curta, e finalmente por toda a gente dizer que era um bom jogo. Dogmaticamente encaro estes jogos que giram em torno duma temática séria e muitas vezes excluída dos videojogos como uma forma de se capitalizar sobre esse tema popular ignorando o jogo em si. A grande maioria das vezes este problema coloca não só quem analisa, mas também quem o joga numa situação ingrata, já que directa ou indirectamente se irá sentir coagido a falar bem sobre o jogo dada a sua importância ou relevância social. São cheat codes publicitários.
Para piorar a situação trabalho no ramo da saúde, e deparo-me amiúde com pessoas com problemas de saúde mental, logo imaginava o desafio que deveria ter sido criar um jogo que os tentasse mostrar de forma séria, sem demagogias, eufemismos ou truques para impressionar ou condicionar os portais que decidissem falar sobre ele.
Escrevo após terminar o jogo e estou impressionado com a sua execução, mesmo desconsiderando o facto de ter visto o pequeno documentário que aparece após os créditos onde a equipa da Ninja Theory mostra o detalhe a que se deu para fazer Hellblade: Senua’s Sacrifice.
Repito que a Saúde Mental não é a minha área, mas a forma crua e detalhada como todos os monstros, vozes, alucinações, duvidas, dificuldades e dissincronias da realidade/ficção que por vezes me foram e são descritas são assustadoramente reais. Como alegoria, ou mesmo como chamada de atenção Hellblade: Senua’s Sacrifice é incontornável e um tributo dificilmente visto ou conseguido com um videojogo.
Claro que essa temática praticamente açambarcou todo o discurso em torno do jogo que tem muito de positivo, especialmente a captura visual de Senua, por vezes tão realista que parece que se estendermos a mão e tocarmos no ecrã seremos capazes de a sentir, isto claro se excluirmos o cabelo.
Ainda há pouco tempo escrevi sobre Spirit of the North que também se baseia em alguma mitologia nórdica, mas só me fez desconsiderá-la, algo que é exactamente o inverso em Hellblade: Senua’s Sacrifice. Este jogo só me deu vontade de reler o meu escamartilhão dedicado às diversas mitologias, mesmo sabendo que a nórdica é das menos documentadas já que se baseava muito na transmissão oral, uma espécie de mononucleose mitológica, e se é que posso elogiar ainda mais a maneira como foi explanada, gostei muito mais dela do que em God of War, jogo em que tiveram que ter imensas liberdades criativas para a encaixarem no jogo.
O que eventualmente tem de menos bom tem Hellblade: Senua’s Sacrifice são os puzzles, que são muito simplistas e mesmo repetitivos, mesmo que a maneira como os tentam embrulhar seja, duma forma algo peculiar, original.
Também penso que a crítica feita aos momentos de luta é um pouco cruel. São momentos perfeitamente aceitáveis e comparáveis à vasta maioria dos jogos da altura, até melhor que muitos numa fase em que pululavam jogos a imitar a embrutecedora luta da franquia Batman, especialmente quando enfrentávamos os bosses.
O aviso feito ainda antes de chegarmos ao ecrã de jogo é extremamente importante. Usem headphones ao jogar, já que são parte importante não no jogo em si, mas para termos uma noção mais concreta do sofrimento de Senua.
Quando acabarem o jogo também vão perceber que estiveram perante uma versão muito superior de Spec Ops: The Line, já que o jogo é mesmo bom e o final é muito mais inteligente e muito menos in your face. Não esperavam esta, pois não?
Finalmente estou pronto para Senua’s Saga: Hellblade 2. Ainda bem que finalmente decidi jogar Hellblade: Senua’s Sacrifice. Está no Game Pass, se nunca o jogaram e subscrevem o serviço não perdem nada em ir lá investir 7 ou 8 horitas do vosso tempo.